bell hooks: Ensinando a transgredir (pt 2/5)

Educação e Bem Viver
8 min readMay 5, 2019

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Esta é a parte 2, com capítulos 3 a 5. Parte 1 aqui, com introdução, capítulo 1 e 2.

Capítulo 3: Embracing change: teaching in a multicultural world

(…) there is not nearly enough practical discussion of ways classroom settings can be transformed so that the learning experience is inclusive (p. 35)

Não há discussão prática suficiente sobre as maneiras de transformar uma sala de aula para que a experiência de aprendizado seja inclusiva.

(…) any effort to transform institutions (…) must take into consideration the fears teachers have when asked to shift their paradigms. (p. 36)

(…) qualquer esforço para transformar instituições (…) tem que levar em consideração o medo que os professores sentem quando precisam mudar paradigmas.

Again and again, it was necessary to remind everyone that no education is politically neutral (p. 37).

Repetidamente foi necessário lembrar a todos de que nenhuma educação é politicamente neutra.

No processo de provocar uma mudança inclusiva na educação, hooks participou da criação de um ciclo de conversas na universidade. Percebeu, logo na primeira conversa, que era necessário restringir a participação aos professores: os alunos muitas vezes já estavam mais abertos à mudança, e os professores não se sentiam a vontade de expressar seus pontos de vista sinceros, até por medo de represálias.

(…) there must be a setting for folks to voice fears, to talk about what they are doing, how they are doing it, and why. (…) Hearing individuals describe concrete strategies was an approach that helped dispel fears. (p. 38)

(…) há de haver um espaço para que as pessoas possam expressar seus medos, falar do que eles estão fazendo, como e porquê. (…) Escutar pessoas descrevendo estratégias concretas foi uma abordagem que ajudou a dissipar medos.

Um dos grades medos dos professores é que a sala de aula se tornasse um espaço incontrolável, onde reinassem emoções e paixões. Uma possível estratégia é tornar a classe realmente democrática, de modo que todos sejam responsáveis, que todos colaborem na cocriação de uma pedagogia transformadora.

(…) we must build “community” in order to create a climate of openness and intellectual rigor. Rather than focusing on issues of safety, I think that a feeling of community creates a sense that there is shared commitment and a common good that binds us. (p. 40)

(…) devemos construir comunidade para criar um clima de abertura e rigor intelectual. Ao invés de focarmos em criar espaços seguros, acho que a sensação de comunidade criar um senso de que há compromisso compartilhado e uma busca pelo comum que nos une.

(…) one way to build community in the classroom is to recognize the value of each individual voice. In my classes, students keep journals and often write paragraphs during class which they read to one another. This happens at least once irrespective of class size. (…) Some students resent having to make a verbal contribution, and so I have had to make it clear from the outset that this is a requirement in my classes. (p. 40–41)

(…) uma maneira de construir comunidade na sala de aula é reconhecer o valor de cada voz individual. Nas minhas salas, os alunos tem diários e costumam escrever parágrafos durante a aula, que são então lidos entre eles. Isso acontece ao menos uma vez, independentemente do tamanho da sala. (…) Alguns alunos não gostam de ter que fazer uma contribuição verbal, e por isso eu deixo claro desde o início que esse é um requerimento do meu curso.

Para trabalhar com multiculturalidade, é essencial conhecer quem são esses outros. E aprender diferentes códigos sociais/culturais é parte da tarefa do professor.

Uma das consequência de trabalhar com uma perspectiva crítica é que a sala de aula não é um lugar tranquilo, e conflitos ocorrem entre todos. Por isso, o professor crítico abre mão de ser apreciado por seus alunos — ele colocará a crítica acima dessa recompensa imediata do “amor”.

(…)The presence of tension — and at times even conflict — often meant that students did not enjoy my classes or loved me, their professor, as I secretly wanted them to do. (…) [i had to] accept that students may not appreciate the value of a certain standpoint or process straightaway. (…) Moving away from the need for immediate affirmation was crucial to my growth as a teacher. (…) it takes time for students to experience that challenge as positive. (p. 42)

(…) A presença de tensão — e as vezes até mesmo conflito — frequentemente significava que os alunos não gostavam da minha aula ou me amavam, sua professora, como eu secretamente desejava. (…) [eu tive que] aceitar que os alunos podem não apreciar o valor de uma certa abordagem ou processo imediatamente. (…) Abrir mão da necessidade de afirmação imediata foi crucial para meu crescimento como professora. (…) Leva tempo para que os alunos experimentem o desafio como algo positivo.

A aquisição de conhecimentos e a prática de uma educação libertadora causa transformações na pessoa, e consequentemente na maneira como experiencia a vida. Reconhecendo isso e a importância desse processo em que a teoria converge com a vida, hooks pedia a seus alunos que compartilhassem essas experiências de transformação pelo conhecimento, por exemplo na volta das férias. Esse procedimento também cria comunidade.

(…) the can be, and usually is, some degree of pain involved in giving up old ways of thinking and knowing and learning new approaches. (p. 43)

(…) pode haver, e normalmente há, um certo nível de dor em abrir mão de velhos modos de pensar e saber e aprender novas abordagens.

Por fim, a autora também trata das responsabilidades excessivas colocadas sobre os alunos, especialmente os alunos considerados representantes da diversidade. Quando reclamam da falta de outras vozes em uma bibliografia, muitas vezes o professor exige que os alunos proponham o que poderia ser lido no lugar, como se fosse destes a responsabilidade.

E em classes majoritariamente homogêneas de pessoas brancas, cabe ao “outro” dizer o que é verdade ou não e defender o ponto de vista do diferente. Esse processo se chama tokenismo.

Capítulo 4: Paulo Freire

Esse capítulo tem um estilo totalmente diferente: é uma entrevista que Gloria Jean Watkins faz a seu pseudônimo/alter ego bell hooks sobre Paulo Freire. Fala da importância do autor para a professora e das limitações de sua teoria.

(…) human beings to not get beyond the concrete situation (…) only by their consciousness or their intentions (…). But on the other hand, the praxis is not blind action, deprived of intention or of finality. (Paulo Freire apud hooks, p. 47–48)

(…) os humanos não superam suas condições materiais (…) apenas por sua consciência ou intenções (…). Mas por outro lado, a práxis não é apenas ação cega, sem intenção ou finalidade.

hooks fala sobre a importância curativa de Freire em sua vida, uma vez que encontrou seus escritos quando se sentia tão mal e perdida sobre uma educação diferente. Também fala sobre a importância de viver no seu dia a dia o que se prega, e fala que conhecer Freire pessoalmente mostrou que ele agia dessa forma.

(…) To have work that promotes one’s liberation is such a powerful gift that it does not matter so much if the gift is flawed. Think of the work as water that contains some dirt. (…) When you are privileged, living in one of the richest countries of the world, you can waste resources. And you can especially justify your disposal of something that you consider impure. (p. 50).

(…) Ter um trabalho que promove a libertação é um presente tão poderoso que não é tão importante se esse presente tem falhas. Pense no trabalho como água com um pouco de impureza. (…) Quando você é privilegiado, vivendo em um dos países mais ricos do mundo, você pode desperdiçar recursos. E pode especialmente justificar jogar fora algo que considera impuro.

Essa fala endereça especificamente as críticas sobre o machismo ou a falta de perspectiva feminista no trabalho de Freire. hooks responde que sim, são falhas, mas que o próprio autor as reconhece e busca corrigi-las em seus anos mais tardios, e que o trabalho dele é tão importante que isso parece uma questão menor.

Capítulo 5: Theory as a liberatory practice

hooks discute neste capítulo exatamente o que o nome propõe: a teoria como uma prática libertadora. Para isso, é necessário que a teoria se faça acessível e inclusiva, e que quem a defende viva de acordo.

Indeed, the privileged act of naming often affords those in power access to modes of communication and enables them to project an interpretation, a definition, a description of their work and actions, that may not be accurate, that may obscure what is really taking place. (p. 62)

De fato, o ato privilegiado de nomear as coisas com frequência oferece àqueles que têm poder modos de comunicação e os habilita para projetarem interpretações, definições e descrições de seu trabalho e acções que podem não ser precisos, que podem obscurecer o que realmente está ocorrendo.

A autora relata que muitos grupos e movimentos sociais têm dificuldade em perceber que o que fazem é, também, teoria, uma vez que essa teoria não tem a pompa da academia e dos grupos poderosos. Mas essa teoria da ação social seria na verdade a teoria mais transformadora.

(…) any theory that cannot be shared in everyday conversation cannot be used to educate the public. (p. 64)

(…) qualquer teoria que não pode ser compartilhada em diálogos diários não pode ser usada para educar o povo.

O histórico de separação entre os acadêmicos poderosos e as massas oprimidas fazem com que o ato de teorizar seja visto como distante, impossível. E causam uma rejeição à teoria.

By internalizing the false assumption that theory is not a social practice, they promote the formation within feminist circles of a potentially oppressive hierarchy where all concrete action is viewed as more important than any theory written or spoken. (p. 66)

Internalizando a suposição falsa de que a teoria não é uma prática social, promove-se a formação, dentro de círculos feministas, de uma hierarquia potencialmente opressiva em que toda ação concreta é vista como mais importante do que a teoria escrita ou falada.

A práxis, deve-se lembrar, é a teoria em ação, ou a ação teorizada.

By reinforcing the idea that there is a split between theory and practice or by creating such a split, both groups deny the power of liberatory education for critical consciousness, thereby perpetuating conditions that reinforce our collective exploitation and repression. (p. 69)

Reforçando a ideia de que há uma divisão entre teoria e prática ou criando essa divisão, os grupos negam o poder da educação libertadora para a consciência crítica, perpetuando as condições que reforçam nossa exploração e repressão coletiva.

Em síntese,

(…) we must continually claim theory as a necessary practice within a holistic framework of liberatory activism. (p. 69)

(…) devemos disputar continuamente a teoria como uma prática necessária em uma visão holística do ativismo libertador.

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Educação e Bem Viver

Educadora e mestre em educação. Ecossocialista e defensora do bem viver.