Sobre as vantagens de ser generalista

Igor Miranda
9 min readApr 14, 2016

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Nunca havia parado para pensar sobre a amplitude dos meus interesses. Um dia, numa reunião com amigos, alguém falava sobre arquitetura e decidi opinar sobre o assunto — como meu irmão é arquiteto, acabei aprendendo algumas coisas com ele — e o fiz. Um conhecido então disse: “Mas você gosta de arquitetura também? Cara, tem algo que você não goste?”

Foi ali que percebi que talvez eu realmente tivesse interesses muito diversos.

Para mim sempre foi natural, sempre foi uma questão de curiosidade conhecer mais sobre as coisas que me chamavam a atenção. Quando era pequeno buscava entender o funcionamento das coisas, a história por trás de personagens e onde ficavam lugares e países. Por tabela, história e geografia tornaram-se as disciplinas nas quais eu tinha maior facilidade nos meus tempos de escola. Não era uma questão de decorar, era um aprendizado natural que vinha da curiosidade, algo que toda criança possui e que deveria ser muito estimulado.

Foi aos 11 anos que eu realmente me interessei a fundo por um assunto pela primeira vez, a música. No meu aniversário de 12 anos, ganhei a biografia de Kurt Cobain, e no de 13, uma guitarra. Aos 12, também comecei a minha coleção de discos que, os mais próximos sabem, é um vício dos grandes na minha vida. Lembro dos tempos de busca por músicas raras no Soulseek, dos reviews e recomendações de bandas do dyingdays e do screamyell e da loucura que era baixar clipes com internet discada.

Tipicamente adolescente e, obviamente, fã de Nirvana — meu quarto em setembro de 2002

Música é até hoje o meu tipo favorito de arte, o meu tipo favorito de qualquer coisa, uma parte indissociável de quem eu sou.

Pelo meio da adolescência, redescobri a ciência e lia tudo o que podia sobre física teórica e astronomia, explorando os livros de Carl Sagan, Brian Greene, Stephen Hawking e Marcelo Gleiser. Foi nesse momento que acabei me aproximando das exatas, o que me levou por fim à escola de engenharia.

Já na faculdade, a frustração pela estrutura antiquada de ensino me fazia questionar fortemente o papel de uma instituição de ensino que limita e engessa seus alunos ao invés de inspirá-los — fato brilhantemente exposto por Paulo Blikstein em seu famoso texto A Escola dos Homens Tristes. Em um número considerável de vezes, vi pessoas excepcionais sentindo-se incapazes, injustiçadas e desmotivadas. Constantemente. Para sobreviver a isso, para escapar desses sentimentos, foi preciso me encontrar em outros. Ao assistir Hable con ella de Pedro Almodóvar, percebi que o cinema poderia ser especial. Realmente especial. E deste momento em diante, nunca mais parei de assistir filmes. Em 2016, o álbum no facebook através do qual gosto de indicar filmes aos amigos chegará à marca de 1000 obras.

No mesmo período de faculdade, depois de conversas sérias com meus amigos mais próximos, de ler certos livros e de fazer o excelente curso da BTC, um curso geral de negócios para recém formados e graduandos dentro da Poli, me interessei muito pelas áreas de negócios, finanças e alguns outros tópicos (assunto tratado brevemente no Sobre estar perdido e se encontrar).

Os livros, em especial, adicionaram muito à minha capacidade de ter uma visão mais abrangente e generalista das coisas e me ofereceram uma variedade enorme de conteúdos. Para exemplificar e aproveitando para recomendar boas leituras, deixo por aqui alguns dos melhores livros que li nos últimos anos:

E essa é a breve história de como eu experimentei, a fundo ou brevemente, uma ampla gama de assuntos. Acredito que mesmo o mais díspar dos assuntos citados pode ter sido importante para o meu desenvolvimento, e agora vou tentar explicar as implicações disso — ou por que eu vejo isso de forma tão positiva.

Avaliando o que já li e vivenciei, percebo que existem, pelo menos, 4 vantagens em buscar uma vida de conhecimentos mais diversos:

  1. Conectividade entre idéias e áreas do conhecimento

Em seu famoso artigo de 1953, The Hedgehog and the Fox, Isaiah Berlin, o filósofo e historiador de Oxford, divide uma série de figuras históricas entre Hedgehogs (Porco-Espinhos) e Foxes (Raposas). Hedgehogs, como Platão, Dante e Nietzsche, são conhecidos como experts em um único tipo de atividade. Foxes, como Aristóteles, Shakespeare e Goethe, são conhecidos por desempenharem uma variada gama de atividades.

É inegável que existem qualidades em ambos os lados, basta ler os nomes citados acima. No entanto, não por questões de julgamento, mas sim de discussão, é que acredito na importância do artigo de Berlin, que suscitou, desde seu lançamento, discussões a respeito das vantagens e desvantagens tanto de especialistas quanto de generalistas.

Do ponto de vista histórico, desde a revolução industrial, os hedgehogs (especialistas absolutos) dominaram o mercado. Isso tornou-se ainda mais evidente no corporativismo do século XX, com suas estruturas hierárquicas rígidas e verticais, que tiveram berço tanto nas empresas já mais influentes como nas recém nascidas nas escolas de negócios, principalmente, dos EUA.

Funcionou por muito tempo? Sim, não há dúvidas disso. A riqueza e o desenvolvimento do século passado são provas disso.

No entanto, acredito que o presente e o futuro pertençam um pouco mais aos generalistas que aos especialistas. Os desafios do século XXI exigem, ao meu ver, um conjunto mais amplo de habilidades, uma capacidade adaptativa em relação às mudanças frequentes no mercado e uma habilidade especial de conexão entre idéias e conhecimentos de áreas totalmente distintas.

http://www.theillinoismodel.com/2013/04/the-generalist-versus-specialist.html

Olhe ao seu redor e verá que a maioria das inovações que nos cercam no momento são fruto de combinações entre tecnologia, comunicação, interação social e alguma outra área qualquer do conhecimento (Finanças, esportes, relacionamentos, por exemplo); todas essas criações só foram possíveis porque pessoas enxergaram o todo, conectando os blocos formados pelos especialistas de agora e do passado para criar algo totalmente novo.

O que trago aqui não é uma disputa entre hedgehogs e foxes, mas a minha confiança no potencial criativo e associativo dos generalistas nesse ambiente, nesse mercado e nesse século.

2. Conectividade entre o presente e o futuro

Por mais de 20 anos, Philip Tetlock, professor na Universidade da Pennsylvania e autor de Superforecasting: The Art and Science of Prediction, liderou uma pesquisa com 284 experts em diferentes áreas do conhecimento, pedindo-os para predizer as probabilidades de ocorrência de eventos dentro e fora de suas áreas de expertise. A análise final do estudo demonstrou, surpreendentemente, que as predições feitas por experts são menos precisas que as feitas por não-experts para cada área de conhecimento. Para Tetlock, a perspectiva aprofundada dos experts não os permite enxergar o problema como um todo, tornando-os viesados na análise de problemas complexos.

“Para predições mais acuradas, é melhor ser uma raposa de Berlin, dessas que sabem sobre muitas coisas, possuem um eclético grupo de interesses e aceitam as ambiguidades e contradições do processo.” Philip E. Tetlock

Uma outra frase, de autoria desconhecida, também me vem à mente quando penso na limitação dos especialistas proposta por Tetlock:

"Se a única ferramenta que você tem é um martelo, para você tudo começa a se parecer com um prego"

Como a vida é cheia de situações complexas e de incertezas, o generalismo é, ao meu ver (e de Tetlock), a melhor saída, o olhar mais amplo, a maior chance de sucesso.

3. Conectividade com o seu próprio eu

Ser generalista te permite experimentar um mundo sem fim de assuntos, experiências e sentimentos. No meu caso, pela música e pelos filmes, acabei por me conhecer muito melhor. Hoje eu sei que nenhum dia ruim sobrevive ao poder do The Bends do Radiohead. Hoje eu sei que o cinema italiano, com os seus temas recorrentes de infância, amizade e nostalgia, ampliam a minha sensibilidade em relação ao mundo. E eu também sei que ao assistir Alice nas Cidades e No Decurso do Tempo de Wim Wenders, ficarei nostálgico pelas viagens passadas, mas imensamente motivado pelas que virão.

Cada pessoa tem um tipo de paixão. Essas são as minhas.

Descobri-las e tratá-las com a mesma importância que você trata os assuntos mais sérios da sua vida é a chave: esse é meu conselho.

4. Conectividade com outras pessoas

Talvez a história mais relevante a respeito do generalismo nos meus relacionamentos venha do curto período em que estive em Harvard. Na disciplina Financial Strategy and Behavioral Corporate Finance, tive um professor excelente chamado Bulent Aybar. Em uma de suas aulas, ele citou algum filme e perguntou aos alunos quem já tinha assistido. Não me recordo agora qual era o filme, mas de todos os alunos, apenas eu havia assistido. No intervalo da aula, ele veio conversar mais comigo a respeito deste filme e, percebendo o meu interesse pelo assunto em geral, me perguntou se eu poderia criar uma lista de indicações para ele. No mesmo dia, fiz uma lista especial, incluindo todos os filmes que eu mais gosto.

Daquele momento em diante, eu não era mais apenas mais um aluno que estudava valuation e taxas de desconto, eu era também aquele cara que gosta de filmes. E senti que isso criou uma conexão maior entre nós.

E estava certo. Nas semanas anteriores, o professor nos havia enviado um pdf de um capítulo sobre estrutura de capital para todos nós. Na aula seguinte, perguntei ao professor se ele possuía o arquivo completo disponível ou o nome do livro de onde ele retirou o capítulo. Ele me disse que o autor era um colega de outra universidade e que o livro acabara de ser lançado no mercado, ainda acrescentando: “Procure na Amazon, não acho que seja um livro caro

Mas era. 150 dólares para ser exato. Gastar esse valor poucos dias antes da minha viagem ao Quênia era impossível.

Na aula seguinte, o professor se aproximou no intervalo e me perguntou se havia comprado o livro. Disse que não, expliquei o porquê, mas também não deixei claro que o preço havia sido o principal problema.

Eis que chegamos ao último dia de aula. Fui para a prova final com a cabeça já no Balloon Kenya, me esforçando para me manter concentrado em uma prova mais complexa do que eu esperava. Ao terminá-la, entreguei-a para o professor e agradeci por todos os ensinamentos. Ele me escutou, disse algumas palavras e me pediu para esperar um minuto. Virou, tirou um pacote da sua mochila e me deu. Era o tal do livro.

Não sei se vocês entendem o quanto esse momento significou para mim. Após anos pouco motivantes de Poli-USP recebi ali naquele lugar aulas inspiradoras, um nível muito superior de atenção e respeito e, ao final, esse reconhecimento especial por parte do professor — que fechou brilhantemente o meu período nos Estados Unidos.

A lição que desejo deixar com todas essas histórias é de que quanto mais vastos os seus conhecimentos, mais associações lógicas você conseguirá fazer, terá mais capacidade em lidar com a aleatoriedade, mais chances de se conhecer e lidar com as suas emoções e terá mais possibilidades de se conectar com pessoas, nas mais diversas ocasiões.

E bem, espero que você também busque as vantagens de ser generalista.

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