Para entender a renda básica universal
Um programa aplicável ou apenas uma fantasia?
A pandemia da Covid-19 provocou uma crise generalizada, afetando principalmente as áreas da saúde e da economia dos países. Os posicionamentos controversos de líderes mundiais, a exemplo do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dentre outros fatores, contribuíram para a tomada de medidas pensando em resultados a curto prazo ao invés de soluções duradouras para a pandemia. Nesse contexto, ideias de como resolver de fato os problemas econômicos foram retomadas e entre elas está a Renda Básica Universal (RBU).
A proposta, defendida por Philippe Van Parijs, filósofo e economista político belga, é descrita pelo autor como “uma renda paga por uma comunidade política a todos os seus membros, em termos individuais, sem comprovação de renda nem exigência de contrapartida”. Seria uma garantia para que todas as pessoas tivessem acesso ao mínimo conforto sem necessidade de estar incluído em algum grupo de carências específicas. Em “Renda Básica: renda mínima garantida para o século XXI?”, Van Parijs sintetiza a proposta: “Dêem a todos os cidadãos uma renda modesta, porém incondicional, e deixem-nos completá-la à vontade com renda proveniente de outras fontes”.
A RBU é uma proposta diferente de outros programas de transferência de renda já conhecidos, como o Auxílio Emergencial ou o Bolsa Família, pois, além desses possuírem requisitos, o benefício oferecido pode ser uma evidência da busca por resultados diretos, justamente por ser idealizado para necessidades imediatas. A quantia a ser oferecida na RBU deve ser calculada de modo a promover conforto e qualidade de vida para toda a população, pensando em seus direitos e deveres.
Uma proposta que divide opiniões
A Renda Básica Universal é, por um lado, vista como uma solução eficaz para a desigualdade e a pobreza, por outro, é considerada inviável. Adentrando no primeiro ponto de vista, é comum que essa proposta seja defendida como uma medida a ser implementada para além dos contextos de crise, como mencionado acima. O debate sobre essa ideia ganhou força por conta de momentos de colapso, mas seus objetivos voltam-se para algo que possa ser implantado a qualquer momento, pensando justamente na noção universal e na intenção de combate à pobreza. Fornecendo uma quantia que garanta à população viver de maneira digna.
O economista Eduardo Suplicy, afirma ser preciso “levar em consideração aqueles instrumentos de política econômica e social que efetivamente contribuirão para isso”, evidenciando como a proposta planeja contribuir para diferentes áreas da vida do cidadão, além de promover melhorias a curto e longo prazo. O defensor da RBU já desenvolveu um projeto de lei para instituir a renda básica no Brasil, além de ser autor do livro “Renda de cidadania: a saída é pela porta”.
Por outro lado, a RBU é considerada arriscada. No primeiro momento, a economia pode ser desestabilizada, entretanto os objetivos são a longo prazo e devem ser idealizados a fim de evitar uma maior fragilidade. Uma das “vítimas” da RBU, segundo os críticos da proposta, seria o trabalho. Contudo, a intenção da Renda básica universal não é suprir completamente as necessidades da população com a quantia distribuída e sim oferecer dignidade ao garantir o básico.
Em entrevista ao Flow Podcast, o político Guilherme Boulos contesta o argumento do fim do trabalho analisando a situação do Brasil, principalmente. “As pessoas não entendem o quanto isso aquece a economia também. […] Pega os R$ 600,00 (do auxílio emergencial), […] a pessoa vai comprar no mercadinho do bairro, no açougue do bairro e isso vai fazer com que a economia local aqueça. […] A renda básica tem um efeito positivo pra economia e pra geração de emprego como um todo”.
Ainda sobre a questão do trabalho, uma crítica presente não apenas nas análises da RBU, mas também em outros programas de transferência de renda, é a ideia de que a população se contentaria com aquele benefício e por isso não iria atrás de emprego, por exemplo. O analista de investimentos, Thiago Reis, embora ache interessante a ideia de uma renda mínima, afirmou em seu canal do youtube que se incomoda com a criação de “uma sociedade de pessoas que não querem trabalhar e se contentam com pouco”.
Onde a RBU já foi aplicada?
Embora tenha ganhado força nos últimos anos por conta da pandemia, a Renda Básica Universal é discutida a algum tempo e já foi aplicada em alguns locais. Os exemplos vão do Quênia ao Alasca. Cada governo ajusta o programa à sua realidade, analisando limitações e quais os objetivos principais. Ainda que o ideal seja aplicar a RBU para o maior número de pessoas, geralmente sua aplicação começa com grupos menores, de maneira planejada, a fim não desestabilizar a economia do país.
No Brasil, há o exemplo da cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, a qual implementa seu programa de renda básica utilizando uma moeda digital local, a mumbuca, equivalente a um real. É o mais próximo de uma renda mínima, mas não chega a tal classificação por conta dos requisitos para receber o benefício. Lançado em 2013, na quantia de 85 mumbucas, atualmente esse valor é de 130 mumbucas e tem movimentado a economia da cidade. Segundo o secretário de desenvolvimento econômico da cidade, o programa “com sua particularidade de ser executada com uma moeda local, garante que cada centavo desses recursos circule apenas no município, gera demanda adicional no comércio e injeta dinheiro na economia, fazendo com que os empresários da cidade vendam mais, gerando assim mais emprego.”
O debate sobre a aplicação ou não da Renda Básica Universal no Brasil não é recente, entretanto, assim como outras propostas de mudanças no sistema econômico, talvez precise de uma crise para incentivar tal conversa e desenvolvê-la a ponto de trabalhar sua aplicação de fato. A busca por modelos econômicos alternativos, como a Economia Donut ou a Economia Circular, parece mais intensa por conta dessas crises e, nesse contexto, uma iniciativa como a RBU se coloca como uma solução que independe desses modelos.
Você, leitor do ETC, o que achou sobre a Renda Básica Universal? É um programa aplicável ou apenas uma fantasia?
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