Quem é o General Ratko Mladic, o homem condenado a prisão perpétua pelo Tribunal Internacional?

Condenado pelo Tribunal Penal Internacional para ex-Iugoslávia (ICTY), Mladic teve um papel crucial no massacre de Srebrenica.

Devlin Biezus
6 min readNov 24, 2017

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A Guerra da Bósnia acabou há 22 anos, mas seus ecos ressoam até hoje. Não é a primeira vez nesse ano que somos surpreendidos com notícias sobre a longínqua ex-Iugoslávia. Em julho, a Holanda foi condenada parcialmente culpada pelo massacre em Srebrenica (ler mais sobre aqui).

O julgamento de Mladic, finalizado no dia 22 de novembro de 2017, teve uma duração total de 530 dias. O ex-General foi indiciado para o Tribunal Penal Internacional da ex-Iugoslávia já em 1995, mas sua prisão apenas aconteceu em 2011. Entre os crimes em que ele foi acusado estão: genocídio, crimes contra a humanidade, perseguições, assassinato, extermínio e deportações forçadas. Todos ocorreram nas regiões das cidades de Sarajevo, Srebrenica, além de 15 municipalidades da Bósnia-Herzegovina.

Ratko Mladic é um dos principais nomes que personificam os piores crimes que ocorreram durante as guerras de dissolução da Iugoslávia. Apesar de crucial, ele não é o único. Mais de 161 pessoas foram indiciadas. Incluindo pessoas de alto escalão, como o principal líder político sérvio-bósnio, Radovan Karadzic; o ex-vice-Primeiro-Ministro da Sérvia, Vojislav Seselj; e o antigo Presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic.

O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia foi criado exclusivamente pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para julgar os indivíduos responsáveis por atos qualificados como crimes de guerra e crimes contra a humanidade durante as guerras da Iugoslávia.

O acusado

Antigo Comandante do Exército sérvio bósnio, Ratko Mladic ( 75 anos) passou quase dezesseis anos como foragido até ser preso na Sérvia, em 2011 e extraditado para Haia — onde é localizado o ICTY.

Ratko Mladic foi indiciado ao ICTY antes mesmo do fim da Guerra da Bósnia. A guerra acabaria em dezembro de 1995, com a assinatura dos Acordos de Dayton. A primeira acusação contra o General veio em julho de 1995.

O contingente do Exército Sérvio bósnio — comandado por Mladic — era formado por bósnios etnicamente sérvios e era a força armada da República Sérvia da Bósnia, também conhecida como República Srpska. A República Srpska foi proclamada, em 1992 após o anúncio de que a Bósnia-Herzegovina se separaria da Iugoslávia. Esse Exército integrava um movimento nacionalista sérvio, portanto, após o anúncio de que a Bósnia se separaria da federação iugoslava, foi decidido a proclamação de sua própria república que integraria a ex-Iugoslávia.

Os crimes

Onze acusações foram feitas contra Ratko Mladic perante o ICTY. Duas de genocídio, cinco de crimes contra a humanidade, quatro de violações das Leis de guerras.

O crime de genocídio, segundo a Convenção da ONU para a Prevenção e Repressão do Genocídio, é cometido por meio de atos que possuem a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Segundo a Convenção, os atos que possuem tal intenção de destruição são: matar membros do grupo; causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo e efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

No caso de Mladic, os grupos destruídos foram em maior parte os bósnios muçulmanos ,— também chamados de bosníacos — mas bósnios croatas também foram vítimas.

O caso mais conhecido, o massacre de Srebrenica, está diretamente relacionado com o General Mladic. Ele era o responsável em comandar as operações militares na região de Srebrenica. O plano do Exército sérvio bósnio era atacar a cidade cuja população era majoritariamente bosníaca, mas se localizava em uma região do país que a maioria eram sérvios. Ou seja, Srebrenica era um enclave bósnio muçulmano dentro da República Srpska. Assim, eles teriam um região etnicamente homogênea composta por sérvios.

Ao adentrarem no enclave, as forças sérvias bósnias separaram os homens de idade combatente das mulheres, crianças e idosos. Esse último grupo foi deportado da cidade, enquanto os homens, entre 12 e 60 anos, foram massacrados. Mais de oito mil homens e garotos foram mortos na região de Srebrenica.

Além de Srebrenica, Mladic também foi acusado pelos crimes que ocorreram em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina. O General foi responsabilizado por ordenar bombardeios e assassinatos na capital. A cidade foi bombardeada por 44 meses até a intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 1995.

Durante o cerco em Sarajevo, civis eram baleados enquanto realizavam sua atividades cotidianas. Em 1994, membros das forças bósnias sérvias bombardearam um mercado, matando 68 pessoas e ferindo mais de 140 pessoas. As vítimas eram em sua grande maioria civis. O cerco em Sarajevo resultou em mais de dez mil mortes.

O contexto

Como mencionado, a Guerra da Bósnia se encontra dentro das guerras de dissolução da Iugoslávia. A Bósnia-Hezergovina possui três etnias predominantes entre sua população: os bósnios croatas, os bósnios muçulmanos (boníacos) e os bósnios sérvios.

O plebiscito em relação ao desmembramento da federação iugoslava foi realizado, em 1992. O resultado foi a favor da independência. Como um meio de oposição a esse plebiscito e à independência da Bósnia, as forças sérvias bósnias, em conjunto com as forças da própria Sérvia e o Exército Nacional da Iugoslávia, declararam a formação de um novo Estado dentro da Bósnia: a República Srpska.

A área em rosa marca o território controlado pelas forças sérvias. Em verde, as forças bosníacas e em amarelo, croatas. As cidades de Srebrenica, Zepa e Gorazde podem ser vistas no mapa.

Exército da República de Srpska passou, então, a eliminar a população boníaca que se encontrava em seu território. Srebrenica não foi o único enclave muçulmano entre os bósnios sérvios. Cidades como Tuzla, Bihac, Zepa e Gorazde também foram atacadas.

O conflito armado foi efetuado em conjunto com uma pesada propaganda nacionalista a qual colocava diferentes etnias como inimigas, a ponto de que a sobrevivência de um grupos só seria possível em detrimento da eliminação da outra.

A propaganda e os discursos de ódio criou condições para que a população civil passasse a atacar grupos diferentes. Além disso, a desumanização feita com o grupo alvo — nesse caso, os bósnios muçulmanos — propiciou uma série de crimes impiedosos, como o estupro coletivo, as deportações forçadas, extermínios e o genocídio.

O veredito

Em 22 de novembro de 2017, Ratko Mladic foi declarado culpado como membro de várias atividades criminosas nas acusações de: genocídio; perseguições; extermínio; assassinato; deportações; atos desumanos em transferências forçadas; ataques injustos à civis e aprisionamento de reféns.

Segundo o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, os crimes cometidos por Mladic se classificam como os mais hediondos conhecidos pela humanidade. Assim, sua sentença foi prisão perpétua.

Diversos questionamentos e reflexões podem ser feitos sobre a condenação de Mladic. A punição é suficiente em relação os crimes cometidos? A sentença deveria ter sido mais rápida? A punição serve como prevenção para crimes similares?

Apesar de suas falhas, um aparato internacional capaz de julgar criminosos de guerra é imprescindível. Contudo, não é o suficiente para a prevenção de atos como o genocídio. A questão para a prevenção desses crimes ainda é uma incógnita perante a comunidade internacional e nos principais foros de discussões sobre o tema, como a ONU. O debate sobre a prevenção de crimes de guerra se relaciona diretamente com outro debate polêmico nas Relações Internacionais: o direito de intervir, ou não, nos assuntos internos de um país.

Ratko Mladic não foi o primeiro criminoso de guerra e também não é o último. A feridas da Bósnia ainda não estão bem cicatrizadas. É essa a pior consequência de atos como os quais foram responsabilizados por Mladic: uma população estilhaçada pelas perdas que sofreram, com ressentimentos difíceis de serem superados. Prisões não previnem próximos crimes, mas trazem a noção, muitas vezes necessária, de que justiça foi feita.

“25 anos atrás Fikret Alic foi fotografado em um campo de concentração na Bósnia. Hoje ele está em Haia esperando o veredito de seu carrasco, Ratko Mladic” Correspondente da BBC em post no Twitter.

As fontes para a redação desse texto foram retiradas do site oficial do ICTY.

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Devlin Biezus

Mestranda em Ciência Política, graduada em Relações Internacionais, projeto de pesquisadora, bookworm. Gosta de política, mas também de batata.