O estranho fenômeno das celebridades mirins

Frederico Mattos
8 min readSep 1, 2015

O que está por trás dessas personalidades e famílias?

Por Frederico Mattos, psicólogo clínico

"Volte lá e dance, moleque narigudo!"

— disse Joseph Jackson para o pequeno Michael aos seus seis anos de idade

Quando uma criança é colocada num palco para cantar, dançar, desfilar ou competir esportivamente é muito comum surgir a suspeita "até que ponto essa criança queria e tinha condições de escolher isso?" ou "os pais estariam tirando a infância leve e tranquila das crianças?"

O fenômeno mundialmente conhecido do clã Jackson parece não deixar dúvidas de que existe alguma influência perniciosa e não espontânea quando o assunto se trata de uma "criança prodígio".

Assim como os Jackson existe uma imensidão de famílias pelo mundo que encontram nos filhos a chance de obter fama, dinheiro e prestígio ou no melhor cenário apenas a realização do "sonho da criança".

A grande questão é que aquilo que acontece nessas famílias não é muito diferente do que acontece nas casas de filhos e pais anônimos.

Fascínio pela infância

Qualquer tentativa de argumentar ou questionar a criação dos filhos sofre imediata repelência de pais e mães, é como se todos tivessem se intrometendo num assunto sagrado que só quem tem filhos poderia arbitrar. Esquecemos que pais e mães são pessoas falíveis e cheias de pontos-cegos em sua maneira de lidar com a vida e o mundo.

Numa cultura que superestima a real capacidade de uma criança saber o que quer qualquer contraponto feito acaba caindo em réplicas do tipo "eu me lembro quando era pequeno e já queria ser xyz" ou "os pais sabem o que é melhor para as crianças" ou ainda "mas é tão bonito ver ela fazendo uma coisa que gosta".

Julie Lythcott-Haims, reitora da Universidade de Stanford, começou a sua pesquisa no ano 2000 sobre a influência excessiva que os pais tinham nas decisões de seus filhos, que cunhou como overparenting. Segundo ela existe um exagero por parte dos pais que impede que os filhos aprendam a usar critérios pessoais para fazer escolhas impostantes na vida. Se você não testa sua habilidades de escolher jamais será um bom escolhedor de caminhos.

Contardo Calligaris, psicanalista, afirma no artigo "O fim da infância?" algo muito importante sobre essa cultura:

"Ao longo desse século, as crianças deixaram de ser consideradas como adultos em miniatura ou incompletos para se tornar uma espécie autônoma e, supostamente, melhor do que a nossa — em tese, sem as más influências dos adultos, elas poderiam ser geniais, inocentes e puras como o bom selvagem."

A falsa autonomia dos filhos pequenos

Quando os pais de crianças prodígio são questionados sobre a carreira precoce de seus filhos a resposta é sempre uma variação de "ele sempre quis isso, desde pequeno cantava/passarelava/brincava disso. Seria um pecado impedir elx de realizar seus sonhos…".

Até que ponto uma criança tem sonhos tão complexos? Será que elas tem dimensão da responsabilidade, das horas de treino, de privação de relaxamento, de sociabilização com crianças de sua idade, do enfrentamento de rotinas ásperas, de adultos com comportamentos duvidosos e com uma profissionalização de sua infância?

Quando assistimos um cantor emocionando uma platéia esquecemos que para ele é a milésima vez que reproduz aquela música. Os mesmos sorrisos, charmes, truques e tiradas cômicas lançadas para o público repetidas à exaustão. Se para um adulto isso é uma rotina estafante, porque seria menos estressante para um corpo-mente que mal está se adaptando a si mesmo?

A volição, função mental popularmente chamada de vontade, se desenvolve em camadas de complexidade. O espelhamento é a primeira ferramenta que o cérebro utiliza como meio de sobrevivência, a criança mal sabe o que significa um sorriso, mas sabe que ele funciona para amenizar a temperatura em volta do seu corpo ou conseguir mais atenção. Toda criança é ávida pela atenção dos pais. Destaque importante: não importa se eles são equilibrados ou não.

Você já deve ter visto alguma foto sua dançando uma música que certamente causou constrangimento póstumo. Nessa hora sua memória tenta escanear cada passo pregresso na tentativa de identificar que vontade alienígena o abduziu para "descer na bonquinha da garrafa" ou "minha eguinha pocotó".

A criança dança ao ritmo do reforço de sua platéia familiar. Se o pai ou a mãe desaprovam a criança murcha na hora, mas se eles acham engraçadinho a criança segue no remelexo.

Uma amostra grátis disso é o caso de Brenna, que participa constantemente de competições de pequena miss. Quando você assiste seus vídeos parece que ela tem vontade própria, age como um adulto, mas a verdade é que ela realmente não segue apenas seus impulsos, há um adulto agindo como ventríloquo do desejo dela. Veja o vídeo constrangedor [aqui]

Fase 1: Espelhamento nos filhos (a projeção idealizada)

Khristina Pimenova, considerada a menina mais bonita do mundo

“Claro, mamãe, eu vou parecer bonita para você”

Quando uma criança nasce os seus pais servem como um ego auxiliar na qual a sua personalidade se apoiará para construir seu próprio aparelho psíquico. A impulsividade ou tranquilidade, a euforia ou melancolia, o narcisismo ou generosidade dos pais vão silenciosamente compondo a personalidade rudimentar.

Nessa fase a idealização inconsciente dos pais é maciça sobre a criança que vai lentamente se transformando no "bebê Johnson" que os pais sonhavam ter. Linda, carismática, sociável, desinibida e talentosa, tudo aquilo que os pais amargaram não ser ou quase foram em sua infância. Não raro os próprios pais foram artistas ou esportistas frustrados que anseiam passar o seu legado de quase-sucesso para suas crias.

Fase 2: Parentalização

Nessa fase o fenômeno se inverte, pois a criança com mais idade e vigor começa a imperar no ambiente. Ela está suficientemente treinada para "governar" o clima familiar. Suas (na verdade dos pais) "vontades" começam a se transformar em ordens para os pais que lentamente entregam o leme do navio para as "mãos" da criança.

Quem controla quem nessa história?

É nessa hora que afirmam que a criança tem um sonho próprio e que eles são apenas os facilitadores dessa ação.

Quando uma criança passa a ser o centro da vida dos pais ocorre um fenômeno psicológico chamado parentalização que é quando os filhos assumem a direção da ação dos pais, como se fossem pais de seus próprios pais.

Essa é a fase de maior prosperidade aparente, pois a criança parece muito certa do que quer e realiza plenamente o desejo inconsciente dos pais. Eles se sentem protegidos pelo filho que agora dá ordens, diz “o que quer” e impera sobre o ambiente doméstico.

Fase 3: Os efeitos colaterais

Na maior parte dos casos parece ser impossível dizer com precisão quais seriam os efeitos prejudiciais na personalidade futura dessas estrelas mirins, pois nenhuma delas vem à público testemunhar sobres esses fatos, afinal, seria colocar seus próprios pais na berlinda.

Mas é possível notar certas características comuns em crianças que cresceram com demandas adultas excessivas.

  • Ansiedade sobre a própria performance, "não sou bom o suficiente"
  • Expectativas excessivas sobre o seu valor pessoal, "será que me amam pelo o que eu sou?"
  • Medo do fracasso, "e se eu nunca mais conseguir o sucesso que tive?"
  • Problemas com a própria imagem corporal, "não gosto de nada no meu corpo"
  • Comportamentos abusivos ou impróprios, "não quero que ninguém mais diga o que eu tenha que fazer"
  • Dificuldade em aprendizagem
  • Problemas de socialização, "não sou visto como as outras pessoas"
  • Problemas intra-familiares (rivalidade com irmãos) (ressentimento não admitido pelos pais)

Outra dificuldade é que muitos desses adultos tem medo de manchar a própria imagem ao condenar o que aconteceu no passado de sua família. Michael Jackson demorou muito tempo para se abrir sobre o que sofreu na infância com a rigidez do pa, e o fez apenas no programa da Oprah. André Agassi, grande tenista americano, revelou em sua biografia um pouco desse desespero sobre o tema.

André Agassi, um dos maiores tenistas da história

"Cresci no tênis sendo obrigado a jogar. Fui mandado para longe de casa, me rebelei contra isso, me vi em um palco do tamanho do mundo, nunca achei que pudesse lidar com isso, sempre senti as dores disso. O tênis sempre acabou com minha infância, com minha vida. Eu queria praticar um esporte coletivo, eu queria ser uma criança normal. Quando cheguei a um palco para o mundo, quis expor minha revolta. E as pessoas achavam que eu estava expressando meu jeito de ser, quando, na verdade, eu não sabia quem eu era."

Os defensores dessa ideia

"Mas Fred, olha a Sandy e o Junior, eles parecem ótimos…". A realidade é que ninguém consegue afirmar como isso afetou a personalidade deles e quais são os fantasmas emocionais que eles enfrentam.

Não sabemos em profundidade o que acontece no íntimo da Simony (Balão mágico), da Maysa (assistente-mirim do Silvio Santos), de Drew Barrimore (pequena do filme E.T), de Lindsay Lohan (filme "Operação cúpido"), Macaulay Culkin (trilogia "Esqueceram de mim"), Scarlett Johansson ou Justin Timberlake. Quando tentamos medir o bem-estar psicológico de alguma celebridade usando como critério "mas ainda são famosos e bem sucedidos" a medida é rasa.

Só conseguimos ver indiretamente quando alguns se tornam adultos-problema, viciados, infratores, ou simplesmente desesperados para voltar para o palco mesmo tentando remakes bizarros de sua infância.

Outra falha na análise é afirmar “é óbvio que essas crianças gostam/não gostam do que estão fazendo”, não se trata de gostar ou não, mas de perceber qual é o desejo primário desse gostar, pois uma criança que vê brilho no olho dos pais vai gostar até de bater em outras crianças se esse desejo oculto (e nunca admitido) estiver presente.

O tema é delicado, a reflexão para cada pai e mãe, de filhos celebridades ou não, mexe num vespeiro ainda mais sutil: até que ponto eu projeto nos meus filhos minhas fantasias e frustrações e impeço o florescimento dele?

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Frederico Mattos

Sonhador nato, psicólogo acolhedor, autor do livro "Maturidade Emocional". Ama ouvir histórias e descomplicar a vida. Escreve no Instagram @fredmattos