Por que o Oscar não mereceu La La Land

Sobre esse câncer chamado prêmio de cinema

Lucas Carvalho
7 min readFeb 27, 2017

Poucas vezes saí do cinema tão empolgado quanto quando assisti a La La Land pela primeira vez, filme que quase levou o Oscar de “Melhor Filme” da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA — mas que confirmou outros seis prêmios, incluindo “Melhor Diretor” e “Melhor Fotografia”, como você deve ter ouvido falar. O longa, que para mim é mais um filme-sobre-musicais do que um musical propriamente dito, é do tipo que aquece o coração do espectador com aquele velho conhecido (mas há muito esquecido) chavão da “magia do cinema”.

Porque La La Land, convenhamos, é um filme mágico. Damien Chazelle conseguiu resgatar a essência e a alma dos musicais que fizeram os olhos da audiência brilharem nos anos 1950, em um mar de referências a clássicos como Cantando na Chuva, Sinfonia de Paris, Top Hat e muitos outros momentos de Fred Astaire e Ginger Rogers. Isso sem falar nas óbvias homenagens e Jacques Demy e seus Os Guarda-Chuvas do Amor e Les Demoiselles de Rochefort, só para citar dois exemplos.

Mas La La Land se atém a apenas homenagear esses filmes, e não copiá-los. E faz isso como uma forma de resgatar uma experiência bem específica, e não como linguagem. O gênero musical tende a ser trampolim para alguns dos piores filmes americanos das últimas décadas. A ideia de que a história do filme pode parar a qualquer momento para que um elenco estelar e bem treinado comece a dançar e cantar sem nenhum motivo é algo que, com razão, afasta muitas pessoas do cinema. Musicais, por via de regra, representam a arte do cinema em seu pior estado: o do entretenimento puro e sem conteúdo.

Acontece que, nos anos 1950, as pessoas não se divertiam no cinema com sequências de ação feitas em computador, com homens musculosos portando metralhadoras ou carros tunados desafiando as leis da física. O gênero musical era a melhor válvula de escape que aquelas audiências tinham, enquanto, hoje, o gênero de ação faz esse papel. La La Land tem como propósito resgatar aquela essência, aquela diversão despretensiosa de décadas atrás, mas de maneira muito pontual e sem cair nos mesmos clichês e desserviços que outros musicais recentes têm caído.

Em La La Land, a história não para só para o elenco cantar e dançar. Pelo contrário. Momentos cruciais do desenvolvimento da trama e dos personagens acontecem dentro das sequências de música. Veja como a abertura do filme, ao som de “Another Day of Sun”, faz o trabalho de nos ambientar ao contexto e temas do filme (a busca por sucesso em Los Angeles, muitas vezes às custas de sacrifícios pessoais); já a próxima sequência, “Someone In The Crowd”, nos mostra as motivações e o estado de espírito da protagonista Mia (Emma Stone); enquanto que “A Lovely Night” faz com que o relacionamento dela com Sebastian (Ryan Gosling) comece a ganhar contornos mais românticos.

Sem essas sequências musicais, o filme perde sentido. Enquanto que em filmes como Cantando na Chuva, se cortarmos a monótona “Good Morning” ou “Make’em Laugh”, a trama avançaria muito mais rapidamente. Note, também, que as sequências musicais surgem de maneira bem mais natural e orgânica do que em outros filmes. A agradável “City of Stars”, por exemplo, faz todo o sentido dentro do contexto em que é apresentada na metade do filme: Mia e Sebastian, um casal de artistas, apaixonados, compartilhando um momento único de suas vidas à mesa de jantar. Não é como se, do nada, os dois começassem a cantar “Bom dia! Bom diiiiaaaa!” sem razão alguma.

Note também que La La Land tem muito menos sequências musicais do que outros filmes do mesmo gênero. Não é por acaso. Chazelle poderia ter feito o mesmo filme sem incluir música alguma, mas no contexto de La La Land, as músicas servem como uma homenagem à Los Angeles e Hollywood, e tudo o que essa cidade representa: uma terra de encantos, a magia do cinema, o lugar onde sonhos se tornam realidade. Mia e Sebastian são sonhadores, artistas apaixonados por suas respectivas artes, do tipo que já vimos tantas vezes em Hollywood. A história dos personagens dialoga com o sonho que todos nós já tivemos de viver grandes paixões, aventuras arrebatadoras, nos mesmos cenários dos filmes que vimos a vida inteira. Por isso o filme parece ressoar como nostalgia para aqueles de nós que têm mais intimidade com a história do cinema.

Não diga que isso não vale para você porque tenho certeza de que pelo menos O Rei Leão já te fez chorar. La La Land é um resgate dessas emoções, que há muito andam esquecidas das salas de cinema. O encanto foi substituído pela ação desenfreada, os príncipes e princesas foram trocados por valentões sem camisa, a música de violinos deu lugar ao disparo de armas de raios azuis e pickups de DJs. Mas, ainda assim, Chazelle não se limita ao saudosismo, fazendo esse resgate com um toque certeiro de progressismo. Perceba como as coreografias são bem menos técnicas e deslumbrantes que aquelas de Astaire e Rogers, pois querem dar uma sensação de mais espontaneidade; também note a forma como as sequências musicais foram filmadas, todas em plano-sequência, para suspender o espectador da sua descrença; e, principalmente, repare no final quase trágico para evitar o que seria um previsível “e viveram felizes para sempre”. Chazelle se aproxima da Hollywood do passado quando necessário, mas mantém um olhar no futuro e se afasta sempre que pode.

La La Land, em resumo, é um filme espetacular. Mas que não merecia um Oscar.

Aliás, não merecia nem ter sido indicado. Muito menos 14 indicações, número que apenas Titanic conseguiu anteriormente, no Oscar de 1998. Tudo o que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas fez foi arruinar, para muitas pessoas, o que poderia ter sido uma das melhores experiências de suas vidas. Graças a um monstrinhos chamado “expectativa”.

Com todo esse burburinho de Oscar, La La Land acabou gerando muita expectativa. “Catorze indicações? Deve ser o melhor filme da história”, pensaram alguns desavisados. E com essa ideia na cabeça, foram ao cinema. E se decepcionaram. Não é o melhor filme da história. Não é uma obra-prima da humanidade. Não é a oitava maravilha do mundo. É só um filme. E, para alguns, um filme que não é bom o suficiente para o Oscar. Mas meu ponto com este artigo é te convencer do contrário: o Oscar é que não é bom o suficiente para La La Land.

Já escrevi aqui no Medium sobre o quanto o Oscar, esse sim, não La La Land, é supervalorizado. Trata-se de um prêmio americano, voltado para a indústria americana, onde marketing e lobby participam ativamente. É um concurso de popularidade, em que industriais de carreira julgam os trabalhos dos amiguinhos enquanto buscam preservar seus valores americanos. É por isso que há tanta gente branca ganhando o Oscar no lugar de talentos multiétnicos. É por isso que existe uma categoria só para filmes “estrangeiros”, como se os EUA fossem o centro do mundo e todos os outros países são só “o resto”. É por isso que, invariavelmente, filmes patriotas ganham ou são indicados quase todos os anos. Como filmes de super-heróis e comédias românticas, “filmes de Oscar” são só mais um subgênero de Hollywood. O Oscar não é um atestado de qualidade, é só um rótulo de mercado.

Cidadão Kane, por exemplo, é um filme citado em universidades e cursos de cinema de todo o mundo, uma obra-prima da qual poucos nunca ouviram falar. Pois, adivinhe só: não ganhou o Oscar. Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock são dois dos cineastas norte-americanos mais reconhecidos e influentes do mundo. E nenhum dos dois morreu com um Oscar por seus trabalhos em direção (Hitchcock só ganhou um, mas como produtor). Não precisamos nem ir tão longe no tempo. American Hustle, lançado no Brasil como Trapaça, foi o recordista do Oscar 2014 com 10 indicações. Não ganhou uma estatueta sequer e acabou esquecido — felizmente, porque o filme é um exagero escandaloso sem substância alguma.

Muita gente tem ido ao cinema ver La La Land não porque quer conferir o novo trabalho de Damien Chazelle, diretor do fantástico Whiplash, mas sim porque querem confirmar que o filme é mesmo tão maravilhoso quanto deve ser, porque o Oscar disse que é. La La Land não é bom porque foi indicado 14 vezes ao Oscar. Nem porque ganhou seis prêmios. La La Land tem méritos próprios enquanto filme e não deve ser julgado por um rótulo que a Academia fez questão de grudar nas suas costas. Ser indicado ou vencer prêmio no Oscar não faz de um filme bom ou ruim. O mesmo vale para Moonlight, o grande “campeão” da noite de ontem. Não vá ao cinema com a expectativa gerada pelo Oscar, mas tenha como base apenas o que o filme se propõe — que é, em outras palavras, ele mesmo, seu trailer, seu pôster, o currículo das pessoas envolvidas.

La La Land, como todo bom filme, encanta quem vai ao cinema sem nada a perder. Não deixe o Oscar buzz te tirar o foco do que realmente importa: o filme. E não o prêmio que o filme ganhou.

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