Consequências jurídicas e coercitivas do Homeschooling

Felipe Augusto Cury
3 min readDec 9, 2019

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Em meu artigo anterior, contei a história de uma família denunciada por praticar o homeschooling. No entanto, não abordei juridicamente a questão. Nesse artigo, exemplifico com artigos da lei, qual o fundamento legal para que o Estado impeça uma família de realizar a educação domiciliar.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) dispõe, em seu artigo 55, que os pais ou responsável têm a obrigação legal de matricular seus filhos ou pupilos na rede de ensino, sendo medidas aplicáveis aos pais e responsáveis (artigo 129): “ V — obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar”.

Tais medidas são aplicáveis a partir de instauração de procedimento administrativo promovido pelo Ministério Público:

Art. 201. Compete ao Ministério Público:

VI — instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los:

a) expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar;

b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias;

c) requisitar informações e documentos a particulares e instituições privadas;

(…)

VIII — zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;

Órgão esse que segundo a Constituição Federal e na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

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Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

I — instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:

a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;

b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;

Ademais, o artigo 5º da mesma lei dispõe que:

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Na Constituição Federal asseguram-se direitos às crianças e adolescentes:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em síntese, dispondo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sobre a obrigatoriedade da realização de matrícula, pode o Ministério Público, visando assegurar o direito à educação da criança ou adolescente, realizar a aplicação de medidas aos pais ou responsáveis.

E que medidas seriam essas?

Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:

I — encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;

I — encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família;

II — inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

III — encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

IV — encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

V — obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;

VI — obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;

VII — advertência;

VIII — perda da guarda;

IX — destituição da tutela;

X — suspensão ou destituição do poder familiar.

A medida aplicável no inciso V do referido artigo, pode ser requerida juntamente com uma multa cominatória diária, caso a medida não seja acatada.

Posteriormente, há possibilidade de perda da guarda (inciso VIII), destituição da tutela (inciso IX) ou suspensão ou destituição do poder familiar (inciso X).

De forma prática, após apuração de eventual denúncia da prática de homeschooling, pode o Ministério Público instaurar um procedimento administrativo, fundamentando aplicação de alguma das medidas do artigo 129 do ECA, encaminhando ao Juízo da Infância competente.

Não sendo o procedimento administrativo suficiente, pode o Ministério Público promover ação, para efetivar as medidas desse artigo.

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