Como foi meu intercâmbio e estágio em Data Science na IBM Canadá — Cognitive Class — Parte II

Eu (camisa laranja) e Rafael (à direita) no nosso último encontro em um all-you-can-eat buffet chamado Mandarin em Toronto

6. Estágio de verão ou pesquisa?

Na primeira semana de aula após chegar no Canadá, ao contrário de todos que conheci, meu único pensamento era

“onde e como vou conseguir um emprego?”

Lembrando que eu já tinha mais de 5 anos de experiência em desenvolvimento de produto, então eu poderia facilmente conseguir um emprego como CAD Designer. Eu tinha até o work permit, a permissão necessária para trabalhar legalizado no Canadá.

Apesar disso, meu foco mudou de emprego para estágio por duas razões:

· Era a primeira vez na vida que eu tinha a oportunidade de somente estudar para a faculdade, não queria estragar isso por causa de ambição. Seria uma excelente oportunidade para vivenciar o “estudante” puro que há muito se encontrava escondido dentro de mim.

· Trocar de área não é fácil. Para começar em Data Science eu deveria estar disposto a começar do zero. Nada melhor do que um estágio no exterior para abrir portas, resultando em uma possível continuação de carreira no Brasil.

7. Ache um mentor

Não precisa ser alguém que você realmente conheça. Até aquele seu amigo que aprendeu violão sozinho na década de 90 tinha um mentor nas revistas de bancas. No meu caso, meus mentores à distância foram:

Quando digo mentor, não pense em algo tangível e mágico como o mestre Yoda do Star Wars.

Cada um deles renderia um post separado, mas recomendo pelo menos uma breve pesquisa sobre cada um deles para cultura geral. É importante conhecer as referências técnicas das áreas onde você quer trabalhar. A pergunta que fica para você leitor é:

Quem você admira? Atualmente, no seu local de trabalho ou universidade, existe alguém que você teria orgulho de se tornar em 10 anos?

Se você não consegue pensar em ninguém, eu recomendaria cogitar outro ambiente. Pelo menos foi isso que eu fiz, cada vez que não consegui responder à essa pergunta.

Por último, meu mentor real, foi o carismático e evangelista Polong Lin na IBM. Meu focal point técnico, uma pessoa humilde e que ao mesmo tempo me ensinou muito em tão pouco tempo.

8. Faculdade no exterior é “mamão com açúcar”?

Mais aqui

Esse assunto geraria um post separado. Em resumo, minha resposta é um grande não, para o contexto geral do Canadá. Me baseio na experiência que eu tive e nas pessoas que acompanhei por lá. Tive uma oportunidade bem interessante, pois acabei sendo alocado na Ryerson University com muitos amigos nativos e brasileiros cursando a University of Toronto, UofT para os íntimos.

Para uma melhor contextualização, a Ryerson não é nem de longe similar à minha primeira opção, a UofT (entre as 20 melhores do mundo). Tentarei simplificar a comparação para quem nunca estudou fora do país. Seria como se a UofT fosse uma federal e a Ryerson uma PUC, mas com um orçamento bem mais milionário e com grande foco em inovação e empreendedorismo. A DMZ da Ryerson é a melhor incubadora universitária do Canadá e o MBA deles está entre os 10 melhores do país. Apesar de eu ter passado no edital em sexto lugar e com TOEFL maior que o máximo solicitado pelas universidades canadenses (o máximo exigido era 100), acabei indo parar na Ryerson (Obrigado, mãe Dilma!). Como diriam, se a vida te der limões, faça uma limonada. Foi exatamente isso que eu fiz. Ir para a Ryerson ainda estava alinhado com minha expectativa inicial de viajar para Toronto e sempre tive um “pézinho” na área de inovação e empreendedorismo.

Ryerson ao anoitecer

A essa altura alguns já podem estar pensando que o post está ficando longe do foco inicial, meu estágio na Cognitive Class — IBM, mas é importante passar por esses assuntos para introduzir ao leitor sobre diferentes temas e como tudo se encaixa.

A parte mais importante de ter ido estudar na Ryerson foram os recorrentes meetups que eram patrocinados pela universidade. Dentre eles, Microsoft, Amazon e IBM, para citar alguns. Os meetups da IBM particularmente nos interessaram pelo uso de Python, nossa linguagem preferida na época para “botar a mão na massa”, o famoso hands-on, para resolver problemas de engenharia. Nesses meetups, eu e meu parceiro de dados, começamos a “puxar a saia” do supervisor da IBM por um estágio em um departamento chamado Analytic Platform Emerging Technologies. Acabou que fomos tão eficazes na estratégia que pulamos as semanas iniciais de testes com nossa proposta de projeto. Outros alunos tiveram que passar por uma seleção inicial.

Para completar esse tema de estudar no exterior, não poderia faltar falar sobre a infraestrutura. É algo até dificil de comparar visto a cultura forte de alumni que existe. Brevemente, existe a ideia de que você deve retribuir à sua faculdade de graduação caso se torne uma pessoa de sucesso. Dentro dessa temática, universidades canadenses recebem literalmente milhões de dólares em doações advindas de seus ex-alunos. Abaixo, uma foto minha estudando pelas madrugadas na Ryerson. Alguns locais eram 24 horas e a biblioteca funcionava em regime estendido perto das finals, o período de provas finais.

Fonte: Combinando com a sala laranja. Um relance de como a infraestrutura “convidava” o aluno para estudar. Acervo pessoal.

O melhor exemplo seria o SLC — Student Learning Centre da Ryerson. Alguns pontos dignos de nota: andares temáticos de acordo com seu humor e tipo/estilo de estudo, salas de estudo patrocinadas por famílias de ex-alunos, paredes laváveis, tomadas e mesas por todo o canto, salas para undergrads (quem ainda não se graduou) com TVs e projetores para estudo.

9. Como conseguir um estágio sendo um aluno internacional?

Persistência.

Meu estágio em primeiro lugar foi majoritariamente devido a minha localização física em Toronto, o que ficou um pouco mais difícil sem o CsF (agradeça seu amigo beberrão), mas não impossível, já que ainda existe uma grande quantidade de programas particulares e bolsas para estudo no exterior (vide minha lista). Em segundo lugar, meu foco às vezes até me surpreende. No início, a maioria dos alunos procuravam estágio, mas paulatinamente, um a um, foram desistindo e indo para a zona de conforto: a pesquisa. Nada contra pesquisadores, mas no meu caso, o que mais me traria diferencial seria um estágio para alinhavar uma oportunidade no Brasil em seguida. Com muita persistência eu e meu parceiro de dados, Rafael, não desistimos e continuamos.

Uma das opções eram as feiras de co-op (parecido com um estágio obrigatório no Canadá), um inferno na terra. Fui em algumas e a última mais parecia uma sauna de tanta gente, imagine uma sauna em Toronto onde podemos vivenciar -34 °C. São lugares com centenas de undergradsde diferentes universidades lutando desesperados por um placement/internship (estágio).

Nós muitas vezes crescemos com uma lenda de o primo de fulano que conseguiu um emprego e teve todo seu processo de visto pago pela empresa. Sim, esses fatos realmente acontecem, mas são raros. Do ponto de vista da empresa, ela quer contratar um profissional bom que desenvolva o trabalho da melhor maneira possível pagando um valor adequado. Como não adorar a ideia de contratar um brasileiro pela metade do valor de um canadense? Má ideia, pois as leis do Canadá impedem isso. Então normalmente o que resta a empresa é contratar uma pessoa estrangeira preenchendo uma grande papelada e justificando detalhadamente o porquê de não encontrar canadenses aptos a desenvolver o trabalho. Em suma, você tem que ser mais do que bom.

Como eu estava trocando de área, sem experiência oficial em dados, minha estratégia foi simples:

Me utilizar do meu diferencial, aluno internacional.

Que tipo de empresa estaria procurando alunos internacionais e por qual razão?

10. Finalmente, meu estágio.

Mais detalhes aqui

Bom, a melhor maneira de descrever meu estágio do ponto de vista de um engenheiro seria uma cena inicial. Imagine você entrando em uma sala com aproximadamente 40 pessoas, sendo que dessas 40 somente quatro faziam engenharia. Grande parte dos estagiários vinha de backgrounds como o de sistemas de informação e ciência da computação. Nesse quesito, foi uma surra atrás da outra, mas foram surras boas.

Correndo atrás do prejuízo

Engenheiros estão acostumados com scripts (na melhor das hipóteses), não com software development e engenharia de software. Muitas vezes scripts até mesmo mascarados pela facilidade de uma plataforma como o Matlab. (Teste pra você engenheiro: já usou GIT? Se não, comece)

Uma das primeiras atitudes minhas, em conjunto com o Rafael (meu parceiro de trabalho no Canadá para quem perdeu a parte I), foram as nossas famosas madrugadas “codando”. Quem nunca?

Uma das coisas que cito para a pessoas que me pedem dicas de carreira é se perguntarem:

“O que eu consigo passar a noite toda fazendo? ”

Normalmente as pessoas estão acostumadas a ouvir que passaram a noite bebendo, dançando, farreando. Grande parte das pessoas se horroriza ao saber que você passou a noite trabalhando. Fato muito curioso, na minha opinião. Mesmo assim, cheguei à conclusão sobre três coisas que eu consigo passar a noite fazendo e com prazer (talvez a parte do prazer seja a mais importante):

  • Dançando forró ou samba (mas sou um péssimo dançarino, morreria de fome)
  • Desenhando ou modelando (minha primeira carreira)
  • Programando e analisando dados (minha segunda carreira)

É importante deixar claro que eu realmente amava essa nova área e isso me ajudou de uma forma incomensurável a lidar com as cobranças do estágio e desse mundo completamente novo, apesar de eu praticamente ter nascido ao lado de computadores.

Para alguns pode parecer que eu estava mudando de carreira somente por causa da hype: cuidado com a hype!

Trabalhar em um projeto como o Cognitive Class, anteriormente conhecido como Big Data University, é diferente de trabalhar em um projeto interno da IBM. O departamento para o qual trabalhávamos tinha autorização para trabalhar seguindo uma ideia comum que algumas empresas aplicam hoje, nós éramos uma pequena startup ao invés de um departamento rígido. Isso possibilitava até o uso de ferramentas diferentes das apoiadas no contexto corporativo. Por exemplo, meu primeiro contato com o Slack foi através da IBM apesar de não ser uma ferramenta oficial para projetos internos.

A minha proposta inicial era desenvolver um curso de introdução à otimização para engenharia utilizando conceitos de Machine Learning aplicados a problemas de engenharia mecânica (minha área, especificamente otimização de mecanismo de quatro barras) e química (área do Rafael). Com o desenrolar da primeira semana, a proposta logo se transformou em outro projeto, visto que o foco do Cognitive Class era atingir um público maior.

A minha proposta inicial era desenvolver um curso de introdução à otimização para engenharia utilizando conceitos de Machine Learning aplicados a problemas de engenharia mecânica (minha área, especificamente otimização de mecanismo de quatro barras) e química (área do Rafael). Com o desenrolar da primeira semana, a proposta logo se transformou em outro projeto, visto que o foco do Cognitive Class era atingir um público maior.

Com isso, meu projeto foi para a área de Redes Neurais Convolucionais onde eu desenvolvi alguns scripts em Python para aplicar o chamado “Transfer Style”. Explicado de uma forma simples, a transferêcia de estilo é a aplicação de uma CNN (Convolutional Neural Network) para extrair o estilo de uma pintura (o jeito como Picasso usa o pincel) e aplicar esse estilo à uma foto (o conteúdo), mantendo os limites e arestas. O resultado é como se o artista estivesse utilizando sua técnica própria ao pintar a foto. Eu estava praticando essa aplicação de redes neurais antes do meu estágio na IBM já há alguns meses, antevendo aplicações comerciais que os papers da época não imaginavam.

Minha namorada sendo minha cobaia. Usei neste caso a pintura “The Fighting Temeraire” por J. M. Turner. Foram mais de 4000 iterações no Tensorflow

Takeaways

Durante meu estágio, pessoas com mais recursos e com mais experiência lançaram o app Prisma que quebrou todos os recordes de aplicativo de fotos na Apple Store e Google Play.

Isso me deixou triste e feliz ao mesmo tempo, foi a primeira vez na vida que estive tão perto de transformar uma ideia em um case de sucesso.

Um ponto interessante a ser levantado é a cultura home-office. Quando cheguei no Canadá, morei duas semanas com uma professora de inglês nativa que trabalhou na IBM na década de 90. Naquela época já era permitido trabalho remoto. Eu tinha a opção para escolher os dias que trabalharia de casa, mas no meu caso, acababei escolhendo por trabalhar a maioria do tempo in loco. Hoje trabalho remoto para uma empresa americana e planejo dar minhas dicas em um próximo post.

Outra herança que perdura da IBM é o uso de tecnologias e frameworks que continuam atuais. Minha vida foi permeada por Hadoop, Spark, SQL, Python e R. Hoje em 2018 no Brasil, começo a sentir um pouco daquele frenesi ou brouhaha sobre dados que senti lá em 2015. A comunidade Data Hackers é um dos principais catalisadores nesse sentido.

Recapitulando

  1. Chegue no exterior e faça amigos, de preferência estrangeiros, mas não rejeite brasileiros.
  2. Foque no inglês, o máximo que você melhorar ainda é pouco se comparado com um nativo.
  3. Ache um parceiro. Uma pessoa que compartilhe das mesmas ideias e que vai te ajudar a não desistir e a quem você também ajudará a continuar firme. Se integre à comunidade atráves de meetups, workshops, hackathons e bootcamps
  4. Foco. Faça intercâmbio ou uma imersão com foco. 3 meses, 6 meses,1 ano podem passar mais rápido do que você imagina.
  5. Saiba dos requisitos existentes para a oportunidade que você procura lá fora. Pedem bacharel, certificação, work permit, visto específico?
  6. Emprego, estágio ou pesquisa? Siga seu coração…e seu cérebro.
  7. Ache um mentor, virtual ou real.
  8. Tome cuidado com lendas. Cada pessoa que vive lá fora tem uma experiência limitada sobre um determinado local, em uma determinada época. Meu post é exemplo disso.
  9. Sempre lembre-se do seu diferencial competitivo. Você é estrangeiro, se utilize disso.
  10. Leve para sua vida uma oportunidade que valide sua experiência, um estágio, bolsa de pesquisa, prêmio etc.

Se fizer tudo certo, você conseguirá atingir seu plano inicial. Se falhar, tente novamente. Simples assim.

Caso tenha perdido os pontos de 1 ao 5, veja a parte I. Se não faz parte ainda da comunidade Data Hackers, o que está esperando?!? Entre aqui!

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Luis Otávio Martins
Data Hackers

From Aeronautics to Data Science & Machine Learning. See my updated activity at: bit.ly/luisotsm-linkedin (pls, don’t add me on fb)