Texto #Dois: Mandalas e o Ser Vegetariano

Chrysologo Neto
Revista Passaporte
Published in
6 min readMar 29, 2020

O que será explicado

Esse é o segundo texto de uma sequência sobre minha experiência pessoal em um Retiro Budista que aconteceu em 2017. Caso você esteja sem entender muito bem do que se trata, o Texto #Zero descreve o projeto nele você pode encontrar o sumário com links de todos os textos. Esse relato em específico retratará um pouco mais das minhas reflexões sobre Mandalas, Ser Vegetariano e Gestos de Amor.

Organização Pré-retiro

Meditação, Puja, corte de legumes, manutenção de cabos e teste de som, limpeza do dormitório, limpeza do banheiro, troca da resistência de chuveiros, Puja, reunião da Mandala Audiovisual e respirar. Juro que respirar foi a parte mais custosa. Hoje eu descobri a loucura que acontece nas vésperas de um retiro de 12 dias. Nunca tive tanta certeza que estava no lugar certo.

Mandalas, como organizam a casa

Reunião da Mandala Audiovisual, não consigo citar todos, porém, mais a esquerda é a Denise e eu sou o cara que está de camisa branca

Todo mundo já deve ter visto tatuagens de Mandala, brincos de Mandala, desenhos de Mandala, traduz-se, a [ ̶p̶o̶r̶r̶a̶ ] toda de Mandala. Segundo um hippie me explicou no centro de Manaus, ela é a simbologia que capta as energias dos objetos e pessoas que estão ao seu redor. E o hippie, em toda sua sabedoria, mais uma vez estava certo. Na minha visão simplista, a Mandala pode simbolizar todas as atividades e propósitos os quais sua vida gira em torno.

Essa comunidade budista administra as equipes que mantem esse centro organizado por mandalas dos mais diversos tipos. Audiovisual, ação, ensinamentos, alimentar e assim por diante. É curioso observar isso porque até mesmo nas partes práticas do cotidiano pode ser atribuído um valor que pode tocar nossos corações.

Quando você para pra pensar, a vida de todos nós tem uma Mandala. Algumas pessoas lutam pela igualdade de direitos, uns seguem fielmente a vida religiosa e outros se esforçam pra ser bons boêmios nas sextas-feiras. Tudo é questão de como você direciona seus ideais, ou como dentro da minha analogia, gira a sua Mandala da Vida.

Ser Vegetariano

Da esquerda pra direita, deck ao lado do refeitório, interior do refeitório e a estante onde são guardadas as louças

Me desculpem, mas falar de comida disputa o top five de melhores coisas a se conversar com estranhos. E adivinhem só… hoje conversei com a ex-estranha que mais ama vaquinhas nesse retiro: A cozinheira.

Logo após o café da manhã, por volta das 7h20, a nossa amante de vaquinhas começa os preparativos para o almoço. Eu, em toda minha boa vontade de aspirante a morador dessa comunidade, me prontifiquei para ajudar no corte de legumes que seriam usados no almoço. Mal sabia eu que foi um grande erro.

Perguntei dela no que poderia ajudar e ganhei nos meus braços um par de Morangas (Abóbora ou Jerimum, no dialeto Amazonense) que eram bem maiores que minha cabeça e pesavam, cada uma, mais que 5 Kg. Ok, meus olhos enxergaram isso. Pode ter sido bem menos, mas o fato é que nunca cortei tanta abóbora na vida.

No decorrer da batalha de cortes, comecei a conversar com a cozinheira e nunca senti tanto orgulho de ser vegetariano. Apenas imaginem o aroma, a crocância e o sabor do menu que ela disse para o almoço de hoje:

“Bolinhos de arroz, couve flor gratinada (muito bem dourada) ao molho branco, arroz integral, feijão preto, salada de legumes com molho verde e frutas orgânicas para sobremesa”

Exemplo café da manhã, almoço e janta (não inclui a refeição descrita, infelizmente)

Ao morder o bolinho de arroz me lembrei da explosão de sabores que, em Ratatouille, o nosso amado ratinho, sentiu ao morder um queijo com morango. Logo em seguida fui bombardeado pela textura da couve flor e o incomparável sabor do tempero de gengibre da salada de legumes. Pensei que o céu não era budista e também não tinha uma cozinheira tão boa.

Que orgulho de ser vegetariano. Logo depois de me deliciar comecei a questionar, mais do que nunca, a necessidade das pessoas comerem carne. Cultura, apego, costume ou simplesmente nunca conheceram uma cozinheira tão vegetariana.

Na minha opinião, o fato de não comer carne animal pode esta ligado a diversos fatores na prática budista. Além de ajudar fisicamente na prática de yoga e meditação, o maior dos motivos é o respeito e a significância dada a toda forma de vida. Não posso afirmar que todo budista não como carne, longe disso, mas muitos (que podem) adotam esse caminho por conta desse benefícios. Parafraseando um dos ensinamentos que obtive em mais um dos Pujas:

“Em meio de um grupo, tenha a certeza que você é o ser mais insignificante e que, todos ao seu redor, são os seres mais honrosos e respeitados que podem existir.”

Em um insight, isso deixou claro que uma das coisas mais importante na vida é nunca se sentir insubstituível ou importante demais. Isso sempre irá nos levar ao Reino dos Deuses e encher nosso discernimento de ilusões. E, obviamente, isso deixa claro o porquê de muitos desse retiro falarem pra mim:

“Olha que lagartixa linda, deixa eu tira-la daqui.”

Muitas pessoas de fora dessa bolha já estariam gritando com uma vassoura na mão.

Gestos de Amor

Ontem comentei meu suposto idealismo sobre a relação dos moradores dessa vila budista. Constatei que não era idealismo, brigas existem mas podem ser tratadas de diversas formas.

Nesse dia pegado, me deparei com algumas pequenas discussões cotidianas, reclamações de atitudes no geral e coisas que são normais em nossas vidas.

Aquela conversa desconfortável sobre alguém que está precisando de uns toques, sabe? Isso me decepcionou, mas logo em seguida tive uma surpresa.

A situação sofreu um giro e, ao buddhism style, o problema foi remediado. Uma dose de sorrisos e brincadeiras foram feitas de ambas as partes, criticando as manias irritantes e, no final, ambos falaram de saudades. Beleza, você deve estar dizendo que isso é uma cena comum de falsidade. Eu discordo plenamente.

Eu senti que eles se divertiam, assumiam seus erros e com toda compaixão deixavam claro o amor de conhecer os defeitos um do outro, mas mesmo assim, não deixarem de se admirar. Mas não pense que o budista seja alguma espécie de fortaleza impenetrável, de zen e comida vegetariana.

As coisas em algum momento podem sair do controle, mas por enquanto sinto que aqui se pode amar na maneira certa. Talvez seja isso, o budismo só quer nos ensinar a amar.

Quase ia esquecendo, acho que descobri o que é o Puja.

--

--

Chrysologo Neto
Revista Passaporte

He’s an overthinking guy and has dreams toward music production, alternative lifestyle and skateboard. He’s vegetarian, buddhist and almost a lier, almost.