E se Forrest Gump fosse servidor público?

Jordão Mota
tchiluanda
Published in
7 min readJun 11, 2019

Contar histórias — storytelling — ajuda a transmitir uma informação para que ela gere conhecimento, como brilhantemente fez o carismático personagem de Tom Hanks. Contudo, essa informação só vai gerar conhecimento se fizer sentido (ter começo, meio e fim) para quem a está recebendo. E ela só terá alcance se puder ser facilmente transmitida para outra pessoa.

Se você não conta história, não cria uma conexão emocional. E emoção contribui para a compreensão das coisas. Se você fala de temas complexos, é fundamental criar envolvimento emocional com o assunto. Dessa forma, a compreensão ganha profundidade e aquilo fica gravado em sua mente.

Quem viu se emociona e não esquece.

Para começar a contar uma história, temos que pensar nos fracassos. Antecipar os possíveis problemas, prever os comportamentos adversos que o relato irá enfrentar. A narrativa tem que enfileirar esses obstáculos e derrubá-los um a um, de forma confortável (falar sobre o que você sabe), veloz (conexão, timing entre os atos) e coerente (fazer sentido).

Passar por essas dificuldades trará o espectador para o lado do personagem, pois você mostra que tem noção das dificuldades do público e que, juntos, irão superar esses obstáculos. Isso gera empatia. Isso é comunicação, é pensar na reação da outra pessoa. Por isso, contar história é uma incrível maneira de interagir com outros seres humanos.

Run Forest, run!

Storytelling no Tesouro Nacional

Mas como criar essa história envolvente ao tratar de relatórios que divulgam dados fiscais do governo? Como impactar e incentivar as pessoas a entrarem nesse universo?

Um exemplo dessa abordagem de storytelling nas finanças públicas foi o processo de criação do Tchiluanda. No entanto, antes de explicar o que isso significa, vale a pena entender o contexto que motivou a sua criação. E perceber que um assunto aparentemente complicado pode ser tratado de uma maneira mais empática.

O Tesouro Nacional tem a missão de gerir as contas públicas de forma eficiente e transparente, zelando pelo equilíbrio fiscal e pela qualidade do gasto. Para realizar essa tarefa, o órgão divulga vários relatórios, dentre eles o Resultado do Tesouro Nacional (RTN), que mostra de onde vêm os recursos do governo e onde eles são gastos.

O RTN permite avaliar a gestão do caixa do governo por meio da comparação entre receitas e despesas. Todavia, por questões técnicas, alguns termos essenciais, tais como Superávit Primário, Meta Anual, Déficit Nominal, causam dificuldade de compreensão a quem não está habituado a esse idioma. E eles sempre aparecem na TV, nos jornais e na internet, já reparou?

Não faltam explicações didáticas para mostrar a “diferença entre Resultados Primário e Nominal”, mas por qual motivo isso não fica gravado na mente das pessoas? Por que nem todo mundo entende para que isso serve? Achamos que seria uma boa oportunidade para aplicar a técnica de storytelling. Vamos começar?

Depois de extenso estudo (making of ao final do texto), percebemos que o RTN tem um papel relevante para guiar os caminhos do Brasil, já que o relatório expõe os principais componentes da gestão fiscal, a arrecadação e o gasto público, e avisa se a equação está superavitária ou deficitária. O RTN ajuda a ver qual rota estamos trilhando e indica aonde podemos/queremos chegar. Uma cooperação essencial para o País.

Um publicitário tentando entender as implicações do resultado fiscal.

Após uma tempestade de ideias (brainstorm), destacamos as palavras cooperação, ajuda e guia para inspirar alguma metáfora que facilitasse o entendimento do papel do RTN para o Brasil. O intuito era fugir de tecnicismos e mergulhar em um planeta mais agradável às pessoas do que o mundo das finanças públicas. Seria isso possível?

Uma pesquisa no Google nos trouxe que cooperação ou comportamentos cooperativos, na biologia, são termos usados para descrever todo comportamento que beneficia ambos os protagonistas e pode ocorrer tanto entre organismos da mesma espécie como entre membros de espécies diferentes. E biologia , que a gente aprende na escola, soa bem mais familiar do que finanças de governo, não é? Parece uma boa direção, sigamos esse rastro.

Lendo um pouco mais, descobrimos que protocooperação é o tipo de cooperação entre indivíduos de diferentes espécies, sendo que estes podem viver de modo independente (diferente do mutualismo, onde as duas espécies precisam uma da outra para sobreviver). Nesse tipo de simbiose, um dos exemplos que chamou nossa atenção foi a relação entre um pássaro e um rinoceronte, pois, além de cuidar dos carrapatos que incomodam esse grande mamífero, a ave o ajuda a ver melhor, já que os rinocerontes não enxergam bem.

Nossas palavras-chave convergiram nesse exemplo. Cooperação, ajuda e guia. Seria viável fazer uma metáfora da relação entre RTN e Brasil com a protocooperação entre uma ave e um dos maiores animais do planeta?

Explorando mais, notamos que o passarinho ajuda a cuidar da carcaça do rinoceronte e o guia para uma alimentação mais saborosa, além de avisar da proximidade de inimigos. Tudo isso se encaixava na função desejada pelo RTN: o Resultado do Tesouro Nacional ajuda o Brasil a cuidar de sua situação fiscal e pode guiar para um caminho mais equilibrado ao longo do tempo, além de avisar dos próximos desafios.

A metáfora combinou bem, mas algo ainda incomodava: não existiria um animal brasileiro que fizesse o papel do rinoceronte?

Nas pesquisas, encontramos o boi e o búfalo. Eles vivem em território tupiniquim e têm um pássaro para chamar de seu. Todavia, contra o búfalo, havia o fato de ele ser mais identificado com a cultura norte-americana. Contra os dois, havia a dificuldade do nome do passarinho que os acompanha: oxpeacker ou tickbird, do inglês, foram traduzidos como pica-boi. Isso mesmo, pica-boi. Um nome que traz uma carga semântica negativa, no sentido de sugar, de incomodar o bovino. Não é isso que queremos para o RTN, não é mesmo?

Pica-boi ?!?!

Só nos restou voltar para o rinoceronte, que remete às nossas raízes africanas, e descobrir se o seu passarinho tem um nome mais brando, mais afável. Eis que, finalmente, encontramos o pássaro (tcharammmmm) TCHILUANDA! Tchi-lu-anda, tudo junto. Que nome diferente, curioso, desconhecido e… que não diz nada! Isso é um problema?

Um tchiluanda para chamar de seu.

Na verdade, é a solução para muitas dificuldades apontadas em nosso storytelling. Por si só, a palavra Tchiluanda causa uma estranheza, mas desperta o interesse — quase simultâneo — de saber o que significa. Essa abordagem poderia aguçar a curiosidade daquelas pessoas que têm certa aversão à (tradicional) comunicação governamental. E, sem se dar conta, elas poderiam entrar em nosso universo, a ponto de sentirem vontade de ver o que temos para mostrar.

E esse é o público que queremos atingir com essa história. Nosso objetivo é justamente aumentar o número de indivíduos que entendam a dinâmica básica das contas do Brasil, para que haja maior envolvimento e participação nas discussões sobre onde e quanto gastar o dinheiro que todos nós colocamos à disposição do governo. Não queremos falar somente para quem é especialista no assunto.

Por outro lado, eu precisava “vender” essa ideia do Tchiluanda no Tesouro Nacional, cujos membros da alta cúpula conhecem bem de finanças públicas. E nada melhor que o termo Tchiluanda para ter a atenção deles e transportá-los, por um breve instante, para o lugar de quem não conhece nada sobre um assunto. Assim, eles puderam perceber a importância dessa inovação na abordagem do RTN e, uhuuuuuu, aprovaram a iniciativa!

Run Rino, Run!

Que longo caminho percorreu esse passarinho de bico afiado, hein? (mais de um ano desde a idealização até a finalização dos vídeos).

Veja os vídeos e tente não se envolver nessa jornada do rinoceronte e seu fiel amigo, o tchiluanda:

https://www.youtube.com/watch?v=MEWQyoQqxy4&list=PLJDqJWGmL7kbQg1GiAfta8Wu0tpry4i8C

Making of e brainstorm

  1. Depois da lousa, cogitamos fazer uma animação que mostrasse o fluxo de receitas e despesas saindo de um cofre, uma espécie de mapa do tesouro:
Que falta de originalidade…tsc tsc tsc!

2. Criamos, em seguida, uma sequência lógica para explicar a ligação entre RTN e a dívida pública. Isso foi bem útil para entender o encadeamento das cenas:

Os textos eram revisados por quem realmente entende da questão.

3. Até que chegamos à analogia com o rinoceronte e o tchiluanda, mas ela ainda precisava ser refinada:

Quase lá!

4. Por fim, passamos a limpo os objetivos da comunicação e as principais referências que iríamos adotar:

“o rinoceronte pode ser considerado bem esquisito, pesado, com um grande nariz com chifres na ponta. Não representa a beleza da fauna mundial”. Tadinho dele…mas ele vai mudar essa visão, aguarde!
Em vermelho, dá pra ver as palavras-chave que serviram de referência para nossa história.
Uma parte do que vasculhamos sobre o rinoceronte e a ave.

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