Para entender a renda básica universal

ETC | UFMA
5 min readJul 5, 2022

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Um programa aplicável ou apenas uma fantasia?

Ana Letícia Ferro

Uma mulher utilizando seu cartão Mumbuca, moeda social criada em Maricá. FOTO: Fernando Souza. Reprodução EL PAÍS.

A pandemia da Covid-19 provocou uma crise generalizada, afetando principalmente as áreas da saúde e da economia dos países. Os posicionamentos controversos de líderes mundiais, a exemplo do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dentre outros fatores, contribuíram para a tomada de medidas pensando em resultados a curto prazo ao invés de soluções duradouras para a pandemia. Nesse contexto, ideias de como resolver de fato os problemas econômicos foram retomadas e entre elas está a Renda Básica Universal (RBU).

A proposta, defendida por Philippe Van Parijs, filósofo e economista político belga, é descrita pelo autor como “uma renda paga por uma comunidade política a todos os seus membros, em termos individuais, sem comprovação de renda nem exi­gência de contrapartida”. Seria uma garantia para que todas as pessoas tivessem acesso ao mínimo conforto sem necessidade de estar incluído em algum grupo de carências específicas. Em “Renda Básica: renda mínima garantida para o século XXI?”, Van Parijs sintetiza a proposta: “Dêem a todos os cidadãos uma renda modesta, porém incondicional, e deixem-nos completá-la à vontade com renda proveniente de outras fontes”.

A RBU é uma proposta diferente de outros programas de transferência de renda já conhecidos, como o Auxílio Emergencial ou o Bolsa Família, pois, além desses possuírem requisitos, o benefício oferecido pode ser uma evidência da busca por resultados diretos, justamente por ser idealizado para necessidades imediatas. A quantia a ser oferecida na RBU deve ser calculada de modo a promover conforto e qualidade de vida para toda a população, pensando em seus direitos e deveres.

Uma proposta que divide opiniões

A Renda Básica Universal é, por um lado, vista como uma solução eficaz para a desigualdade e a pobreza, por outro, é considerada inviável. Adentrando no primeiro ponto de vista, é comum que essa proposta seja defendida como uma medida a ser implementada para além dos contextos de crise, como mencionado acima. O debate sobre essa ideia ganhou força por conta de momentos de colapso, mas seus objetivos voltam-se para algo que possa ser implantado a qualquer momento, pensando justamente na noção universal e na intenção de combate à pobreza. Fornecendo uma quantia que garanta à população viver de maneira digna.

O economista Eduardo Suplicy, afirma ser preciso “levar em consideração aqueles instrumentos de política econômica e social que efetivamente contribuirão para isso”, evidenciando como a proposta planeja contribuir para diferentes áreas da vida do cidadão, além de promover melhorias a curto e longo prazo. O defensor da RBU já desenvolveu um projeto de lei para instituir a renda básica no Brasil, além de ser autor do livro “Renda de cidadania: a saída é pela porta”.

Por outro lado, a RBU é considerada arriscada. No primeiro momento, a economia pode ser desestabilizada, entretanto os objetivos são a longo prazo e devem ser idealizados a fim de evitar uma maior fragilidade. Uma das “vítimas” da RBU, segundo os críticos da proposta, seria o trabalho. Contudo, a intenção da Renda básica universal não é suprir completamente as necessidades da população com a quantia distribuída e sim oferecer dignidade ao garantir o básico.

Em entrevista ao Flow Podcast, o político Guilherme Boulos contesta o argumento do fim do trabalho analisando a situação do Brasil, principalmente. “As pessoas não entendem o quanto isso aquece a economia também. […] Pega os R$ 600,00 (do auxílio emergencial), […] a pessoa vai comprar no mercadinho do bairro, no açougue do bairro e isso vai fazer com que a economia local aqueça. […] A renda básica tem um efeito positivo pra economia e pra geração de emprego como um todo”.

Ainda sobre a questão do trabalho, uma crítica presente não apenas nas análises da RBU, mas também em outros programas de transferência de renda, é a ideia de que a população se contentaria com aquele benefício e por isso não iria atrás de emprego, por exemplo. O analista de investimentos, Thiago Reis, embora ache interessante a ideia de uma renda mínima, afirmou em seu canal do youtube que se incomoda com a criação de “uma sociedade de pessoas que não querem trabalhar e se contentam com pouco”.

Onde a RBU já foi aplicada?

Embora tenha ganhado força nos últimos anos por conta da pandemia, a Renda Básica Universal é discutida a algum tempo e já foi aplicada em alguns locais. Os exemplos vão do Quênia ao Alasca. Cada governo ajusta o programa à sua realidade, analisando limitações e quais os objetivos principais. Ainda que o ideal seja aplicar a RBU para o maior número de pessoas, geralmente sua aplicação começa com grupos menores, de maneira planejada, a fim não desestabilizar a economia do país.

No Brasil, há o exemplo da cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, a qual implementa seu programa de renda básica utilizando uma moeda digital local, a mumbuca, equivalente a um real. É o mais próximo de uma renda mínima, mas não chega a tal classificação por conta dos requisitos para receber o benefício. Lançado em 2013, na quantia de 85 mumbucas, atualmente esse valor é de 130 mumbucas e tem movimentado a economia da cidade. Segundo o secretário de desenvolvimento econômico da cidade, o programa “com sua particularidade de ser executada com uma moeda local, garante que cada centavo desses recursos circule apenas no município, gera demanda adicional no comércio e injeta dinheiro na economia, fazendo com que os empresários da cidade vendam mais, gerando assim mais emprego.”

O debate sobre a aplicação ou não da Renda Básica Universal no Brasil não é recente, entretanto, assim como outras propostas de mudanças no sistema econômico, talvez precise de uma crise para incentivar tal conversa e desenvolvê-la a ponto de trabalhar sua aplicação de fato. A busca por modelos econômicos alternativos, como a Economia Donut ou a Economia Circular, parece mais intensa por conta dessas crises e, nesse contexto, uma iniciativa como a RBU se coloca como uma solução que independe desses modelos.

Você, leitor do ETC, o que achou sobre a Renda Básica Universal? É um programa aplicável ou apenas uma fantasia?

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Grupo de Pesquisa em Comunicação, Tecnologia e Economia da Universidade Federal do Maranhão (ETC/UFMA).