Resenha: Nada

Gabi Müller
4 min readJan 26, 2019

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ESTE TEXTO CONTÉM UM SPOILER NO ÚLTIMO PARÁGRAFO!

Já tem precisamente doze dias desde que terminei de ler Nada, de Carmen Laforet. De todos os livros que já recebi até hoje na minha assinatura da TAG Curadoria, esse certamente estava entre os três que mais me chamaram mais atenção pelo título. (Os outros foram Voragem e Eu Sei Por Que O Pássaro Canta Na Gaiola.) Eu gosto de títulos e capas impactantes. E eu gosto particularmente de histórias sobre nada.

Nada conta a história de Andrea, uma jovem órfã que sai do interior da Espanha para estudar Letras em Barcelona. Indo morar na casa da avó, conhecemos sua família composta das figuras mais absurdas possíveis. Diante de uma extrema desigualdade social e miséria, a garota passa por situações desde fome para se adequar ao círculo social da faculdade até ver a esposa de sua tia ser espancada diariamente.

Durante esse desafio de 1 Ano de Livros, sinto, mais do que nunca, que sair de um livro e começar outro parece uma transição em fases da vida. É como trocar de emprego ou mudar de cidade. Tenho uma coisa de ficar com os cenários na minha cabeça mesmo enquanto não estou lendo, como se os limites entre a minha realidade e aquela história borrassem um pouco. (Tema 3 para levar para análise detectado.) Na resenha de A Amiga Genial, falei sobre a dificuldade do início de sair de Anna Kariênina pela dissociação gritante entre os gêneros. No entanto, passar do primeiro livro da tetralogia napolitana para Nada foi das transições mais suaves que encontrei em autores completamente diferentes, em países e épocas diferentes.
Este é o primeiro livro de Carmen Laforet. Lançado quando ela tinha apenas 23 anos, em 1944, no fim da Segunda Guerra e na Espanha Franquista, faz parte do estilo Tremendista que traz características bastante duras e cruas da sociedade da época. Vemos uma Barcelona em ruínas e fortemente marcada pela desigualdade social, mas tudo de forma muito sutil, em palavras que revelam o cenário sem estar completamente explícito. Tudo isso é muito semelhante com o livro de Ferrante: essa influência se revela como certa tradição entre escritores napolitanos, de acordo com a Revista de Libros.

Apesar das semelhanças, senti que as construções das personagens principais são exatamente opostas. Me senti praticamente na cabeça de Lenu, ainda que discordasse apaixonadamente de suas atitudes, conseguia compreender suas atitudes porque me sentia próxima dela, como uma confidente. Andrea, por outro lado, parece tentar nos afastar assim como a todos os personagens que a cercam, como se construísse uma barreira entre nós: embora o livro seja escrito em primeira pessoa, precisei consultar enquanto escrevia essa resenha para ter certeza de que não era em terceira.
Sua vida é tão desesperadora que é como se quisesse se descolar daquilo em todas as suas atitudes, ela se isola da narrativa, parece não fazer parte. Ela mente, esconde sua vida de seus amigos e família e raramente sabemos o que sente, é como uma expectadora daqueles que a cercam.
É curioso que a maioria das críticas negativas que vi acerca do livro foram justamente sobre a falta de profundidade da personagem principal, sobre todos os outros parecerem muito mais interessantes que ela. Para mim, o brilho de Andrea mora justamente no que não é dito, assim como o cenário destruído que não é descrito. Em todo momento, sua apatia diante das situações mais escabrosas me faziam querer puxá-la de dentro do livro. Esperei em cada página que surgisse um deus ex-machina que a tirasse dali, mas acho que seria anti-tremendismo.

Tenho tentado fazer resenhas muito mais baseadas na minha própria interpretação do livro em vez de ficar horas pesquisando sobre a obra, porque, como já disse, não sou nenhuma estudiosa de literatura — ainda, se as pessoas pararem de roubar minha vaga no SISU — e sei que tenho muito que ler ainda para conseguir dar opiniões muito aprofundadas sobre estilos e tudo mais. Essa edição, porém, como todas da TAG Curadoria (alô, TAG, me patrocina!), vem com uma revistinha falando um pouco sobre a obra e, nesse caso, foi inevitável não saber mais. Por isso, sei um pouco sobre o Tremendismo. Mas o que realmente me interessou foi a vida de Laforet, tão jovem já indicada ao prêmio Nadal por esse livro e ovacionada por gente como Mario Vargas Llosa — escritor do Prefácil do livro, tá, meu amor?
Nada tem um toquezinho de autobiografia e, por isso, a família de Carmen a ostracizou na época, gerando muitos problemas psicológicos que perduraram a vida toda. Assim, ela publicou pouquíssimas obras e seu marido, anos mais tarde, passou a controlar muito do que ela escrevia por medo de ter sua vida exposta nos romances.
Terminar de ler Nada dá uma sensação de alívio por sentir que a vida de Andrea pode melhorar — quando fechei o livro, fiquei uns dois minutos abraçada a ele, agradecendo por ter acabado bem — , mas ler sobre a vida de Carmen Laforet tira definitivamente essa sensação, nos faz imaginar o quanto essa escritora fenomenal não poderia ter produzido não fosse uma série de relações abusivas em sua vida.

NOTA: ⭐️ ⭐️ ⭐️ ⭐️

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