Santos Exemplos — Capítulo II

Fellipe Fraga
10 min readOct 20, 2019

--

Eles eram homens comuns, sem nada aparente que os justificasse entrar para a história. Pescadores, cobrador de impostos e até um bravo inimigo acabaram por fazer parte da história da humanidade. A nova série do Saber Teológico fala sobre os Apóstolos — Santos Exemplos de Homens Comuns.

Esses estudos tomam por base, essencialmente, dois livros: “Apóstolos — A verdade bíblica sobre o apostolado”, de Augustus Nicodemus Lopes; e “Doze homens extraordinariamente comuns”, de John MacArthur.

Após entendermos um pouco mais sobre o que significa o apostolado, passemos a falar sobre a vida desses homens que, cada um na sua história, marcou para sempre o Cristianismo. Homens que, comuns, são para nós hoje santos exemplos.

Assim, falemos dos pescadores.

Certo dia Jesus estava perto do lago de Genesaré, e uma multidão o comprimia de todos os lados para ouvir a palavra de Deus. Viu à beira do lago dois barcos, deixados ali pelos pescadores, que estavam lavando as suas redes. Entrou num dos barcos, o que pertencia a Simão, e pediu-lhe que o afastasse um pouco da praia. Então sentou-se, e do barco ensinava o povo. Tendo acabado de falar, disse a Simão: “Vá para onde as águas são mais fundas”, e a todos: “Lancem as redes para a pesca”. Simão respondeu: “Mestre, esforçamo-nos a noite inteira e não pegamos nada. Mas, porque és tu quem está dizendo isto, vou lançar as redes”. Quando o fizeram, pegaram tal quantidade de peixe que as redes começaram a rasgar-se. Então fizeram sinais a seus companheiros no outro barco, para que viessem ajudá-lo; e eles vieram e encheram ambos os barcos, a ponto de quase começarem a afundar. Quando Simão Pedro viu isso, prostrou-se aos pés de Jesus e disse: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!” Pois ele e todos os seus companheiros estavam perplexos com a pesca que haviam feito,
como também Tiago e João, os filhos de Zebedeu, sócios de Simão. Então Jesus disse a Simão: “Não tenha medo; de agora em diante você será pescador de homens”. Eles então arrastaram seus barcos para a praia,
deixaram tudo e o seguiram.

Lucas 5:1–11

Primeiro em todas as listas de apóstolos nas Escrituras Sagradas, e segundo a interpretação do verbete grego protos, também o líder do grupo, (Simão) Pedro tem sido tomado por vertentes do cristianismo como o primeiro Papa, o fundador da Igreja Católica Apostólica Romana, aquele que, na cosmovisão romanista inicia uma lista que hoje alcança 266 homens infalíveis.

Simão, filho de Jonas, era um pescador, herdeiro de um comércio de pesca em Carfanaum. O trabalho dele e de sua família, incluindo seu irmão André, era pegar um barco, ir até lagos ou mares, e pescar, geralmente durante as noites.A Bíblia nos mostra que Simão era sócio de Tiago e João.

Ele tinha incrível fé e obediência. Simão reconhece a autoridade do Mestre e imediatamente segue sua ordem. Ainda, enfatiza a razão de segui-la. O aceite de Pedro à ordem de Jesus nos ensina a postura de temor necessário quando Deus nos pede algo aparentemente difícil e não fazemos por receio de não dar certo. Simão teve a oportunidade de ter o Messias subindo no seu barco, e nós hoje temos o seu Espírito Santo.

O resultado da obediência foi um verdadeiro milagre. Peixes que o pescador não havia conseguido a noite toda.

Simão tinha outra característica: o próprio reconhecimento enquanto pecador. Sua atitude de reconhecimento da própria condição de pecado o diferenciava essencialmente dos fariseus.

Ao mesmo tempo, nesse relato podemos ver a polarização do pensamento de Pedro. Seu estado de maravilha com o milagre o levou a pedir que o Mestre se afastasse enquanto se prostrava aos pés. É contraditório e característico de alguém impulsivo.

A última característica é a disposição de seguir a Cristo. Mateus relata algo que Lucas não apresenta.

E disse Jesus: “Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens”. Mateus 4:19

O chamado para seguir foi imediatamente aceito. Não foi apenas um chamado para ir junto com a multidão que ouvia Jesus, mas sim ser dele um discípulo. Simão, assim como seu irmão e sócios, largou seu barco para trás, sua vida, sua profissão, suas certezas, e foi atrás de Jesus.

Em diversos momentos, Pedro se mostra alguém impulsivo, extremamente sujeito às suas emoções.

Pedro sabia quem Jesus era: o Cristo, filho do Deus vivo. A confissão dele, a certeza de que Jesus era o Redentor, o filho de Deus — essa certeza que é chave de salvação, a certeza na qual a igreja é edificada.

“E vocês? “, perguntou ele. “Quem vocês dizem que eu sou? “Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Respondeu Jesus: “Feliz é você, Simão, filho de Jonas! Porque isto não lhe foi revelado por carne ou sangue, mas por meu Pai que está nos céus. E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la.

Mateus 16:15–18

(…) saibam os senhores e todo o povo de Israel que por meio do nome de Jesus Cristo, o Nazareno, a quem os senhores crucificaram, mas a quem Deus ressuscitou dos mortos, este homem está aí curado diante dos senhores. Este Jesus é ‘a pedra que vocês, construtores, rejeitaram, e que se tornou a pedra angular’. Não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos”.

Atos 4:10–12

Segundo estudo de MacArthur (op. cit.), “Ao que parece, Jesus mudou o nome de Pedro pois queria que o apelido servisse para lembrá-lo daquilo que deveria ser”.

Mas, apesar de ter plena consciência de quem Cristo era, Pedro tomava atitudes que são ao mesmo tempo que compreensíveis, são repreensíveis.

Caravaggio. A captura de Cristo, 1602. Óleo sobre tela, 134x170 cm.Galeria Nacional da Irlanda.

Imaginem-se numa cena. Você está com Jesus, já é bem tarde. Você mal conseguia ficar acordado, mesmo com o Mestre te pedindo. Você já fora alertado que iriam levar Jesus preso. De repente chegam várias pessoas para prendê-lo, inclusive empunhando espadas. Olhe para si mesmo e pense se agiria diferente de Pedro:

Um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, puxou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha. Disse-lhe Jesus: “Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão. Você acha que eu não posso pedir a meu Pai, e ele não colocaria imediatamente à minha disposição mais de doze legiões de anjos? Como então se cumpririam as Escrituras que dizem que as coisas deveriam acontecer desta forma? “

Mateus 26:51–54

Os homens agarraram Jesus e o prenderam. Então, um dos que estavam por perto puxou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha.

Marcos 14:46,47

Ao verem o que ia acontecer, os que estavam com Jesus lhe disseram: “Senhor, atacaremos com espadas?” E um deles feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha direita. Jesus, porém, respondeu: “Basta!” E tocando na orelha do homem, ele o curou.

Lucas 22:49–51

Simão Pedro, que trazia uma espada, tirou-a e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha direita. ( O nome daquele servo era Malco.) Jesus, porém, ordenou a Pedro: “Guarde a espada! Acaso não haverei de beber o cálice que o Pai me deu?”

João 18:10,11

Reparem que o relato é dado nos quatro Evangelhos. Reparem ainda que nas Escrituras não há relato de Pedro ser um espadachim ou campeão de esgrima. Ele provavelmente errou a espadada ao apenas arrancar a orelha do servo do sacerdote.

Pedro negou a Cristo quando pressionado. No momento que questionaram o apóstolo, mesmo Jesus tendo antecipado isso a ele, Pedro desconversou sobre conhecer a Jesus e andar com o Mestre. Mais uma vez, trago à reflexão a atitude de Pedro: quantas vezes nós já desconversamos quando perguntados da nossa Fé, ou mesmo contornamos a verdade dos fatos com medo de chacota ou críticas? Você alguma vez já ouviu a frase: “não sou evangélico, sou cristão!”? Quantas vezes você negou a si mesmo a Cristo para satisfazer a vontade da carne? E tendo a própria vida em risco, como estava acontecendo com Pedro? Ele andava com Jesus, e se Jesus foi preso, o receio lógico era que Pedro também fosse!

Pedro era um homem comum!

Caravaggio. A crucificação de São Pedro, 1600–1601. Óleo sobre tela, 230x175 cm.Capela Cerasi, Santa Maria del Popolo, Roma.

Pedro não aprendeu de cara. Ainda em Atos, temos relatos de Pedro sendo advertido por Paulo. Mas foi da boca de Pedro que mais de três mil ouviram as boas-novas, se converteram e batizaram.

Portanto, estejam com a mente preparada, prontos para a ação; sejam sóbrios e coloquem toda a esperança na graça que lhes será dada quando Jesus Cristo for revelado. Como filhos obedientes, não se deixem amoldar pelos maus desejos de outrora, quando viviam na ignorância. Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem, pois está escrito: “Sejam santos, porque eu sou santo”.

1 Pedro 1:13–16

Os relatos dos primeiros séculos nos contam a respeito do final da vida de Pedro. Pregou em Roma, para os gentios. Morreu crucificado, de cabeça para baixo.

Pedro foi Santo. Pecador, impulsivo, humano, falho, cristão, nervoso, e tantas outras características. Mas foi justificado pelo sangue de Cristo. Como nós.

Contudo, se sofre como cristão, não se envergonhe, mas glorifique a Deus por meio desse nome.

1 Pedro 4:16

JOSÉ DE RIBERA — Martirio de San Andrés (Museo de Bellas Artes de Budapest, 1628. Óleo sobre lienzo, 209 x 183 cm)

André era irmão de Simão Pedro. É chamado por MacArthur como “o apóstolo das pequenas coisas”. Ainda que apareça menos que João e Tiago, participava do círculo mais íntimo de Jesus, com quem esteve mais tempo que a maioria dos outros apóstolos.

Junto de João, foi o primeiro a estar com Jesus. Discípulo de João Batista, André não hesitou quando Batista indicou que Jesus era o Messias e o seguiu. Também, certo da messianidade de Jesus, rapidamente chamou seu irmão para compartilhar o que lhe alcançara.

André foi o discípulo que, no episódio da multiplicação de pães e peixes levou até o Mestre o rapaz que tinha os pães e as sardinhas. Além de levar Pedro a Cristo, André levou gregos a Cristo. MacArthur diz que André foi o primeiro missionário, e o primeiro missionário internacional.

Este apóstolo nos ensina sobre prudência, coragem, fé, intrepidez em Cristo. Nos ensina que não precisamos estar em lideranças para cumprirmos nosso papel no Reino.

Foi martirizado crucificado, numa cruz em forma de X, nas quais foi amarrado (para prolongar o sofrer), e passou seus dois últimos dias exortando quem por lá passava a conhecer a Cristo.

Por outro lado, os irmãos trovão, João e Tiago, são objeto do que muitas vezes soou como disputa de ego, questionamentos a Jesus sobre quem era “maior”.

Accademia — Vocazione deifigli di Zebedeo by Marco Basaiti

Tiago era o mais velho dos filhos de Zebedeu, um rico e poderoso comerciante de Carfanaum. Essa é a possível explicação sobre a razão dele ter seu nome à frente do irmão João em algumas listas, sempre seguidos de filhos de Zebedeu. Era naturalmente um líder, e as escrituras nos apontam a tendência de que era também muito franco, enérgico, zeloso com as coisas do Senhor, o que, para MacArthur, provavelmente facilitou para que arranjasse inimigos mortais no período apostólico, sendo o primeiro a ser martirizado.

Em Lucas 9:51–56 ele e o irmão João recebem o apelido de “filhos do Trovão”, quando pedem a Jesus que os autorizasse a mandar fogo dos céus sobre Samaria, porque não quiseram receber a Jesus. Não tinham poder para tal. Demonstraram, assim, certa arrogância e repulsa sobre Samaria.

A ânsia por poder dele e do irmão eram tais que solicitaram à sua mãe que pedisse para Cristo para que recebessem melhor posição no Céu, conforme relato de Mateus 20:20–24.

Tiago desejava uma coroa de glória. Jesus deu-lhe um cálice de sofrimento. Desejava poder, Jesus deu-lhe serviço. Desejava um lugar de proeminência, Jesus deu-lhe o túmulo de um mártir. Desejava exercer domínio, Jesus deu-lhe uma espada — não para brandir, mas como instrumento de sua própria execução. Catorze anos depois disso, Tiago viria a ser o primeiro dos doze a ser morto por causa da sua fé.

Morreu a mando de Herodes Antipas I, sobrinho do Herodes da época do nascimento de Jesus, provavelmente degolado. É o único dos apóstolos cujo martírio é relatado nas Escrituras.

João, a despeito do seu temperamento, é conhecido como o apóstolo do amor. É um visível retrato de evolução de caráter pela transformação de Cristo, que encontrou no amor e na Verdade o equilíbrio para seu temperamento muitas das vezes desprovido de compaixão.

Assim como o irmão, João vivenciou importantes momentos de Jesus, como a transfiguração, mas nada lhe impedira de agir impulsivamente. Jesus conhecia o coração e sondava os pensamentos deles, de tal forma que, no momento que caminhavam após a transfiguração, Jesus os questiona sobre o que conversavam. Ali pode-se dizer que João compreendeu que nada lhe valia discutir quem era o maior.

O João que imaginamos com base nos seus relatos é contrastante ao João dos evangelhos. São o retrato do poder do Espírito Santo ao tornar aquele jovem cujo coração era propenso a atear fogo em uma cidade naquele senhor que escreve “meus filhinhos” e recebe do Eterno a visão do porvir. Morreu, já idoso, pregando sobre o amor uns aos outros.

Esses quatro apóstolos, mais próximos de Jesus, são a prova cabal de que homens comuns como nós podem ser dotados de intimidade com o Senhor, ao mesmo tempo que precisam constantemente de melhoras e desenvolvimento para cumprirmos o papel por Ele designado a nós.

Pedro, André, Tiago e João, sem o que Cristo os ensinou, não seriam capazes de alcançar tudo que alcançaram: vidas.

Em Cristo,

Non nobis, Domine, sed nomini tuo da gloriam

Fellipe Fraga.

___________
Referências:

¹ MACARTHUR JR., John. “Doze Homens Comuns: a experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado”. São Paulo, SP. ed. Cultura Cristã, 2004.

--

--