Eu sou porquê nós somos

Eric de Gaia
12 min readJun 26, 2020

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Parte 1: Intencionando Comunidades Regenerativas

Entre 14 de Maio e 04 de Junho aconteceu a primeira edição do BIØMA / Partilhas Regenerativas. Originalmente, este experimento da Quimera tinha como intenção provocar reflexões propositivas a respeito da emergência de uma Economia Regenerativa. A proposta era de os participantes e eu (com o papel de anfitrião e facilitador) criássemos juntos uma jornada colaborativa, na qual trocaríamos sentires, ideias e experiências de como podemos por em prática iniciativas que colaborem com regenerar as relações entre indivíduos, organizações e o planeta.

Foram 5 encontros — 1 a mais do que o proposto originalmente — com a duração de aproximadamente 2h cada, contando com o envolvimento de 6 participantes ativos.

Foi lindo!

Foi intenso!

Foi desafiador!

Foi o que ERA PRA SER!

Sou grato por todes que participaram. Por se entregarem, se vulnerabilizarem, e por serem quem estão. Em uma jornada como esta, o processo de REFLETIR — ver a si mesmo no outro — é fundamental, e posso ousar dizer que este foi o ponto central da jornada com este grupo. (escrevi mais sobre este processo de REFLEXÃO aqui).

Ao término da jornada os participantes preencheram um formulário de feedbacks. Utilizei essa ferramenta a fim de sistematizar a percepção e a experiência de cada um e também como um processo de aprendizagem para as próximas edições. Me comprometi com escrever um texto sobre os meus principais aprendizados durante a jornada e, aqui estou!

Escrever este texto demorou um pouco mais do que o imaginado. Durante esse tempo me cobrei por não ter escrito logo ele. Uma auto-cobrança com a energia de fechar logo o ciclo. Pura ilusão! Hoje tenho mais clareza de que os ciclos não se encerram, eles seguem como uma espiral, assim como a nossa vida. Também percebo que não "demorei" pra escrever. Levei o tempo necessário para maturar e organizar as ideias e sentires aqui dentro. Fui escrevendo aos poucos. Não tenho a pretenção de concluir nada, mas foi um processo de apaziguar o ímpeto de dar uma resposta ou justificativa para o(s) outro(s) ou para mim mesmo. Ufa! Como é mais leve e fluido escrever de um lugar de paz interior, com a energia da vida e não da morte, como estamos tão acostumados a fazer no encerramento dos ciclos.

Assim, neste texto darei luz ao que é VIVO, ao que PULSA, ao que VIBRA aqui dentro. Explico: resolvi não falar sobre os "erros", ou "julgamentos" (auto julgamentos e julgamentos do outro), ou sobre "como deveria ter sido". Afinal, como disse lá em cima, foi o que ERA PRA SER!, e o que foi já foi. ;-)

Decidi escrever sobre o que está vibrando aqui dentro — e que já começa a transbordar no que virá a ser a próxima edição do BIØMA. A energia que opto por seguir nesse texto é a da CRIAÇÃO.

Este texto é a Parte 1 de 2 ensaios nos quais apresentarei a cocriação do que virá a ser o "novo" BIØMA. Neste primeiro ensaio trago a intenção essencial. Aqui, como um spoiler do que está por vir, explano sobre a ALMA de uma Comunidade Regenerativa.

Vamo que AMO!

Intenciono: Manifestar a minha Intenção Genuína

Muito se tem falado sobre propósito. Estou até com um certo ranço desta palavra e já escrevi sobre isso em outro texto aqui. Hoje, pra mim, vibra mais usar a expressão "Intenção Genuína". Intenção Genuína é aquela vontade que vem da sua essência, a qual não se pode negar. Você pode não dar ouvidos à ela, mas ela está lá, dentro de você, desde o dia que você nasceu. Não estou dizendo que esta vontade seja imutável, pois ela é viva e se auto-regenera de acordo com o nosso momento de vida. Porém, essa intenção é como uma semente. A semente de abacate, por exemplo, só germina abacate mas ao longo de sua jornada de crescer abacateiro e frutificar outros abacates, ela se transforma diariamente, de acordo com o seu momento de vida, estação do ano, rega, poda, luz, sombra, etc. Acredito que deu pra pegar a essência do que chamo de Intenção Genuína, certo? (Caso queira trocar mais sobre isso e aprofundar a reflexão, me chama que adoro refletir sobre esse tema).

Voltando ao BIØMA, intenciono que na próxima edição eu manifeste a minha Intenção Genuína de maneira mais potente e clara.

Hoje compreendo que a minha Intenção Genuína é:

Regenerar Relações → Eu comigo mesmo. Eu com o(s) outro(s). Eu com Gaia.

Venho manifestando essa Intenção Genuína de várias formas: na relação com as minhas filhas, na relação com a minha companheira, na relação com os projetos com os quais me envolvo e/ou manifesto com a Quimera. Recentemente me comprometi (comigo mesmo) de somente me envolver em iniciativas que manifestem, de alguma forma, esta Intenção Genuína. Um compromisso desafiador, que tem impactado profundamente em minhas relações de trabalho e de manifestação da prosperidade. Este não é o foco aqui, porém acredito que em um projeto no qual me transbordo — que não cabe mais em mim — como é o caso do BIØMA, este compromisso deva ser visceral e essencial e que, por consequência, deva se manifestar de maneira próspera e abundante.

Aqui acredito que seja válido clarear o meu entendimento sobre REGENERAÇÃO. Este vem sendo outro tema muito falado ultimamente. Diria até que se tornou a palavra da moda, tomando o pedestal do Propósito. Brincadeiras a parte, a Regeneração se tornou fundamental para que possamos seguir vivendo como humanidade.

Para Daniel Christian Wall, autor do livro Design de Culturas Regenerativas, a Regeneração é uma evolução do conceito de sustentabilidade. De maneira resumida, a visão Regenerativa traz um olhar sistêmico sobre a vida, resgatando o pensamento ancestral de unicidade e interdependência entre a humanidade e a natureza. A não separação é a base desse pensamento. Diferente do paradigma mecanicista, o modelo Regenerativo se sustenta pelo paradigma Ecológico. Indivíduos e Natureza como um grande organismo vivo e complexo e, assim, emerge o conceito de INTERSER.

Para Thich Nhat Hanh, monge Budista Vietnamita criador deste conceito, INTERSER é o princípio fundamental da vida. Diz ele:

"Interser é uma nova palavra, não está no dicionário ainda,
mas espero que, breve, estará…
Temos palavra “ser”,
mas o que eu proponho é a palavra “inter” ser
interser…
Porque não é possível ser sozinho, ser por si só.
Você precisa de outras pessoas para ser,
você precisa de outros seres para ser,
não apenas de um pai e uma mãe,
mas também de um tio, irmão, irmã,
da sociedade, você também precisa
do brilho do sol, dos rios, do ar,
das árvores, pássaros, elefantes, etc.
Assim, é impossível ser por si mesmo, sozinho.
Você tem de inter ser com todos e tudo o mais.
Portanto, ser significa interser.
O homem é feito de elementos não-homem,
este é o insight que emerge da prática da Plena Consciência."

Vejo a Regeneração — e intrinsicamente o princípio de INTERSER — como o único caminho viável para a sobrevivência próspera e pacífica da humanidade.

Que assim seja e assim é!

Intenciono: Cocriar Comunidades

Photo by Georgiana Avram on Unsplash

Sonho e acredito fielmente na cocriação e manutenção sustentável de Comunidades. Ao criar o BIØMA tinha — e sigo tendo — a intenção de cocriar comunidades sustentadas e orientadas pela Intenção Genuína comum de regenerar as relações entre indivíduos, organizações e o planeta. Não por um acaso, esta é a Intenção Genuína original da Quimera, também.

Mas você deve estar se perguntando: "Como assim, Comunidade?".

Apresento a seguir algumas reflexões sobre como eu entendo comunidades. Sem a pretensão de concluir nada, apenas trazendo o meu sentir e o meu ponto de vista sobre este tema.

Gosto de iniciar o olhar para comunidades a partir do exercício de desconstrução da palavra. Quase como uma brincadeira, dando vida à um olhar mais humanizado e radical pra ela, ampliando e aprofundando seu significado original. Assim, transformo Comunidade em “ComumUnidade”, ou seja, um grupo de indivíduos que se identificam com uma intenção genuína comum — o tal do propósitogerando um senso de pertencimento coletivo e engajamento. Nesta visão, cada indivíduo constitui em si uma Unidade que, ao encontrar-se com outra Unidade e, juntos, descobrirem um sentido Comum para este encontro, constituem uma ComumUnidade (ou ComUnidade).

Indo além, podemos seguir refletindo que:

Comunidade é dar voz para toda Unidade que pertence a ela e, pra isso, é preciso saber ouvir. Mas ouvir de verdade. Praticar a Escuta Profunda, escutando o outro com o coração, com a Alma. Os aborígenes Australianos Martu Mandjilidjara chamam esta ferramenta de Pinakarri, em uma livre tradução “Escuta Mais Profunda”. O Pinakarri é uma técnica muito utilizada no Dragon Dreaming, uma metodologia para desenhar e realizar projetos criativos, colaborativos e sustentáveis com alto engajamento dos participantes, com a qual eu muito me identifico e que muito inspira as metodologias da Quimera.

Como citado por Daniel Christian Wall no livro Design de Culturas Regenerativas:

“Ouvir profundamente nos ajuda a avistar a alma: ouvir a nossa voz interior, ouvir a nossa comunidade, ouvir a natureza selvagem, ouvir para a unicidade. Sem escutar a unicidade, a verdade e a beleza, não encontraremos a resposta ao por que vale a pena nos sustentar – a chave para nossa regeneração”.

Para os povos originários Africanos, a palavra Ubuntu traz em si o significado profundo de Comunidade. Ubuntu é uma antiga palavra africana e tem origem na língua Zulu (pertencente ao grupo linguístico bantu) e significa:

“uma pessoa é uma pessoa através (por meio) de outras pessoas”.

Ubuntu é uma palavra que apresenta significados humanísticos como a solidariedade, a cooperação, o respeito, o acolhimento, a generosidade, entre muitas outras ações que realizamos em sintonia com a nossa alma (com o nosso ser interno), buscando o nosso bem-estar e o de todos à nossa volta. Isso é comunidade pra mim!

Comunidade é acolher a diversidade. Diversidade que se conecta a partir do propósito comum, da intenção genuína.

Comunidade é manifestar a potência de cada Unidade e transformá-la em uma potência única, comum e amplificada.

Comunidade é compartilhar histórias singulares e construir uma história comum. É contar a sua história e ser ouvido. É ouvir a história do outro e celebrar o outro. É Cocriar histórias de um futuro bom.

Como dizemos nos projetos de Dragon Dreaming:

Nós somos as pessoas por quem estávamos esperando.

Enfim, acredito que a alma das comunidades se resume na expressão:

Eu sou porquê nós somos.

Que assim seja e assim é!

Obs. Muitos dos insights deste trecho surgiram enquanto eu escutava o podcast Movimento #3 do Projeto Amarelo Prisma do Emicida. Vale a pena conferir essa aula de Comunidade e Compaixão.

Intenciono: Manifestar a Abundância Colaborativa

Photo by Daan Stevens on Unsplash

O momento em que estamos vivendo no planeta — pandemia, crise climática, crise política, crise financeira, crise ética, etc. — se apresenta como um possível ponto de inflexão para a humanidade.

Como diz Daniel Christian Wall, do outro lado de um ponto de inflexão há possibilidade de [construção de comunidades sustentadas pela]* abundância colaborativa ou a escassez competitiva.

Entendo abundância a partir da seguinte definição:

Ter acesso ao que necessito, no momento em que necessito.

Neste cenário em que vivemos, tenho a convicção de que a melhor forma de ter acesso ao que necessito, no momento em que necessito é usando o poder da COLABORAÇÃO. De maneira simples, mas não simplista, o caminho é utilizarmos o princípio básico da dualidade EU PRECISO X EU OFEREÇO.

Quando, em uma comunidade a colaboração é pulsante, resgatando nossas origens ancestrais, a capacidade de geração de abundância se potencializa. Quando todos do grupo colocam o que podem genuinamente oferecer à disposição e à serviço do todo, se estabelece um fluxo de acesso coletivo ao que se precisa. Como isso é lindo! De tão simples e natural chega a bugar nossa mente, tão doutrinada sobre os processos relacionados ao ter. Por isso, acredito ser urgente a mudança do modelo mental do Ter (Ego) para o Ter Acesso (Coletivo) e, assim, mudar todo o jogo da vida, saindo do Paradigma da Escassez e acessando plenamente o Paradigma da Abundância.

Que assim seja e assim é!

*Grifo Meu, fazendo alusão ao conteúdo deste texto. ;-)

Intenciono: Celebrar o Conflito

Photo by Priscilla Du Preez on Unsplash

Nosso modelo social tende compreender conflitos como negativos, como uma manifestação violenta de ideias divergentes. Na CNV (Comunicação Não Violenta), diferente disso, o conflito é visto como o simples fato de termos quereres ou opiniões distintas.

O querido amigo e mestre Dominic Barter, colega e pupilo de Marshall Rosenberg psicólogo precursor das pesquisas em CNV, avalia que o conflito é um aspecto saudável de qualquer relação que vale a pena.

“Se vale a pena, em algum momento, a gente vai ter conflito”.

Como o Dominic costuma dizer, a nossa cultura tem medo do conflito.

Ele diz ainda: " Se você quer viver democraticamente você precisa abraçar exatamente o surgimento de diferentes ideias. Você precisa cultivar a possibilidade de diferenças de diversidade e tudo mais. Você precisa fazer as pazes com o conflito. Conflito não é mais um contexto de perigo que anuncia a chegada de violência. É o oposto. O conflito é aquilo que possibilita que todas as diversidades têm voz e têm vez. É a aversão ao conflito que cria o perigo."

Em Comunidades Regenerativas o conflito é bem vindo e celebrado.

Que assim seja e assim é!

Intenciono: Fluir por um Modelo Caórdico

O Modelo Caórdico é uma forma de entender sistemas, seja um ser vivo, a psique humana ou uma estrutura social (empresa, comunidade ou sociedade), e também como a variação ao longo do espectro do caos e da ordem influenciam os acontecimentos e os resultados. O conceito foi criado por Dee Hock, fundador e primeiro CEO da Visa Internacional, que ele apresentou no livro Nascimento da Era Caórdica, de 2000.

De maneira resumida, ele apresenta a reflexão de que a energia de todo organismo vivo flui por 4 espaços.

  • Chamos: O extremo agressivo do caos, dominado pelo ambiente destrutivo e o desmantelamento das estruturas e da organização.
  • Caos: O espaço criativo da incerteza, onde acontecimentos espontâneos, o improviso e o imprevisível ocorrem. Excelente lugar para o surgimento do novo, porém a falta de pragmatismo impede que haja continuidade e concretização de ações e planos, tornando difícil a estabilidade de formas.
  • Ordem: O espaço regular da previsibilidade, onde os padrões se repetem. Ótimo para ações práticas, mas o excesso de rigidez pode podar a imaginação e impedir a fertilidade.
  • Controle: O extremo dominador da ordem, no qual a imposição forçada de conceitos e vontades pré-determinadas paralisa toda a inovação. O espaço mecanizado resultante sufoca a vida. O controle é o paradigma dominante na sociedade atual.

Eu gosto de olhar pra estes espaços como se fossem estados de vibração, ou seja, de acordo com o que estou vibrando internamente (chamos, caos, ordem, ou controle) manifesto na matéria. Se eu vibro caos, caos será.

Assim, intenciono dançar entre os estados vibracionais do caos e da ordem, abrindo mão do controle, sem colapsar em chamos. Acredito que o papel de um anfitrião — ou guardião, ou facilitador, chame como quiser — seja facilitar a fluidez entre a ordem e o caos em uma comunidade. Até diria que seu papel seria o de estabelecer e criar acordos que tragam ordem ao caos, sem limitar (controle) o potencial criativo e de trocas deste estado.

Porém, quando o anfitrião abre mão do controle, é preciso seguir atento para que este não vá parar nas mãos de outro integrante do grupo e acabe levando a comunidade para o chamos.

Por isso tenho curtido mais o nome Guardião, aquele que guarda e cuida da Intenção Genuína comum e dos acordos da comunidade.

Que assim seja e assim é!

Como disse lá em cima, em breve vem mais reflexão — e ação — por aí.

Fica ligado aqui e VAMO QUE AMO! ❤

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Eric de Gaia

Pai da Rosamarina e da Romã; Facilitador de Projetos Colaborativos e Catalisador de Comunidades Regenerativas na Quimera/Lab. de Inovação Regenerativa.