Proteja a chama: mas “onde está o perigo, o poder salvador também cresce”

Janine Saponara
20 min readApr 21, 2023

Artigo de Otto Scharmer traduzido livremente por Janine Saponara

Acabei de voltar da América Latina. Eu me considero uma pessoa um pouco diferente daquela que partiu há algumas semanas atrás. O que mudou?

Durante a minha visita fui à Colômbia, a convite do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e ao Uruguai para lançar o primeiro Programa de Liderança Ecossistêmica da América Latina (PLE) para a nossa u-school for Transformation. O lançamento deste PLE regional na América Latina abriu o que para muitos de nós sentimos como um novo e profundo espaço de possibilidades coletivas. Destina-se a uma jornada coletiva de 3 anos entre setores e países de para despertar todas as inteligências humanas — cabeça, coração e mãos — a serviço da regeneração, cura e transformação de sistemas.

Nessa viagem vivi vários momentos que me deram a sensação de “ver o futuro” — ou melhor, ver um pedaço do futuro, um pedaço do caminho que pode nos levar adiante, fora da atual poli crise planetária. Na minha opinião, o desafio número um de liderança de sistemas que enfrentamos é este: como abordar a enorme lacuna de saber-fazer em torno dos colapsos ecológicos, sociais e culturais do mundo — como superar as divisões ecológicas, sociais e espirituais de nosso tempo. Quase todo mundo sabe que nossos sistemas atuais estão quebrados e precisam ser transformados. Mas essa consciência ainda não está remodelando nossas ações coletivas. Em vez disso, vemos respostas moldadas pelo negacionismo e/ou pessimismo, os quais tendem a alimentar o mesmo comportamento: paralisia.

Aqui compartilho cinco micro histórias inspiradoras da Colômbia e do Uruguai que me dão esperança para o nosso caminho a seguir. Essas histórias demonstram que o grande apoio dos países do G20 para a mudança de sistemas transformacionais pode ser traduzido em agência coletiva (3 em cada 4 pessoas nos países do G20 apoiam mudanças transformacionais de nossos sistemas econômicos e sociais para lidar melhor com a mudança climática e a desigualdade). Concluo com algumas reflexões sobre como nossos avanços recentes em inteligência artificial (IA) e nossos colapsos sistêmicos acelerados exigem um caminho mais radical em direção à cura planetária e à regeneração civilizacional. Aproveite a leitura!

Cinco histórias

(1) Colômbia: transformando conversas do Debate ao Diálogo através da Escuta Profunda

Bogotá, Colômbia. Estamos no nosso caminho para a região de La Guajira, território do povo Wayuu. O PNUD me convidou aqui para conversar com os grupos de stakeholders — o povo Wayuu, representantes do governo colombiano, empresas do setor privado — sobre como eles podem coformar um caminho adiante que beneficie todos.

Quando nos preparávamos para embarcar no voo para La Guajira, ao pegar um café, pedi aos meus anfitriões um pouco mais de detalhes sobre a programação dos próximos dias. Entendi que o evento principal — chamado de “U-Lab” teria 60 pessoas (de todos os grupos de stakeholders) e duraria um dia e meio

“U-lab?” Perguntei. “Okay. Quem irá facilitar? Uma breve pausa. “Você vai!”

“Eu vou?” Quase deixei cair meu café. Após 500 anos de colonização, pensei, de uma violência direta, estrutural e cultural, seguida pela extração industrial através da mineração que deixou a terra degradada, tóxica e em grande parte destruída, em uma paisagem castigada pela seca (causada pelo uso industrial da água) — depois daquele trauma de todas as pessoas, um cara Alemão-Americano entra em cena, sem ter a mínima ideia sobre a realidade destas pessoas, para facilitar um workshop sobre o futuro deles. Sério?

Depois de alguns momentos de resistência, me dei conta que todas as pessoas já estavam viajando para o workshop, incluindo o povo Wayuu que vinha de muitas áreas remotas. Resumindo: era tarde demais para cancelar. Hora de deixar ir, hora de me render…

O workshop começou, comigo como facilitador. Após algumas conversas difíceis e desafiadoras entre os participantes, esclarecendo as diferentes visões de mundo, histórias e contextos que os diferentes grupos trouxeram para a conversa, a interação mudou do esculpir declarações iniciais e posições para um processo muito mais fluido em direção ao compreender e relacionar-se com as diferenças de cada um, respeitando as intenções de cada um. Nós também começamos a ouvir visões e nuances mais diferenciadas, que partiam de dentro de cada grupo de stakeholders.

Boas-vindas ao território Wayuu
Círculo de diálogos
“Meu braço é o seu braço. Seu coração é meu coração…”
Bogotá, em frente ao Ministério de Relações Exteriores, pouco antes da reunião

Terminada a oficina na manhã do segundo dia, junto a uma delegação menor do grupo fui a Bogotá, capital, para se reunir com um grupo interministerial de alto nível, sediado pelo Ministério de Relações Exteriores. Durante essa reunião, uma das mulheres líderes Wayuu desafiou um alto líder do governo colombiano de uma forma muito direta, forte e, ao mesmo tempo, dialógica. Foi uma bela intervenção que levou o líder do governo a se comprometer a um encontro presencial com ela no território do povo Wayuu na semana seguinte.

Após o encontro, ela me disse que não teria sucesso com aquele tipo de intervenção sem o processo prévio da oficina de diálogo. Isso fortaleceu uma capacidade que ela já possuía, mas que precisava de alguma ressonância, apoio e refinamento. Na conclusão desta reunião de alto nível em Bogotá, quando estávamos saindo, perguntei ao presidente da reunião: “Então, qual é a sua opinião sobre tudo isso?” E ele disse: “Tão interessante e verdadeiramente revelador. Já participei de muitas dessas reuniões intersetoriais. Mas em toda a minha vida nunca participei de uma reunião como esta.” Ele então concluiu: “Posso imaginar como devem ter sido seus últimos dois dias com os 60 participantes. Deve ter sido uma experiência excepcionalmente poderosa.”

Então, claramente, a mudança na percepção e na abordagem que eu havia notado também era aparente para os outros. O que ajudou essa mudança a ocorrer? Neste caso, provavelmente foi uma mistura de vários componentes críticos:

O poder do lugar: realizar o evento principal no território Wayuu e não na capital;

O poder da intenção: começando com uma clara articulação das intenções mais profundas que cada um dos três grupos (e cada indivíduo) trouxe para o encontro.

O poder da narrativa pessoal: trazer para a conversa a história mais profunda de cada participante (e a minha própria) sobre pontos críticos de virada em nossa própria jornada;

Escuta profunda: escuta generativa como uma porta de entrada para mudar as conversas do debate para o diálogo;

Práticas de mapeamento de sistemas: usando “mapeamento de sistemas” prático para ajudar todos a falarem sobre sua visão em um contexto em que são ouvidos e vistos juntos;

Quietude. Permitindo que as ressonâncias mais profundas e o conhecimento interior surjam;

Diálogo generativo. Conversas noturnas em fogueiras mantidas e suportadas pelos anciãos ancestrais mudaram o campo da conversa para um nível mais profundo.

(2) Líderes do ecossistema Latino Americano: visão compartilhada como porta de entrada para campos sociais em transformação

Hotel Nirvana/Colônia, Uruguai. Estou sentado em um círculo com 180 líderes do ecossistema. Este incrível grupo de agentes de mudança de 17 países da América Latina representa todos os setores da sociedade. Eles variam de ativistas de base, inovadores de negócios e representantes do governo local a anciãos espirituais e líderes indígenas de diferentes cantos da Amazônia. Jovens líderes do violento e crítico Pacífico Colombiano estão sentados ao lado do CEO de uma empresa impactante e do chefe de uma fundação. Sinto a presença do futuro aqui e agora. Das 500 pessoas que se inscreveram para participar desta jornada de 3 anos, 180 foram selecionadas com a ajuda de 20 organizações copatrocinadoras — fundações, empreendimentos sociais e empresas regenerativas. A aspiração não é realizar um treinamento tradicional, mas reunir agentes de mudança de todas as origens em um espaço profundo de criação de sentido sobre o que está acontecendo, compartilhando o que estão aprendendo e apoiando-se mutuamente para ativar a regeneração profunda e a mudança transformadora dos sistemas.

Agentes de mudança e líderes ecossistêmicos de toda a América Latina

Particularmente intrigante para mim foi a amplitude regional do encontro. Alguns participantes do Brasil comentaram que se sentiram “verdadeiramente latino-americanos” pela primeira vez. Mirna, uma agente de mudança baseada no governo da Argentina, disse:

“O que mais me impressionou foi a possibilidade que tínhamos de olhar-nos como América Latina. A sensação de começar a ressoar com a grande possibilidade que temos como América Latina, mas também com essa coisa que é nossa irmã, que tem a ver com a dor. Senti um espaço onde podemos começar a nos curar como continente. Podemos nos conectar com a nossa resiliência, com o futuro que está surgindo entre nós.

O elemento diferenciador que senti foi que não é um programa que carrego na cabeça, mas todo o processo que me convida a carregá-lo no corpo. Ainda estou sentindo, que o desafio é abrir o coração para poder se olhar de igual para igual, para poder se conectar a partir daí. Essa conexão é o que vai nos permitir abrir a vontade de nos conectar e fazer algo diferente juntos.”

Dayani, de uma perspectiva porto-riquenha, acrescentou:

“Há algo a ser explorado em redefinir a América Latina como o lugar a partir do qual algum trabalho específico é feito: o que há de diferencial na América Latina? Para os porto-riquenhos, foi particularmente comovente e reafirmador ser acolhido e reconhecido como parte daquele espaço.

Muitos de nós aplicamos as habilidades de escuta mais profunda no contexto de nossos projetos e famílias logo após o workshop. O trabalho é pessoal, político e cultural — tudo ao mesmo tempo.”

Fazendo o sistema ver, sentir e se inverter

Um ponto de virada durante o processo de 3 dias e meio teve a ver com uma prática de visão compartilhada e coletiva, o que chamamos de “cossensibilidade”. Neste caso, usamos uma prática chamada mapeamento 4D. Essa técnica de mapeamento baseia-se no Teatro da Presença Social, uma forma de arte social (criada por Arawana Hayashi e seus colegas do Presencing Institute) para fazer um sistema ver e sentir a si mesmo — e, enquanto permanece nessa ressonância, mover-se em direção à transformação.

O caso que mapeamos foi apresentado por cinco jovens líderes da costa do Pacífico da Colômbia. Ele enfocou a situação das mulheres negras rurais pobres daquela área, um grupo que sofre com a maioria das formas de violência direta, estrutural e cultural que existe em nosso mundo hoje. Ver a realidade através de suas lentes foi de partir o coração. Com muito poucas palavras (a técnica de mapeamento 4D integra o mapeamento das partes interessadas das ciências sociais com o conhecimento incorporado baseado na consciência), todos nós experimentamos o sistema a partir de múltiplas lentes, mas em particular das lentes daqueles que são marginalizados. Não muitos olhos estavam secos no final do mapeamento — certamente não os meus. Todos ficaram profundamente tocados, tanto pela experiência das mulheres vítimas de violência quanto pela situação de toda a comunidade, incluindo o papel dos perpetradores, das forças armadas e das gangues. Eles também fazem parte da comunidade. Eles também são vítimas. Jovens matando jovens. Foi outro momento emocionante quando a pessoa que representava o papel dos ancestrais atendeu e se conectou com a pessoa amplamente isolada que representava os grupos armados.

O que partiu o meu coração e o de outros participantes foi a visão compartilhada que vem com a percepção de que a maior parte desse dano faz parte de um sistema maior: “Veja o que estamos fazendo a nós mesmos!” É exatamente o oposto do outro: “Veja o que eles estão fazendo conosco”. Essa percepção vem de uma consciência mais elevada e de todo o sistema, de um coração coletivo aberto.

Mapa 4 D: fazendo o sistema ver, sentir e inverter a si próprio

A experiência de mapeamento 4D abriu um espaço mais profundo em todo o grupo. Depois disso, os anciãos indígenas ofereceram uma cerimônia e prática de cura que permitiu a todos aprofundar o processo de abertura e cura. Desde aquele evento, os líderes colombianos começaram a implementar protótipos em torno da masculinidade não violenta, um processo que está sendo apoiado por participantes de toda a região. A raiz da palavra para “cura” significa literalmente “tornar completo (novamente)” — ou seja, reconectar e reintegrar.

Cerimônia de cura liderada por Abuela Amalia, Abuela Alejandrina e Coral Herencia

No dia seguinte, alguns dos outros participantes da Colômbia me disseram: “Não acredito que tive que viajar até o Uruguai para saber o que realmente está acontecendo em meu próprio país”.

Muitos comentaram sobre as possibilidades sentidas de colaboração regional. Diz Ana Paula, que trabalha em uma instituição de finanças sociais no México:

“O que me marca é sentir a possibilidade de que haja colaboração na região, que somos muito mais parecidos do que pensamos, que podemos ter conversas nas quais nossas agendas individuais são deixadas de lado para desenvolver esse potencial.”

O que podemos aprender com aqueles que organizaram esta incrível encontro e jornada coletiva?

Laura Pastorini lidera o trabalho da u-school e Presencing Institute na América Latina. Ela observa:

“O que aconteceu no ELP é que pudemos criar um container e cultivar o solo para cada um dos participantes se abrir para sua própria transformação e cocriar as condições para a transformação da sociedade. Não podemos transformar nada se não nos transformarmos.”

Viviana Galdames, outra integrante da equipe de organização, complementa:

“Parece-me que o mais poderoso deste programa é a possibilidade de experimentar desde a raiz das coisas. Em cada prática, em cada trabalho, não é apenas cognitivo. É emocional, é ressonância, é transcendência e é cocriação.”

(3) “Uruguay Emerge”: Diálogo e Mapeamento de Sistemas como Portal para Agências de ativação

Montevidéu, Uruguai. Depois de chegar na capital, na manhã seguinte, lançamos um evento de um dia chamado ‘Uruguai Emerge’, copatrocinado por uma dezena de organizações e incluindo senadores, o chefe da Comissão Parlamentar para o Futuro, chefes de organizações da ONU, CEOs, ONGs e líderes de fundações, agentes de mudança de base, líderes do setor público e educadores. Todos vieram pelo mesmo motivo: uma preocupação compartilhada com o futuro do país e da comunidade em um mundo de crescente polarização e disrupção.

Quando abrimos as sessões do dia, eu estava olhando para os rostos desses 330 líderes, agentes de mudança e cidadãos comuns. Pude sentir a preocupação deles — mas também pude sentir a incrível consciência existencial e abertura que cada um trouxe para a sala, para o momento atual. Num piscar de olhos, lembrei-me de experiências recentes com grupos semelhantes em outras regiões do mundo e pensei e senti em todo o meu corpo: sim, é isso que somos como seres humanos: onde está o perigo, é onde nos reunimos e é assim que o poder salvador é ativado e começa a crescer…

Sem planejar, comecei a compartilhar algumas de minhas próprias experiências formativas: cresci em uma fazenda regenerativa no norte da Alemanha e tornei-me um estudante do ensino médio ativo em questões ambientais e sociais nos anos 1970 e início dos anos 1980. Então, quando entrei pela primeira vez em uma universidade — Universidade Livre de Berlim — fiquei muito desapontado com a qualidade do discurso e da conversa. Mas, em meio a essa decepção colossal, encontrei uma pessoa, um membro do corpo docente visitante, que personificava uma forma diferente de fazer ciência. Ele era Johan Galtung, conhecido como o fundador da pesquisa para a paz como ciência e como autor da teoria da violência estrutural. Sua abordagem da atividade científica visava buscar e quebrar as invariâncias (ou seja, transformar as “leis” que regem o comportamento coletivo). Isso era exatamente o que eu estava procurando.

Conhecer e ver aquela pessoa fazendo algo diferente em um ambiente institucional tradicional — a universidade — foi o suficiente para mudar minha trajetória de vida. Sua abordagem acendeu uma chama dentro de mim que nada no mundo pode extinguir. É simples assim. Quando me lembrei daquele momento, veio como um flash e fiquei emocionado ao compartilhá-lo com os 330 cidadãos de Montevidéu. Veio com uma mensagem muito clara: cada um de nós tem uma enorme responsabilidade. Cada um de nós pode ser essa pessoa para outra pessoa. É assim que ativamos o agente humano mais profundo neste planeta. É assim que acendemos a chama.

Montevidéu: Uruguai emerge 2023

Não me lembro de todos os detalhes daquele dia. Mas eu me lembro de me conectar com outras pessoas naquele nível mais profundo — o nível da chama. Compartilhar a própria história e ouvir as histórias de outras pessoas, em caminhadas dialogadas e outras formas, faz com que algo aconteça em grupo. Algo que já está lá (mas inativo) é ativado. Foi o que aconteceu nas primeiras horas do Uruguai Emerge.

Após o almoço, exploramos os desafios atuais que o ecossistema uruguaio enfrenta enquanto seus líderes se esforçam para formar uma visão comum do futuro. Fizemos isso usando uma ferramenta de mapeamento do sistema chamada mapeamento 3D. Cada um dos subgrupos de mapeamento se concentrou em diferentes sistemas, desde educação e alimentação regenerativa até negócios sustentáveis, desenvolvimento comunitário e governança. Cada mesa convocou um grupo diversificado de agentes de mudança sobre questões-chave relacionadas ao avanço da evolução de seus sistemas.

Compartilhando experiências do mapa do sistema

A reunião foi concluída com um profundo senso de possibilidade. Os participantes formaram novas conexões e ativaram um senso coletivo de agência. Na minha opinião, essas mudanças, possibilitadas por algo tão curto quanto uma reunião de 1 dia, são um ponto de dados sintomático significativo sobre o estado do mundo hoje.

As pessoas estão despertando — ou estão no processo de despertar — em muitos lugares. Quase todo mundo acredita que estamos em uma conjuntura existencial em nossa jornada coletiva como espécie. Este é o momento em que precisamos nos unir para fazer sentido juntos para traçar nosso caminho a seguir. Não precisa envolver um processo de vários dias ou várias semanas. Porque as pessoas já sabem que algo está quebrado, algo precisa de nossa atenção agora.

Mas o que muitas vezes falta é uma infraestrutura mínima para ativar esses tipos de reuniões em cidades, países e regiões que precisam de um tipo diferente de ação coletiva.

(4) Taiwan: Emergência — Como Liderar Diante da Disrupção

Depois de voltar para Boston, me perguntei como essas aberturas e mudanças que experimentei na América Latina podem se relacionar com outros lugares e regiões do mundo. O que experimentei lá foi exclusivo daquele espaço ou fala de algo mais universal que é compartilhado em todo o planeta?

Alguns dias depois, tive a oportunidade de reunir mais alguns dados sobre essa questão. Em uma sessão virtual com algumas centenas de agentes de mudança em Taiwan, compartilhei um pouco do que experimentei na América Latina. Perguntei-lhes se isso ressoou com eles. Aqui está a resposta visual: assista a este belo clipe curto para ver por si mesmo…

Claramente, esses sentimentos são compartilhados em todo o planeta. Quando você está conversando com pessoas no leste da Ásia, no Vale do Silício ou em qualquer outro lugar, a IA é, obviamente, o assunto do momento. A capacidade humana mais profunda que estou descrevendo aqui — a chama do despertar de nossa consciência planetária e humanidade — se relaciona com as questões suscitadas pela IA e pelo ChatGPT? Sim, em todos os sentidos.

A IA e as máquinas de previsão de linguagem relacionadas, como o ChatGPT, são brilhantes em sintetizar (e espelhar de volta para nós) o conhecimento que acumulamos até agora — em outras palavras, o conhecimento do passado. Mas o que essas máquinas não podem fazer? Elas não podem fazer sensoriamento profundo radical. Elas podem fazer a detecção. Mas elas não podem abrir mão de previsões baseadas em padrões existentes para deixar vir o que quer emergir de nossa Fonte mais profunda. Em outras palavras: elas não podem fazer uma detecção profunda. Elas não podem sentir, da Fonte, o futuro que quer emergir. Elas não podem criar do nada, nada. Esse é o “ponto cego” da IA.

E esse deve ser o foco mais importante de nossos sistemas educacionais daqui para frente: construir a capacidade profunda de cosentir e cocriar o futuro à medida que ele emerge. Isso é o que, na Teoria U, chamamos de Presença — a capacidade de sentir e agir a partir do futuro mais elevado no agora, no momento presente.

(5) u-lab 2x: Ativando um Ecossistema Global de Cura e Regeneração Planetária

Ontem, ao terminar esta entrada no blog, que parece ter se tornado uma mistura de investigação tópica e diário online, realizamos mais uma sessão do u-lab 2x. O u-lab 2x é o acelerador de equipes online da u-school que ajuda as equipes a passarem da ideia de protótipo para o impacto no ecossistema. Este ano, temos 234 equipes de 66 países, trabalhando em 22 idiomas, engajados em protótipos de iniciativas altamente inspiradoras para mudanças em educação, negócios, saúde e regeneração de ecossistemas. É um grupo muito legal. Para ter uma ideia da diversidade global desse incrível ecossistema de inovação (que a u-school oferece gratuitamente), confira este clip abaixo. Cada equipe usa o mesmo conjunto básico de métodos e ferramentas para ajudar e treinar uns aos outros sobre a melhor forma de avançar em seus projetos.

Em uma das sessões de treinamento de ontem, todo o grupo se dividiu em equipes de Zoom de 3 pessoas para que cada participante compartilhasse ideias e recebesse feedback dos outros 2 membros da equipe. A quantidade de energia positiva liberada foi muito semelhante ao que descrevi anteriormente na Colômbia e no Uruguai. Neste caso, alicerçou-se em iniciativas multilocais de transformação entre setores e regiões, abraçando o planeta.

Imagem: u-lab 2x: Criando a partir da quietude — Criando do nada (por Olaf Baldini)

Este é o momento em que precisamos aparecer — e aparecer um para o outro. Como afirma a ativista ambiental e educadora de sistemas Joanna Macy, “quanto mais sombrias as circunstâncias, mais brilhante o convite”. Quando ativadores de ecossistema como essas equipes do u-lab se reúnem, como fizeram ontem, você tem uma noção real de como as sementes do futuro estão começando a criar raízes em escala planetária. Embora esteja acontecendo em muitos lugares diferentes, todos eles estão conectados pela rede subjacente de conexão e pela aspiração compartilhada de passar da extração e da consciência do egossistema para a regeneração e a consciência do ecossistema. Se você gostaria de dar uma olhada mais profunda em algumas dessas experiências, clique aqui para outro pequeno clip.

Considerações Finais

Essas são minhas cinco histórias. Eu poderia fornecer muitos exemplos adicionais de iniciativas inspiradoras e pessoas trabalhando para um futuro melhor. Mas o ponto foi feito: através de projetos, eventos e iniciativas, nós da u-school for Transformation vemos um novo padrão emergindo. É um padrão de ativação de um nível mais profundo de consciência humana: uma chama que opera a partir da fonte de nossa profunda criatividade e do Eu. É uma chama mais brilhante, mais acessível e mais presente, ao mesmo tempo em que corre mais risco existencial do que nunca.

As três divisões que definem nossa era atual — a divisão ecológica (clima, biodiversidade), a divisão socioeconômica (desigualdade, polarização) e a divisão espiritual (desesperança, depressão) — estão nos forçando a olhar no espelho e ver ‘ o que estamos fazendo a nós mesmos.’

Este profundo despertar já está acontecendo espontaneamente em muitos lugares. Mas não é suportado de forma metódica. Não possui uma infraestrutura capacitadora que permita que ela se manifeste organicamente. As cinco histórias que compartilhei aqui falam sobre como fazer isso: fornecendo uma infraestrutura facilitadora mínima que permite que esse despertar se manifeste em consciência compartilhada e ação coletiva. Sem essa infraestrutura capacitadora, nenhuma dessas histórias existiria. Nenhuma dessas conexões e ações teria sido ativada.

A maioria das pessoas entende que nossos sistemas precisam de um profundo processo de transformação. Mas a maioria das pessoas — incluindo líderes de instituições — não sabe que conduzir um sistema por uma jornada de transformação requer uma estrutura de apoio. Tal infraestrutura é composta por métodos e ferramentas especializadas — um conjunto de tecnologias sociais (baseadas na conscientização) — que permite que equipes, grupos com várias partes interessadas e cidadãos ouçam, conversem e colaborem de maneiras mais cocriativas e intencionais, e conscientes. Passei os últimos 25 anos da minha vida — junto com meus colegas do MIT e do Presencing Institute — trabalhando para cocriar esses métodos e ferramentas e democratizando o acesso a eles por meio do creative commons.

Nós, você e todos os criadores de mudanças precisamos desses métodos e ferramentas. Esse é um elemento de transformação. Também precisamos de diferentes tipos de espaços, como os descritos e vistos nas histórias e imagens acima. Mas o que mais precisamos é de uma qualidade diferente de presença e consciência baseada em:

Uma Mente Aberta: a capacidade de acessar nosso não-saber (escuta profunda)

Um Coração Aberto: a capacidade de ser vulnerável, de ser tocado (co-sentir),

Uma Vontade Aberta: a capacidade de agir a partir da quietude, de criar do nada (Presença).

Esses são os elementos centrais da Teoria U. Em última análise, quando você se vê jogado nesses espaços, a ferramenta mais importante é sua própria capacidade de usar seu EU (Self) como um veículo para se conectar ao campo social mais amplo que está se desenrolando entre, dentro e através de você e de seus relacionamentos. Um campo social é um sistema social — experimentado não apenas de fora, mas também de dentro. É um “sistema social com alma”, se você quiser uma abreviação. A maneira como experimento essas mudanças nos campos sociais pode ser mapeada e rastreada nas seguintes dimensões:

Ampliação horizontal: um colapso das fronteiras entre pessoas e entidades

Aprofundamento vertical: uma base aprofundada no lugar e na mais alta intenção futura

Sintonizando-se com a pulsação do coletivo: “Olha o que estamos fazendo conosco mesmos”

Tempo: desacelerar, conectar-se ao que o espírito do nosso tempo atual quer que façamos

Emergência: atente para o que está procurando emergir e “traga-o para a realidade como deseja” (Buber).

Infraestruturas facilitadoras mínimas: para a transformação social

Então, o que estamos aprendendo? Estamos aprendendo que existe um enorme potencial para mudanças profundas e transformadoras em muitos lugares do mundo. Esse potencial não é um recurso escasso. O que falta são as estruturas de suporte que permitem que esse potencial se manifeste, se atualize na escala do todo. O que começamos no Uruguai me pareceu a primeira batida de um coração coletivo. Precisamos cultivar a abertura do coração coletivo. Precisamos cultivar essa capacidade em muitos lugares, em muitas regiões. As reuniões que descrevi acima forneceram algumas experiências iniciais sobre como construir e comanter esses espaços de desenvolvimento mais profundos.

Esse é o meu relatório sobre as últimas semanas. Na próxima parte deste blog, vincularei essas micro-histórias a padrões maiores de mudança de sistemas que estamos vendo no mundo. Também compartilharei algumas novas experiências do Sudeste Asiático e da Ásia-Pacífico, onde tenho trabalhado com criadores de mudanças e iniciativas nos últimos 20 anos. Vários deles chegarão ao campus aqui no MIT no final desta semana.

Quero terminar este blog com um desafio que sinto profundamente. Como observado, voltei de minha viagem à América Latina como uma pessoa diferente. Olhando nos olhos e corações de todos esses colegas e companheiros de viagem, algo me tocou profundamente. Vi com que facilidade podemos criar novos espaços quando compartilhamos as intenções certas e usamos as práticas e ferramentas de escuta apropriadas. Esses encontros me deixaram profundamente esperançoso.

Também voltei com uma pergunta para mim mesmo: Ei, o que você está fazendo da sua vida? Por que você não vai de um lugar para outro para manter esses espaços onde quer que sejam necessários? Isso é o que está acontecendo do meu lado. Espero que você responda com perguntas que desafiem seu próprio status quo.

A maioria de nós sabe que precisamos criar espaços generativos onde quer que essa nova consciência e movimento planetário esteja despertando — o que é praticamente, bem, em todos os lugares. Então, a pergunta é, como fazemos isso? Como podemos criar espaços de aprendizado profundo e liderança que permitam que cidadãos, agentes de mudança e líderes de todos os setores acendam suas próprias chamas de inspiração e agência?

Essa é a pergunta olhando para mim. Qual é a pergunta olhando para você? O que as histórias contadas aqui evocaram de sua própria experiência? Quais são os próximos passos que você dará nas próximas semanas? Este é o chamado do nosso tempo: cada um de nós precisa aparecer. Permita que sua pergunta olhe para você. Deixe-a falar com você.

É assim que a mudança real acontece: em muitos passos incrementais dados por indivíduos e pequenos grupos. Se tomadas em conjunto a partir de uma consciência compartilhada, ideias e ações se fundirão e se alinharão com o futuro que quer emergir.

Agradeçp à minha colega Jayce Lee por seu impressionante clipe de escrita generativa e a Becky Buell, Eva Pomeroy, Laura Pastorini, Maria Daniel Bras e Emma Paine por seus comentários úteis e edições no rascunho.

Para mais recursos, confira: u-school for Transformation

Outros blogs do Otto: https://ottoscharmer.com/index

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Janine Saponara

Journalist specialized in Theory U since 2006, one of the precursors of Theory U in Brazil. Master´s Degree student on Comms / TU /Public Policies.