O Design do Futuro — pensando com o livro

Juliana Viegas
4 min readOct 24, 2023

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Esse texto faz parte de um projeto onde busco publicar comentários sobre os livros que leio a cada ano. Por esse trecho ter ficado muito extenso, estou antecipando a publicação que será feita em janeiro. Caso queira conferir o artigo do ano passado, ele se chama Conversa sobre os livros lidos em 2022.

Capa do livro O Design do Futuro. Fundo azul claro. O nome “Donald A. Norman” está escrito na parte superior direita e abaixo “Autor de Design Emocional”. Possui uma fila de cinco carros futuristas. Quatro ficam contraídos, de forma vertical. Os carros possuem apenas dois acentos. O último é bordô com branco e os outros prata com branco. O nome do livro está escrito em caixa alta dentro de uma faixa vermelha. Na parte inferior, uma faixa preta escrito o nome da editora “Rocco”.
Capa do livro O Design do Futuro

O Design do Futuro é um livro do Donald Norman, professor e autor de diversos livros sobre usabilidade, psicologia cognitiva e interação humano-computador, além de ser conhecido por ter popularizado o termo UX (User Experience).

O livro foi escrito em 2007 e fala sobre a tecnologia do futuro já estar emergindo, com eletrodomésticos, casas, carros e fábricas inteligentes. Um parênteses: O assunto “cidades inteligentes” me interessa desde os primeiros eventos de tecnologia que participei ainda na faculdade, como a 10ª edição da Campus Party Brasil, em 2017. Me interessam, principalmente, as ações tomadas pelos governos.

Logo no início do livro Norman já traz uma afirmação interessante:

“Os assim chamados sistemas inteligentes ficaram muito presunçosos. Eles acham que sabem o que é melhor para nós. A sua inteligência, entretanto, é limitada. E essa limitação é fundamental: é impossível uma máquina ter conhecimento suficiente de todos os fatores que entram na tomada de decisão humana.”

Norman segue o raciocínio dizendo que à medida que as máquinas assumem mais responsabilidades, elas precisam ser “socializadas”. Ele usa esse termo para falar sobre a maneira como os sistemas se comunicam e interagem com os humanos. Mais pra frente ele desenvolve esse assunto para pensarmos em como é a linguagem das máquinas e dos humanos e em como precisamos de um imaginário e vocabulário em comum. Outro ponto importante desse trecho que destaquei é que as máquinas, por si só, não são inteligentes. Elas são projetadas por um grupo de designers. Então, cenários que não passarem pela cabeça dessas pessoas não serão contemplados no projeto. Esse é um motivo muito relevante para necessitarmos diversidade nas empresas, governos e projetos. E, ainda assim, aceitarmos que as máquinas não saberão lidar de forma adequada com problemas inesperados.

Um exemplo que gostei muito é dos carros fofoqueiros. Carros poderiam conversar sobre coisas úteis, como tempo e trânsito, mas poderiam também contar aos anunciantes informações como o nosso destino final, permitindo que recebêssemos banners sobre restaurantes próximos ou shoppings. Em uma rasa observação, pode até parecer algo útil, mas nós já vimos isso com outros canais, como as redes sociais, e sabemos o quanto pode ser intrusivo e inconveniente receber vários anúncios ou anúncios em momentos inapropriados.

Outra coisa citada no livro é a possibilidade de vírus adentrarem sistemas de navegação de automóveis. Norman afirma que especialistas dizem ser uma questão de “quando” e não “se”. É uma corrida por segurança.

No capítulo “A psicologia de pessoas e máquinas”, Norman fala sobre o fato de que o mundo impõe as mesmas exigências a todos, sejam humanos, animais ou até mesmo as máquinas. Os seres humanos e os animais se adaptaram ao longo de séculos, evoluindo sistemas complexos de percepção, ação, emoção e cognição. As máquinas não sentem, mas se faz necessário um sistema análogo para elas. Em um mundo repleto de notícias alarmistas sobre máquinas que podem “dominar o mundo”, afirmar o óbvio se faz necessário. Não, as máquinas não sentem. Mas para que elas possam nos ajudar melhor e se manterem úteis em um mundo complexo, é necessário que elas possuam algo semelhante a processos emocionais.

Simbiose é um termo proposto por outro autor (Licklider) e que Norman aprofunda bastante nesse livro. A simbiose é “uma fusão de dois componentes, humano e máquina, na qual a mistura é suave e frutífera, a resultante colaboração excedendo o que cada um é capaz de fazer sozinho.” Esse conceito cabe para pensarmos a relação entre carros “inteligentes” e seus condutores. O objetivo é que humanos e máquinas trabalhem juntos e se ajudem.

Mudando totalmente de assunto, o conceito de affordances é revisado neste livro. No capítulo “Interação natural”, Norman conta sobre uma troca de e-mails que teve com uma professora brasileira, Clarisse de Souza, na qual ela argumentava que “Affordance é na realidade a comunicação entre o designer e o usuário de um produto”. Ele a princípio negou, mas repensou o assunto e acabou declarando que:

“Quando designs são considerados como comunicação compartilhada e tecnologias, como mídia, toda filosofia do design muda radicalmente, mas de uma forma positiva e construtiva”.

O termo affordances foi inicialmente usado por J. J. Gibson, que era psicólogo perceptivo, e Norman o trouxe para pensarmos os problemas de design.

Outro ponto que Norman revisa nesse livro é o argumento de que a tecnologia deve se adaptar a nós, algo defendido no livro “Things That Make US Smart” (1933), para o qual não encontrei versão em português. Em “O Design do Futuro”, Norman cita que mudou de ideia quanto a isso porque as máquinas possuem capacidades limitadas, enquanto nós humanos somos adaptáveis. “Ou aceitamos a tecnologia como ela é, ou ficamos sem”, diz ele.

Sinceramente, penso que essa visão é perigosa. Não creio que tenha sido a intenção inicial, mas acredito que essa visão pode gerar designers acomodados com o que a tecnologia nos permite no momento. Tendo isso em vista, a visão de adaptar os sistemas ou produtos às necessidades humanas é inspiradora e nos leva a desafiar o que existe, ou o que os desenvolvedores nos afirmam ser possível.

Sim, as máquinas são limitadas. Sim, elas não são realmente inteligentes. Sim, elas não sentem. E sim, como público geral, faz sentido para mim que as pessoas busquem se adaptar a o que existe, não sendo necessário se contentar com isso. Mas como designers, não acredito que devamos simplesmente aceitar a tecnologia como ela é. O nosso trabalho é questionar e buscar soluções melhores todos os dias. Precisamos de gente imaginativa.

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Juliana Viegas

Escrevo sobre Design, Comunicação Digital, Literatura e Tecnologia.