Preciso falar sobre as consequências do transtorno alimentar

Fernanda Fahel
4 min readMay 24, 2017

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“Eu sei como é querer morrer. Como dói sorrir. Como você tenta se encaixar, mas não pode.
Como você se machuca por fora, tentando matar o que há por dentro.”
Susanna Kaysen

Minha mãe sempre falava que “tudo em excesso não presta”. Cansei de ouvir isso quando ela queria dizer que emagrecer demais também faz mal. Mas com o tempo, entendi o significado daquilo. Minha vontade doentia de perder peso acabou comigo psicológica e fisicamente. Quando li algumas angústias que escrevia em meu diário, lembrei da gravidade do transtorno alimentar. Os sintomas foram terríveis e quase custaram minha vida.

Falo o que aconteceu comigo sem o mínimo de vergonha porque quero mostrar que existe recuperação. Eu já estive muito doente e com o apoio de uma equipe de médicos e, principalmente, da minha família, consegui ultrapassar esse obstáculo.

No início da doença, o sintoma mais evidente era a fraqueza constante. A visão ficava escura, a pressão caía e as mãos ficavam trêmulas. E eu achava tudo aquilo normal. Mas não era. Era o início de um distúrbio muito grave.

Muita gente acredita que a anorexia e a bulimia levam “apenas” à magreza excessiva. É muito pior. Eu tive várias complicações em relação à saúde por conta do transtorno alimentar. Meu objetivo aqui é alertar, não somente as pessoas que passam pela mesma situação, mas também os pais, pois eles devem perceber quando algo está realmente errado.

Medo. Era isso que a minha mãe sentia a cada sintoma que surgia. Além das constantes fraquezas, eu passei a sentir muito frio. Já não tinha gordura suficiente no corpo para me manter aquecida. Então mesmo que estivesse um dia de sol, minha pele parecia gelo. Meus lábios ficavam ressecados e roxos. Era como se não tivesse mais vida ali.

Com o tempo e com cada vez menos gordura corporal, parei de menstruar. Isso ocorreu pela desnutrição e pelo baixíssimo nível de estrogênio. Meu humor também ficou alterado. Sentia muita tristeza e a autoestima foi para baixo. E então a depressão chegou com força. Além disso, a garganta acabou prejudicada, por conta dos vômitos provocados.

Pode parecer fútil, mas um dos maiores desesperos foi quando os meus cabelos começaram a cair. Eu, que sempre fui “a menina do cabelão”, já não tinha mais aquele brilho. Até que um dia precisei cortá-los porque já estava muito ralo e as falhas eram evidentes. As unhas pararam de crescer por falta de vitamina no organismo. Quando tudo isso aconteceu, acho que a minha ficha começou a cair e passei a ganhar um pouco de peso. E mais uma vez, a minha mãe estava lá comigo para me apoiar.

E somente quando eu precisei fazer os exames de sangue, constatou que eu estava com anemia e um princípio de hipoglicemia. Então comecei a tomar vários remédios e suplementos.

Será que todo esforço para atingir o corpo desejado valeu a pena? Como a minha mãe sempre disse, “tudo em excesso não presta”. Querer emagrecer a todo custo, passar por cima de tudo e de todos para perder peso e se esquecer de como a vida é bonita, me rendeu várias complicações.

A imagem da Fernanda alegre tinha se apagado da minha mente. Lembro do olhar de reprovação dos meus pais toda vez que algum sintoma ficava evidente. Minha mãe dizia que se sentia impotente com essas situações, porque não sabia como agir e via a filha acabar com a própria vida. Meu pai, que sempre teve o melhor abraço do mundo, bem forte, parou de me abraçar porque pensava que iria me machucar se me apertasse.

Vale a pena ficar atento e procurar ajuda de especialistas assim que o primeiro sintoma aparecer. Eu também sentia medo… A cada fio de cabelo caído, a cada unha quebrada, a cada menstruação que não vinha e a cada desmaio que tinha. Mas ainda tinha o maior medo de todos: de engordar. Isso porque eu ainda não tinha percebido o real valor da vida e como as pessoas ao meu redor me amavam. Precisava aprender a me amar. E é isso que devemos ensinar a todos. Cada um é lindo da forma que é!

Garanto que hoje sou mais feliz olhando no espelho. Voltei a ser a menina dos cabelos longos e a do sorriso com covinhas. Enfim, estou melhor. E se eu consegui acordar para a realidade e me amar como sou, todos conseguem.

Sobre minhas recaídas:

Já falei delas aqui. Gosto de dizer que “se eu consegui, todos conseguem”, mas quero reafirmar que recaídas são normais e não podemos nos culpar por isso. E não, eu não voltei à estaca zero (sei que muitos pensam assim). Venci vários obstáculos em relação ao transtorno alimentar nos últimos 11 anos. Entendi que não posso me culpar por não me sentir bonita em alguns dias. Eu tenho a capacidade, eu sei, de voltar a me amar no dia de amanhã. E você também. Um dia de cada vez. ❤

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Fernanda Fahel

Jornalista, Educadora Parental (PDA), Doula, madrasta e mãe. Criadora do Despedida de Ana e Mia (2013) e De Bem Comigo (2014). 🌟 Instagram: @fefahel