Tempo

Gica Trierweiler
5 min readJul 6, 2017

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O que você chama de bolo de banana eu aprendi a chamar de tempo. Porque não adianta ter a farinha, o azeite, os ovos, o iogurte natural, o açúcar mascavo, as seis bananas, a noz moscada e a canela se não tiver tempo. Um bolo não se faz sozinho só porque os ingredientes estão lá. Além do forno e da forma, precisa de tempo.

Na hora em que você provavelmente estava no trânsito, na padaria, no metrô apertado eu estava pensando no que fazer com tantas bananas. Quando você entrou na primeira reunião do seu dia — talvez uma daquelas que facilmente se resolvesse com um e-mail ou se as pessoas tivessem um pouco mais de foco ou se ainda soubessem mais sobre o propósito das próprias vidas- eu estava quebrando três ovos caipiras numa grande tigela branca.

Respondi a algumas solicitações de clientes em mensagens curtas enquanto isso. Ouvia música e a incrível história do homem-spinner inventada pela minha filha de seis anos e o bolo acontecendo. Provavelmente você estava pegando um café, fumando um cigarro ou olhando constrangido pra uma folha em branco em mais um brainstorm infrutífero. Olhei para a abóbora e dei de cara com uma receita de risotto. Resolvi deixar tudo cortadinho para o almoço, o que você pode chamar de mise en place, mas você tá trabalhando num lugar onde não gosta e eu tô na cozinha às nove e meia, então deixo tu-do-cor-ta-di-nho mesmo.

Corta pro alarme avisando que o bolo está pronto, mas o palito de dentes logo faz que não, apresentando restos de massa ainda crua ao seu redor como evidência. Leio um conto e na volta, o espetáculo da vida sai do forno. Nesse momento não tem goteira, não tem golpe, não tem desemprego, não tem pochete, não tem buraco na rua nem o movimento pró-Bolsonaro. Só tem amor, acolhimento, aceitação e todo um rol de coisas boas que vão se aglutinando conforme as últimas gotas da calda caem sobre o bolo caramelado e o cheiro desse presente invade o meu nariz.

É importante ressaltar que só vai entender do que estou falando quem já provou um bolo de banana com canela recém-saído de um forno caseiro. Se você é do time Starbucks-Cinnamon-Roll, eu só lamento e adianto que nem precisa se dar ao trabalho de terminar de ler esse texto, uma vez que você deve estar precisando ir pra outra reunião. A segunda do dia, sim.

Subo para trabalhar, daqui pro mundo. Respondo a mais solicitações, dou início a algumas cadeias de processos, pesquiso coisas, monto propostas, pergunto sobre o andamento de pagamentos. Onze e meia desço pra cuidar daquele risotto porque, adivinha, ele também precisa de tempo pra acontecer. Dali do fogão, dou uns comandos pra filhota ir se aprontando pra colônia de férias (arrumar a mochila com toalha, shampoo, condicionador e uma roupa extra porque hoje vai ter piscina).

Prato do dia é Risotto de Abóbora Jacaré com Abobrinha Italiana e lascas de Pecorino. Também aprendi fazendo que só escreve o nome do prato como se fosse nome de filme quem quer valorizar o que está comendo. Enquanto almoço com minha filha daqui, você provavelmente vaga pelas redondezas do seu escritório avaliando a melhor opção entre o caro, o cheio, o hype, o sujo e o bom-mas-sempre-a-mesma-coisa.

Dentes escovados e rua. Aqui vamos olhar com carinho para a maravilhosidade que é ter a opção de levar a criança pra escola só depois do almoço. Obrigada, Colônia de Férias (assim, em maiúsculas), por me mostrar que a vida pode ser mais fácil. Que a gente ganha muito em leveza quando pode acordar e fazer as coisas no ritmo do corpo e não do relógio. Tempo bom, esse.

Chego na agência e vamos alinhando o que já havíamos começado antes. Nos reunimos ao redor da pauta, das execuções, das ideias do que deve sair em breve. Me sinto bem ao ver que consigo orientar cada um no seu trabalho e ainda demos conta de quebrar um galho para outra cliente. Resolvemos tudo a tempo de eu sair pra buscar a pequena na Colônia de Férias.

Mamãe, e aquele seu bolo de banana? Delícia, hein?” é a primeira coisa que ela diz, depois de me pedir pra vir pra Colônia de Férias em todos os dias das férias. Digo que podemos avaliar, mas já adianto que em todos os dias não será possível uma vez que — tcharã- vamos para Blumenau na última semana de julho. Sobre essa viagem, perceba que eu decidi ir porque 1) sim, 2) estou com saudades da minha cidade e de quem vive lá, 3) meus pais pediram que eu fosse, 4) eu posso. Não tive que pedir, negociar, compensar, descontar — mas também não terei um terço de férias.

Mamãe, a gente pode voltar pra casa ouvindo Pato Fu?” ela pediu. “Queria aquela música do tempo”, emendou. Cantamos juntas no repeat.

Tempo, tempo, mano velho
Falta um tanto ainda, eu sei
Pra você correr macio
Como zune um novo sedã-ã
Tempo, tempo, tempo, mano velho
Tempo, tempo, tempo, mano velho
Vai, vai, vai, vai, vai, vai
Tempo amigo
Seja legal
Conto contigo
Pela madrugada
Só me derrube no final

Mamãe, eu gosto tanto dessa música, mas não entendo nada do que ela quer dizer.” Enquanto você estava aí dando conta dos emails atrasados que ficaram sem resposta porque passou as últimas horas em reunião, eu contei pra minha filha que essa música é sobre o quão depressa o tempo passa. Que quando a gente foi ver, já foi. Plim. Acabou.

Pegamos quadros novos na molduraria e mais ingredientes no mercado a caminho de casa. Preparei uns filés de frango empanados que aconteceram graças à minha criatividade e ousadia de passar um pão caseiro de uns dias atrás no ralador. Marido chegou e jantamos os três falando sobre o Homem-Aranha e os últimos acontecimentos dos Vingadores e um sexteto não sei o que. Depois os dois lavaram a louça enquanto eu guardava as compras e dava remédio para o cachorro, provavelmente enquanto você estava chegando em casa se perguntando se valia a pena cozinhar ou pedir alguma coisa no iFood.

Quando acordei hoje por volta das sete e fui tomar meu café da manhã, o bolo de banana me fez pensar nisso tudo. Senti como se agora eu fizesse parte desse grupo que de fato valoriza o tempo, porque até então isso saía pelo vazio das minhas palavras, mas não morava no meu coração de verdade. Entendi a Thais, minha amiga, quando ela me dizia pra negociar minha capacidade de solucionar problemas e não o meu tempo. E de alguma forma me senti mais segura de mim mesma ao ver que esse tempo é importante e necessário pra quem eu sou agora. Lembrei do quão doente fico ao encaixar uma tarefa excessivamente complexa depois da outra. Pensei no conselho do Fábio que é o de se perguntar “pra quê?”.

A partir daí fui afunilando as oportunidades todas que tem se mostrado, considerando somente aquelas em que meus pilares são respeitados. Deu um arrepio. Mas também deu um calorzinho. Tenho algum trabalho pela frente pra fazer acontecer o que o coração precisa, mas se tem alguma coisa que aprendi em Fortaleza é que vai dar certo. É que esse bolo, assim como o tempo, é gostoso e especial demais e já já acaba.

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