Criando uma Startup “sem dinheiro”, em apenas 150 passos. Parte 1

Lucas Neves Martins
9 min readSep 29, 2016

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Estou compartilhando nossa história criando o Minerador para que você possa enxergar um outro caminho além de começar com investimento, e ficar sempre correndo atrás do próximo round de investimento sem chegar no break-even. Não julgo que um modelo é melhor do que o outro, mas julgo que é melhor que você adote um modelo sustentável no seu primeiro negócio, pra você aprender como investir o seu dinheiro antes de arriscar o dos outros.

Prólogo

Tudo começou quando a empresa pra qual eu trabalhava quebrou no dia do pagamento, na época eu era CTO e depois de um ano de trabalho árduo pra montar um time de elite, ver que a equipe seria “deixada na mão” sem aviso algum foi um balde de água gelada nas “costas”.

Ninguém entendeu como isso tinha acontecido — até muitos meses depois — mas estava claro para nós que era uma falha da direção da empresa.

O culpado não importava muito, os pensamentos que não saíam da cabeça eram “e agora?”, “O sonho acabou?”.

Não, não acabou pra mim

Não foi um ano jogado fora, foi um ano aprendendo sobre um mercado o qual eu não tinha experiência alguma anteriormente — o de telecom — e eu queria usar esse aprendizado para construir algo de impacto.

Era claro pra mim que aquele “acidente” era um oportunidade, afinal, com que frequência um “pessoal do mundo Startup” decide se meter num mercado que ninguém quer chegar perto? Com vários cases de fracasso, apps “sexy” que “salvam o cliente da operadora” aparecem e somem o ano todo.

A gente tinha um bom plano, não era um plano onde dominaríamos um mercado em 24 meses, mas era um plano sólido que se executado com atenção as nossas chances de sucesso eram altas — pra uma Startup.

Esta parte da história é importante, para que você não ache que começamos “sem nada”, estávamos apenas sem dinheiro, mas tínhamos interação com um mercado, pessoas, networking, conhecimento técnico e uma equipe com uma pessoa na área comercial e três engenheiros.

Não existe milagre — ou melhor — milagres são ilusões ou histórias mal contadas.

A Dívida

“A casa caiu”

Pra adicionar ainda mais “emoção” na estória, uma semana antes da empresa quebrar e dar o calote no nosso pagamento, eu tinha acabado de negociar uma dívida de anos atrás, daquelas que se você perder o dia do pagamento todo o dinheiro pago até então simplesmente some.

E foi o que aconteceu, como eu não tinha dinheiro para pagar o próximo boleto do acordo, já sabia que a dívida iria voltar, e restrições de crédito voltariam a assombrar meu CPF e agora o CNPJ.

Fizemos todos os trâmites necessários para regularizar a empresa antes que a casa caísse, e peguei 15 mil de empréstimo no banco, enquanto meu nome ainda estava “limpo” para ter alguns meses de sobrevivência.

Como eu já tive uma experiência dessas — de dever para o banco — não me preocupei muito com as consequências: “Não tenho nada no meu nome, não tenho nada à perder”.

Data marcada para a morte — ou Deadline, para os mais chegados

A morte olhando pra você, enquanto você trabalha.

Nos dias seguintes calculamos o quão rápido seria possível “fazer dinheiro”, e chegamos à conclusão de que a primeira venda aconteceria em 90 dias, de um produto que teríamos 60 dias pra construir.

“Engenheiros são muito otimistas mesmo.”

A minha primeira reação foi: “Precisamos de um investidor”. Meu maior erro até então.

Foram três meses agendando apresentações, evoluindo o Pitch Deck, “namorando” investidores para ver se alguém seria capaz de reconhecer que éramos gênios à beira do sucesso, e tudo que precisávamos para criar uma máquina de fazer dinheiro eram R$500.000,00 e 9 meses. .

Depois de tanto tempo batendo a cabeça na parede me deparei com a seguinte pergunta: “Se eu tivesse investido esses três meses validando e construindo o produto, onde estaríamos hoje?”

Três meses é tempo pra c@#*lho.

Esse foi um momento importante na história da empresa, foi quando a gente se deu conta de que o mundo das Startups tem muita fantasia, foi quando eu percebi a diferença entre empreendedor e empreendedor de palco.

Me sentia indignado enquanto tentava entender como outros conseguiam acesso tão fácil à capital de investimento com idéias mirabolantes e insustentáveis, que agregam valor duvidoso. Simplesmente aceitei os fatos:

Precisamos sobreviver, e não podemos depender dos outros pra isso

Será que cola?

Com apenas três meses pra lançar um MVP (vendável) precisávamos trabalhar como nunca, cada dia era uma sprint. Essa foi a hora da verdade, e foi quando houve a primeira “baixa” na equipe. Perdemos um bom engenheiro e agora éramos três, um comercial e dois engenheiros.

Depois de um esforço hercúleo pra conseguir chegar no MVP, começamos a fazer os primeiros contatos para tentar vender. Essa é a hora que você joga o “produto” na parede pra ver se gruda ou escorrega.

Apresentamos o produto para um potencial cliente, e percebemos algumas coisas que precisávamos consertar, “só mais 30 dias e estamos prontos pra vender” — pensei.

Enquanto evoluíamos o produto, a área comercial não estava gerando resultados com cold-calling, e apontava a culpa para a área de produto alegando “a gente não tem produto, ninguém quer o que a gente tem”, prontamente fizemos um crawler pra coletar números de telefone de potenciais clientes próximos à nós — assim poderíamos visitá-los — e fizemos mais um round de ligações, agora a àrea de produto era responsável por fazer as primeiras vendas.

Alocamos o comercial para focar em outra iniciativa para gerar receita e sustentar a operação da empresa — que não tinha nenhuma fonte de receita até então — que dependesse apenas do esforço comercial, e assumimos a parte das vendas do Minerador na equipe de produto. Esse foi um grande aprendizado pra mim e meu sócio — César Barone. Testemunhei um “crash-course” de vendas, vi um engenheiro sair do nível “nervoso só de olhar para o telefone” até o nível “monstro das vendas” em semanas.

E pensar que a gente “não tinha produto”… Resiliência é o segredo.

A cada tentativa de venda aprendíamos mais sobre o pitch de vendas, sobre o mercado, sobre como devíamos nos posicionar para aumentar nossa competitividade, e quais funcionalidades eram mais importantes para os nossos potenciais clientes. Novamente esbarrando no óbvio:

“Porque não tentamos vender antes de fazer o produto?”

A gente “sabia” que esse era o caminho correto, mas na pressa pra sobreviver a gente racionalizou que “não dá tempo pra essas coisas, a gente precisa estar ganhando dinheiro em 90 dias”.

A cada tentativa de venda, o produto grudava mais tempo na parede antes de cair. Mas ainda não colava.

Modo econômico

A iniciativa comercial que iria gerar a receita pra sustentar a empresa também não deu certo, agora éramos apenas dois sócios, apenas a área de produto. O “deadline” estava cada vez mais real, e nos encarando todos os dias.

A cada ciclo de uma semana a gente achava que só tinha mais 30 dias de vida — e estávamos certos — então a gente “dava aquele extra”, cortava custos pessoais e da empresa para conseguir mais tempo.

“Quando estava na faculdade e fazia estágio, eu tinha mais dinheiro.”

Agora, bem “planejadinho”, eu conseguia me alimentar com 300 reais por mês (uma “boa” refeição por dia), e mais uns 160 reais por mês pra pagar o ônibus do Campeche — casa do meu avô onde não precisava pagar aluguel — até Canasvieiras — apê do meu sócio, que tinha um quarto que virou o escritório da empresa.

Os quatro ônibus que eu pegava no caminho custavam 3 horas por dia, um preço pesado a se pagar, mas que eu aproveitava para ler livros didáticos sobre negócios, vendas, empreendedorismo, gestão de produto, marketing, etc. Foram os melhores ônibus que já peguei. Eu me sentia uma máquina lendo mais de um livro desses por semana.

Eu saía de casa às 7:00, e chegava às 23:00. Na volta eu tinha duas hora interruptas pra dormir com a cara colada no vidro do ônibus, abraçado na mochila.

Se uma senhora idosa, ou uma mulher grávida precisasse de um lugar, precisaria me cutucar pra pedir.

Isso nunca aconteceu, ou não acordei.

A pessoa certa na hora certa

No alvo

Um contato certo desencadeou uma série de eventos que nos ajudaram a chegar em influenciadores que apoiam nosso projeto até hoje, e foi aí que conseguimos abertura para conhecer as pessoas no mercado. Um empresário de Tubarão se interessou tanto pelo produto que marcou uma reunião conosco pro dia seguinte, em Florianópolis, onde ele devia coincidentemente — imagino eu — ter algum compromisso.

O Neto faz parte do nosso sucesso, ele era (ainda é) dono de um Agente Autorizado Claro Empresas, e naquela época um potencial cliente para o Minerador. Foi ele quem fez a ponte para o Antônio Pizzaro — diretor da Claro SC/PR — que abriu as portas para que nós pudéssemos entender o que realmente acontece no mundo das Operadoras, a parte que o Sol toca, e a parte onde as hienas se escondem (mas isso é assunto pra outro artigo).

Além disso, o Neto já tinha experiência interagindo com desenvolvedores de software, e tinha o perfil de quem gosta de dar feedback — sempre cheio de idéias.

Agora conseguíamos pela primeira vez falar com clientes e usuários com abertura e transparência, algo que era muito difícil até então pois o mercado de telecom é muito fechado. Pela primeira vez tínhamos acesso à números reais, derivados da operação de um Agente Autorizado — nosso público alvo.

Rumo ao SRP

A vida do nosso MVP estava com os dias contados, passamos um mês aprendendo exatamente quais eram os pontos que precisavam de ajustes, e chegamos na funcionalidade matadora do Minerador, elaborar uma proposta precisa de portabilidade, apenas arrastando e soltando uma fatura em PDF de uma empresa. “Click!”

O” “click” é aquele estalo, que acontece que alguém “entende”. “Wow!”.

Agora sim tínhamos um SRP — Sales Ready Product (ou produto pronto pra vender). Se você nunca ouviu falar, recomendo que leia este material da Sequoia Capital, que é fantástico por sinal.

Era tão bom que os clientes duvidavam: “como assim: gera a proposta automático?”. O valor gerado era incrível, um trabalho que podia levar de horas à meses — dependendo do tamanho da empresa — agora levava minutos. Nosso slogan na época era: “15 horas em 5 minutos”, baseado em médias bem realistas.

Um dos desafios que encontramos era o ego dos consultores mais experientes, que trabalhavam a anos elaborando propostas e sentiram como se todo o conhecimento deles não fizesse mais diferença. Os mais espertos, viram a oportunidade de transformar aquele trabalho braçal em tempo, e tempo em mais vendas.

E “de repente”: Boom! Aconteceu a primeira venda.

“Rush”

Cansaço + Vitória

Lembro como se fosse hoje, lembro da textura da borracha dos botões do telefone que eu estava segurando — e o cliente falando “paguei o boleto e mandei o comprovante pra vocês, pode liberar a conta pra mim?”

A foto daquele boleto pago no WhatsApp fez um filme passar na minha frente:

“A primeira recompensa depois de tanto suor e sangue.”

O rush da primeira venda foi extasiante, comemoramos como se tivéssemos ganhado na loteria. Comemoramos como aquele gol da virada numa final de Copa do Mundo. Foi uma hora de endorfinas, serotoninas e tudo aquilo que o corpo faz quando acabamos de atravessar a linha de chegada em primeiro lugar, com câimbra nos braços, costelas trincadas e uma marcha só.

Depois de mascar tanto vidro, a anestesia da vitória era tudo o que precisávamos naquele momento. Mas anestesia não dura muito tempo.

Depois que passou a euforia, a primeira coisa que pensei foi:

Ok, agora só faltam mais dez dessas pra gente chegar no break-even

O sprint já foi, agora começa a maratona (parte 2)

A primeira venda é chegar na base da montanha, falta muito ainda.

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