Fascismo: uma tragédia de hoje

Larissa Silva
2 min readJun 11, 2020

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“Crucificação” (1940–1941) — óleo sobre tela. Roma, Galeria Nacional de Arte Moderna e Contemporânea.

Renato Guttuso (1911–1987), artista modernista e um dos principais expoentes do neorrealismo — corrente artística com o caráter ideológico de esquerda — italiano pictórico, pintou em 1940 a sua obra mais conhecida: “Crucificação”. Dado o contexto em que vivia de pós-guerra, Guttuso buscou representar nessa obra, segundo ele, a cena de uma crucificação que parece uma natureza morta e uma vida imóvel que parece uma crucificação.

Como parte de seu acervo, essa obra representou um verdadeiro grito popular de oposição aos regimes totalitários e as atrocidades que se seguiam ao longo daquele período.

Ao tratar do tema da crucificação de Cristo, Guttuso não tinha a intenção de representar o Cristo que morre pelos pecados de todos, mas simbolizar todos os homens que sofrem e são punidos todos os dias pelas suas ideias. Não por acaso, ao contemplarmos essa obra nós acabamos sendo confrontados com uma tragédia que envolve e perturba cada indivíduo.

Além de uma cena em que Cristo não é o protagonista e, mais do que isso, era abordado apenas como mais um homem comum sendo torturado, a peculiaridade desse quadro que mais chocou foi a escolha do artista ao desenhar as figuras sem roupas, sobretudo Maria Madalena. A resposta de Guttuso quanto a essa crítica foi:

“Pintei-os nus para removê-los de um local temporal: foi o que me disseram, é uma tragédia de hoje, o justo perseguido é algo que acima de tudo nos preocupa hoje.”

Vemos, então, como a angústia e a exasperação do artista são muito bem retratados em seus traços. Em cores vibrantes, suas figuras compostas na diagonal nos dão o movimento da fúria e do caos. Não por acaso, essa obra incomodou tanto o regime fascista da época, que julgava a tela como uma crucificação bizarra em que o artista comete o “grave erro” de virar o tema de cabeça para baixo de divino para humano.

De fato, a grandiosidade dessa obra devido ao seu tema, técnica e expressividade, merece o seu mérito. Mas, uma vez que o fascismo está em ascensão no Brasil, o que mais encanta nessa obra é a sua inegável atualidade. Afinal, num país em que bailes funks ainda são interrompidos por policiais fascistas, exposições de artes com temas de denúncia são interpretados como o fim dos tempos e literatura com histórias homossexuais são banidas, a crucificação do homem que é punido pelas suas ideias é definitivamente a nossa tragédia de hoje.

Mais sobre Renato Guttuso aqui.

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Larissa Silva

Arte: História, Crítica e Curadoria da PUC-SP. Paulista, 27 anos.