Mas então Breath of the Wild-like não existe?

Felipe Dal Molin
5 min readSep 28, 2021

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Um tempo atrás rolou no Twitter uma discussão sobre The Legend of Zelda: Breath of the Wild ter originado um novo gênero de jogo, ideia que foi instantaneamente rechaçada pela galera da área. Li o texto que propunha isso e entendo de onde vem a crítica — mas fiquei pensando sobre a reação desproporcional à ideia.

O negócio é: não posso responder por outras mídias, mas gêneros de jogo são uma parada móvel, maleável. Qualquer mecânica ou estrutura forte suficiente para ancorar um paradigma de desenvolvimento (seja a nível mainstream, seja em nicho) vai precisar de palavras pra facilitar a comunicação e, bicho, game design é um negócio ruim de colocar em palavras. Tem motivo pra gente não falar de “jogo com mecânica central de tiro ao alvo com alvos móveis em ambiente 3D e câmera controlada por jogador”: é porque seria um horror; aí a gente fala FPS, ou jogo de tiro em primeira pessoa, ou, logo que o negócio virou paradigma lá nos anos 90, Doom clone.

Porque a verdade é que a gente não é assim tão técnico e acadêmico na hora de fazer os jogos também, e acho que isso reflete um pouco na crítica: a comunicação que funciona é aquela que faz a ideia andar. Por isso a comunicação prática de design funciona muito com base em referências. Nosso Horizon Chase é um “jogo de corrida estilo anos 80 e 90 tipo Lotus, Top Gear e Outrun”, o que funcionou muito melhor, de todos os lados, do que a gente assumir a existência de um gênero universal de “corrida”. Já o Wonderbox é algo como um “Zelda Maker com platforming de Super Mario 3D World em dioramas de Captain Toad”, se a gente estiver falando com alguém de referências nintendistas. Se o interlocutor for outro, pode envolver de Minecraft a Knight Lore, do ZX Spectrum. Oficialmente é um action-adventure, mas vai saber que raios isso significa no mercado hoje. Referências nos ajudam a fazer jogos, a recomendar e falar sobre eles — nenhum jogo é uma ilha.

Tudo isso pra dizer: quem vai dizer se Breath of the Wild criou algum tipo de subgênero ou não é o que vem depois. Souls-like só existe porque existe Lords of the Fallen, The Surge, Nioh, Blasphemous, Salt & Sanctuary e por aí vai. O jogo não vira gênero sozinho. Também não vira gênero rápido, porque fazer jogo leva tempo. Da mesma forma, se daqui a uns tempos tiver muita coisa saindo que referencia especificamente Breath of the Wild (e não Skyrim, não GTA, não Horizon Zero Dawn), e que chamar só de open world não faça justiça às mecânicas e estruturas derivadas daí, aí talvez seja mais fácil a gente abraçar a existência do BotW-like mesmo (ou achar um nome melhor, por favor). Assim como a gente faz quando se refere a um jogo como “é tipo mundo aberto Ubisoft, sabe?” pra dizer que ele tem um caminhão de coletáveis e atividades opcionais e é cheio de marcadores no mapa. E ninguém tem problema nenhum com isso.

Na mesma linha, será que faz sentido colocar Skate, Session, Skater XL, Tony Hawk’s Pro Skater, Skatebird, Olli Olli e Skate City no mesmo gênero “skate”? Os dois últimos não jogam nem um pouco como os demais. E aí onde fica Wave Break, que é mais parecido com THPS do que qualquer outro jogo, mas tem um jet-ski e uma metralhadora? Será que o paradigma de “fases 3D compactas e verticalizadas repetíveis, com limite de tempo e objetivos diversos, onde o desafio é o aprendizado do cenário e o domínio e otimização da própria movimentação” é forte suficiente pra gente dizer que algo é THPS-like, independente de ter um skate ou não? Por que o Doom clone foi promovido a um gênero que hoje engloba de Call of Duty até Fallout 4, passando por Dusk e SUPERHOT (!), mas o souls-like ainda rende piada mesmo dez anos depois de começar a ser referenciado a rodo? E por que a gente ainda não tem um nome popular para o gênero que é Octodad, e Surgeon Simulator, e Job Simulator e I Am Bread?

Quero dizer que talvez a gente seja muito preciosista e reacionário nesse tipo de comunicação, talvez pela própria falta de vocabulário. Como bons gatekeepers da adolescência perdida, a gente ainda se refere às coisas em grande parte como se fossem os anos 90 e 2000: FPS, TPS, RPG, RTS, plataforma, mundo aberto, “mecânicas”, “gráficos” e “replay”, à exceção de uns caras que ficaram tão grandes que quebraram essa barreira semântica, como roguelike e lite, MOBA, battle royale e walking simulator (que nem conquistou direito a alcunha melhorzinha de “jogo de exploração narrativa”). Acho que o pensamento crítico avançou um monte na última década a respeito de conteúdo, propósito e responsabilidade político-social dos jogos, mas a discussão da forma ainda é meio tacanha e conservadora. O problema é que uma coisa amarra a outra — a título de exemplo, de tudo o que se explora hoje no campo de jogos não-violentos e que simulam experiências de vida mais diversas, o melhor que a gente conseguiu em termos de comunicação mainstream foi o termo guarda-chuva “wholesome”.

Meu ponto com isso tudo: nem sei quem foi, mas deixa o cara criar o breath-like, wild-like ou como quiser chamar. Por mim pode chamar até de Antônio se quiser. Qualquer coisa que nos ajude a diferenciar as ideias e tratar o Ubisoft-like também como um nicho, não como único paradigma de mundo aberto.

Por enquanto é isso, mas prepara a tocha e o forcado aí que no próximo post quero falar um pouquinho de jogo de rotina, loop-like e mindvania.

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Felipe Dal Molin

Former Principal Game Designer at Aquiris. Horizon Chase 1 & 2, Wonderbox, Dungleon, Spooklands. Wants to make great games.