Mbappé e os recados a Neymar

Cesar Cardoso
4 min readJul 25, 2018

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(Aquele aviso amigo: Este texto é melhor lido em conjunto com meu texto anterior.)

Kylian Mbappé merece um lugar ao sol futebolístico por méritos próprios: segundo jogador mais caro do mundo aos 19 anos, peça essencial na vitoriosa campanha mundialista de sua seleção, sendo constantemente comparado a um certo jogador quando tinha a sua idade. Futebolisticamente falando, neste momento não há ninguém a rivalizar com ele não apenas na sua geração (nascidos em 1997/1998, seguindo a lógica das Copas do Mundo para jogadores jovens) - ainda mais depois da discreta Copa de Gabriel Jesus pelo Brasil e da decisão de Jorge Sampaoli (e/ou de Lionel Messi) de não levar Lautaro Martínez e de deixar Giovani Lo Celso mofando no banco pela Argentina - mas em todo o sub-23 (em 2018 e certamente em 2020) no futebol mundial.

Mas quem está interessado em análises futebolísticas? Certamente não quando se quer passar recados a Neymar usando Mbappé como veículo.

Post de Neymar no Instagram, antes da final da Copa do Mundo de 2018.

Da obrigação de ser humilde

Existe uma regra não-escrita sobre a ascendência social no Brasil: se você subiu na vida, você tem que se mostrar humilde para servir de exemplo...

…a não ser que você seja um jogador de futebol campeão do mundo, porque um título mundial tudo apaga e tudo perdoa.

Um exemplo disso ocorreu no futebol brasileiro dos anos 90: por terem alcançado todos os títulos possíveis e serem a segunda geração mais vitoriosa da história do futebol mundial, as pessoas aceitaram e aceitam a marra de Romário, a autopromoção de Túlio, a eterna festa da vida de Ronaldinho e, até mesmo, a conturbada, futebolisticamente e criminalmente falando, carreira de Edmundo¹.

Haveria a mesma boa vontade caso não estivéssemos falando de jogadores de uma geração que, para ficar apenas nas seleções, tem dois títulos e um vice-campeonato em três finais consecutivas de Copa do Mundo e quatro Copas América em 10 anos? Usando o caso Neymar, não.

O ataque ao estilo de vida de Neymar começou de mansinho, com comparações de atos do “humilde” Neymar ao “irresponsável” Neymar; a partir daí o festival de livre associação da internet na era das redes sociais começou a fazer sua parte, com gente chegando a dizer que “Mbappé chegou de mansinho”… como se fosse possível um jogador que já era a “jóia da coroa”, e que chegou ao Parc des Princes valendo 135 milhões de euros, chegasse sem ser notado.

Evidente que a artilharia foi acionada de vez nas reações ao brasileiro não estar na lista dos 10 candidatos ao The Best 2018 da FIFA; pouco importa se uma contusão na preparação para a Copa do Mundo o fez perder 2 meses, o coro que vem de todos os lados é que “Neymar tem que aprender uma lição”, no caso: seja humilde, não tente seguir sua vontade, faça o que nós queremos que faça e nós o transformaremos em um “exemplo para os mais jovens”. Seguido, evidente, de matérias falando de planos de Deus e o mundo para “limpar a imagem” de Neymar.

(Aparentemente Neymar cedeu um pouco que seja, com um leilão beneficiente cujo único objetivo parece mesmo ser o início da operação de limpeza de imagem.)

O fim do direito à infantilização

A infantilização de adultos é uma característica do, vamos chamar assim, “discurso defensivo brasileiro”. É, em geral, reservada a quem achamos ser necessário defender por ter realizado algum ato que, para quem não é merecedor da deferência, seria reprovável; os merecedores da deferência acabam sendo, em geral, herdeiros e gente que fez o que nós gostaríamos de fazer mas temos medo das consequências do ato.

Mas astros do futebol também podem ter esta deferência, pelo menos enquanto acreditamos neles.

Na conversa futebolística brasileira, especialmente na imprensa esportiva, Neymar sempre foi tratado de maneira infantilizada; era sempre o “menino Ney”, não importando se já era um astro internacional, ou pai, ou qualquer outra coisa. O tratamento de “menino” era, não apenas, uma maneira de defender o jogador, mas também de justificar para nós mesmos o “passe livre” concedido para não precisar seguir a regra da humildade.

Até que, graças a uma campanha mundialista que não deu o resultado esperado e ao sucesso de Mbappé, o commentariat descobre que Neymar envelheceu 10 anos em, tipo, um mês, e já tem 26 anos; logo, deixa de ser o “menino Ney” e passa a receber reprimendas coletivas de “cresce”, “vira homem” e outros pedaços de lugares-comuns que geram likes e RTs. Neymar não tem mais a deferência da passada coletiva de pano, ou de mão na cabeça.

Um post-scriptum sobre o pai de Neymar

É irônico mas não inesperado que, em um evento montado para começar a limpar a imagem de Neymar Jr, o Neymar Pai tenha sido a estrela, ao disparar uma resposta maleducada a uma pergunta de uma jornalista.

¹: não citei o caso Adriano, embora não deixe de ser irônico que os mesmos que cobram humildade ficam se lamentando quando um jogador abandona o topo do mundo para voltar às suas origens.

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