Volatilidade das NTN-B — Está tudo tão ruim assim?

milton-rocha
11 min readNov 24, 2022

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Atualmente estamos presenciando um movimento muito relevante nas taxas de juros de modo geral, tanto nas nominais quanto reais, e, também, na inflação implícita, mas como bom questionador e analista deste belíssimo mercado de renda fixa, fico me questionando, em volatilidade, como o momento atual se compara ao que foi vivido anteriormente?

Farei aqui uma breve distinção de dois tipos de volatilidade, que mostrarei posteriormente a diferença mínima entre as duas metodologias e uma breve comparação histórica das diferenças ao longo dos anos.

Como já discutido neste post, existe um erro persistente em anos eleitorais, pelo menos na curva pré. Supondo que o mercado seja racional e que precifique a taxa prefixada como sendo uma composição de inflação esperada + taxa real + riscos inerentes (tanto de liquidez, quanto de mercado, convexidade, etc.), pode-se supor que o erro também existe na taxa de juros real.

Mas por qual motivo deixo claro essa suposição? Pois passamos por um ano eleitoral conturbado, principalmente pelo crescimento de dois polos com uma disputa intensa pela presidência, com falas recentes preocupantes sobre fiscal, que geraram grandes movimentos no mercado, ou seja, dois fatores impactando as curvas para o mesmo lado.

Cotação vs Preço da NTN-B

Partindo das precificações apresentadas aqui podemos facilmente derivar a cotação de uma NTN-B a partir da fórmula generalista de pricing proposta:

(1) Fórmula de precificação de ativos

Sabe-se que os padrões da NTN-B são definidos por:

FACE = 1

C_y = 6%

C_f = 2

YTM = taxa da NTN-B

VNA = VNA do dia

A cotação será a parcela indicada até a multiplicação de face, ou ainda, o preço dividido pelo VNA.

Leitores mais experientes terão a malícia na análise para saber que ao considerar um fator de cotação, estarei desconsiderando o movimento do VNA ao longo dos anos.

Mas qual foi o comportamento histórico do VNA?

VNA — uma análise histórica

Uma nota importante sobre os dados de VNA da NTN-B é que existem dois pontos interessantes tanto sobre sua concepção quanto sobre os próprios ativos. O VNA foi travado em 1.000 na sua data base (15/07/2000), mas nessa época não haviam trades de NTN-B registrados na Anbima, que só foram aparecer ao redor de 2003.

O outro ponto é que pré 2003 não existiam publicações oficiais sobre o valor diário do VNA (pro rata), mas este pode ser facilmente calculado implicitamente a partir de preços e taxas conhecidos de NTN-B na série histórica, sem ter que incorrer em look-ahead bias nos dados ao considerar inflação realizada pro rateada entre dois meses.

Gráfico 1. Série histórica do VNA (2003 a 2022)

A partir desses dados, proponho aqui uma metodologia para analisar vértices genéricos para as NTN-B de acordo com sua construção proposta em (1).

Uma NTN-B genérica de 1 ano seria equivalente a uma NTN-B que possua 2 cupons a serem pagos em 126 dias úteis e 252 dias úteis, sendo o último composto pelos juros acrescidos da fatia final (pagamento total) do valor do título. Mas como essa análise modifica uma análise simples de uma NTN-B genérica feita pela metodologia tradicional?

Caso fossem considerados os vencimentos padrão, em Setembro/2022, por exemplo, uma NTN-B Gen 1Y geraria dois resultados:

Modelo 1, padrão de vencimentos mantido: caso fosse considerado vencimento Maio/23, 2 cupons, caso vencimento Nov/23, 3 cupons

Modelo 2, padrão genérico de vencimentos: 2 cupons, 126du e 252du

Portanto, o Modelo 2 é utilizado para compararmos mesmas coisas todos os dias, independente do ponto de vencimento futuro.

ETTJ Real

Aqui apresento uma breve superfície que representa todas as ETTJ registradas nos últimos 5 anos.

Gráfico 2. Superfície de ETTJ Real 2017 a 2022

A mesma visualização feita para a série inteira, apesar de mais conturbada, pode ser vista por:

Gráfico 3. Superfície de ETTJ Real 2005 a 2022

Aqui ignoro os anos de 2003 e 2004 pela baixa liquidez, e passo a considerar a partir de 2005 pois foi quando o mercado de derivativos de juros começou a tomar tração, atingindo o começo dos novos métodos a partir de 2006, como discutido em outros posts.

Cotações

Aplicando o pricing para todos as ETTJ do período, chega-se no gráfico a seguir

Gráfico 4. Superfície de cotações 2005 a 2022

Todas as volatilidades que serão calculadas e apresentadas neste post fazem uso das cotações para serem calculadas, ou seja, são volatilidades de preço, e não de taxa. Apesar do cálculo de volatilidades de taxas de juros ser possível, a sua interpretação será diferente.

A volatilidade dos retornos diários dos juros em vértices genéricos seriam interpretadas como os movimentos das taxas de juros, que posteriormente poderiam ser aproximados por KRDV01 para o quanto representariam em choques de preços finais.

Entretanto, como taxas curtas de NTN-B sofrem alterações muito relevantes (devido ao IPCA curto vs SELIC Over), os números ficariam gigantescos em termos anuais, mas representando pouco em shift de preços finais, desta forma, já demonstro os choques em termos de cotações (% Par Price) para que a análise de risco já possa considerar o choque financeiro no P&L final.

Volatilidades

Resumo breve das volatilidades de retornos de cotações de vencimentos genéricos de NTN-B.

Gráfico 5. Superfície de volatilidade 2005 a 2022

Adendos para a construção da superfície de volatilidade durante este período:

  • Janela móvel considerada: 252 dias úteis (1 ano útil), sei que existe a desvantagem da velocidade de impactos mais recentes de fato não afetarem o número final, mas gera um número mais estável e com interpretação mais incisiva sobre pioras e melhoras em nível no mercado
  • Volatilidade calculada como o desvio padrão dos retornos diários das cotações, posteriormente anualizada
  • Pode ser considerada a volatilidade “pura” da NTN-B, pois desconsidera o movimento do VNA (que gera pouquíssima diferença)

Nota-se que, apesar de serem observadas taxas de juros muito altas durante um longo período de tempo no começo da série, essas taxas variavam pouco tanto em termos de vencimento como em termos diários. Foi somente a partir de 2014, governo Dilma 2, que a situação começou a se mostrar mais complicada.

Com juros curtos ao redor de 4,5% e longos em 6,5% no início de 2014, foram registradas taxas de 6,6% nos curtos e 6,05% nos longos no segundo semestre de 2016, com diversos movimentos diários relevantes.

A volatilidade vista nesse período foi a maior até o momento, e só veio a ser superada a partir dos impactos mais relevantes da Pandemia, com focos maiores em 2020 e 2021, onde as volatilidade dispararam a níveis jamais vistos na história de trade das NTN-B.

Para título de comparação, mostro a evolução das taxas e volatilidades de 2, 5 e 10Y a seguir:

Gráfico 6. Taxas de juros genéricas 2Y, 5Y e 10Y
Gráfico 7. Volatilidade das cotações genéricas 2Y, 5Y e 10Y

O cenário atual

Em termos de níveis de juros estamos muito próximos do que foi vivenciado em 2014–2018, inclinações muito pequenas, com curva flat em níveis semelhantes ao que se foi visto durante aquela época, entretanto, agora tanto por contaminação do período de pandemia, quanto por impactos mais recentes.

Já os níveis de volatilidades (anualizadas), que durante a Pandemia, com gastos fiscais desenfreados e com o teto sendo colocado em segundo plano, chegaram a cerca de 300bps acima dos registrados no mesmo período.

Atualmente, entretanto, os níveis de volatilidade estão bem consistentes e semelhantes com o que foi presenciado durante o Governo Dilma 2, chegando a ser até menores em prazos mais longos.

Dizer que o mercado de juros está se estressando muito mais com as falas anti-teto e com pouco compromisso com qualquer saúde fiscal do país mais recentes é negar o que os números de fato mostram.

5 períodos de choques importantes nas volatilidades:

  • Crise de 2008: não preciso nem discutir isso para que todos consigam compreender que as volatilidades explodiram neste período
  • Governo Dilma 2 (2014–2016): o período de estresse local fez com que tivéssemos um movimento de ~400bps em prazos médios e ~500bps em prazos longos nas volatilidades da ETTJ
  • Joesley Day (Maio 2017): esse período gerou choques que continuaram a ser vistos na série até meados de 2018, pelo volume de choques consecutivos e repercussão
  • Pandemia (2019–2021): período agudo da pandemia também gerou pouca preocupação com o fiscal, visto que existiam necessidades jamais vistas, choques de ~700 bps na parte média e mais de 800bps na parte longa
  • Eleição Lula 3 (2022-?): período teve poucos choques relevantes ao ponto de impactar janelas móveis de 1 ano como os outros citados acima, mas choques bastante relevantes em janelas móveis menores

Para que a análise fique completa, janelas móveis mais curtas devem ser utilizadas para que se tenha parâmetro de choques recentes na volatilidade geral das cotações. A janela móvel mais curta a ser utilizada é a de 21 dias úteis, ou um mês útil.

Gráfico 8. Volatilidade das cotações genéricas 2Y, 5Y e 10Y, com janela móvel de 21 du

Nota-se que durante o governo Bolsonaro diversos momentos de alta relevante na volatilidade foram registrados, principalmente no final de 2021, quando as volatilidades pareciam controladas mas tiveram altas de ao redor de 8% a.a (!!!!) devido aos gastos extra-teto que foram propostos.

Trago um zoom dos dados rápidos:

Gráfico 9. Zoom do gráfico 8

Os movimentos gerados pelas falas recentes de Lula geraram algo ao redor de 4,4% a.a de choque na volatilidade de 5Y e 4,5% a.a na de 10Y, período que pode ser observado no último spike de volatilidade da série.

Este período nem se compara ao que o mercado estressou durante o final de 2021, com altas de 5,2% a.a e 8% a.a em volatilidades de 5Y e 10Y, respectivamente.

— Mas o que uma modificação de volatilidade quer dizer, em termos práticos?

Para que seja assimilado facilmente, vou supor um cenário bem básico no qual a volatilidade sai de 12 para 14%.

Supondo que os retornos de cotações sigam uma normal e considerando que os movimentos diários fiquem dentro de 1 desvio padrão (68% dos casos), os movimentos diários esperados, com 12% a.a de volatilidade, são de 0,76% para baixo ou para cima. Já com 14% a.a de volatilidade, esses mesmos movimentos vão para 0,88%, ou seja, uma adição de 0,12% ao dia para 1 desvio padrão.

Para uma análise de patamar de Estrutura de Volatilidade, seguem os pontos:

  • Com a base de dados retirei o período crítico de Pandemia, Jan/2020 a Junho/2021, o intuito é retirar o fator da Pandemia mas manter decisões ruins e incorretas, com diversos pontos assistencialistas sem direcionamento definido com gastos excessivos por parte do governo Bolsonaro no meio e final de 2021
  • Utilizei os últimos 756 pontos de dados, o que abrange de 21/06/2018 a 21/11/2022, excluindo-se o período acima
Gráfico 10. Estrutura a Termo de Volatilidade 21/11/2022 vs Quantis desconsiderando Pandemia

No gráfico é possível notar que a estrutura a termo de volatilidade que foi registrada no mercado de NTN-B agora no final de Novembro/22 é bem semelhante ao que a mediana dos valores sempre negocia, ou seja, está dentro do normal e esperado.

Já para os juros a termo

Ao olhar em termos de ETTJ atual vs todas as ETTJ registradas no último ano útil, nota-se que estamos muito próximos dos valores máximos registrados no último ano, que conteve estresse fiscal também do governo Bolsonaro, ou seja, em termos de curva de juros real, o mercado se estressou de maneira relevante nos dois cenários.

Caso venha a registrar um fiscal mais controlado e com mais responsabilidade, a área cinza mais intensa do gráfico, com uma curva de juros real ao redor de 5.5–6% a.a parece mais factível no curto prazo, o que continuaria implicando em inflações implícitas mais de 250bps acima da meta para qualquer prazo analisado, mas isso deixo para um próximo post.

Gráfico 11. ETTJ 21/11/2022 contra último ano completo de ETTJs diárias

Entretanto, fazendo a mesma comparação apresentada no Gráfico 10:

Gráfico 12. ETTJ 21/11/2022 vs Quantis desconsiderando período de Pandemia

Apesar de choque relevante no curto prazo, o longo prazo só teve um choque de ~+20bps em relação a mediana (6,15% vs 5,98%), muito longe do quantil 70%, que registra taxas de médio e longo prazo mais ou menos flat ao redor de 6,6% a.a.

Conclusão

A situação está, de fato, ruim, mas não tão ruim quanto a Pandemia proporcionou e não tão ruim quanto o foi na primeira notificação de gastos extra-teto para compensar medidas populistas, como foi apresentado no final de 2021.

Entretanto, na atual situação já se sabe que o Brasil caminharia para uma mediana, como foi apresentado acima, o que geraria, na ponta final, juros reais, por mais tempo, na faixa de 6–6,5%, podendo trazer insustentabilidade para a dívida emitida pelo Tesouro Nacional, enxugando bastante o colchão de liquidez para tentar esperar um momento mais fortuito para leilões maiores.

Além disso, torna-se necessário ver e analisar os próximos passos que serão tomados pelo governo que passará a administrar o país, pois se somente rumores e falas (sem ações, por enquanto) fizeram com que o mercado voltasse para patamares de Governo Dilma 2, ações definitivas podem gerar um estresse talvez inesperado e inestimável.

Apêndice A — Diferença entre volatilidade de cotação e de PU

A diferença entre volatilidades de cotação em PU é baixa, estamos vivendo o máximo dessa diferença atualmente, e ela chega somente a 0,10% a.a de diferença, o que para 95% dos casos (2 desvios) impacta em somente 0,0126% em movimentos diários, essencialmente irrelevante.

Gráfico 13. Diferença entre superfícies de volatilidade de cotação e PU

Apêndice B — Estrutura a Termo de Volatilidade 21/11/2022

— Estrutura a Termo de Volatilidade dos retornos das taxas

Apresento diversas janelas móveis, a título de comparação e visualização de nível. A partir de prazos de 2Y ou superiores, há uma convergência relevante dos níveis de volatilidade para cerca de ~20%.

Gráfico 14. Estrutura a termo de volatilidade de taxas em várias janelas móveis

— Estrutura a Termo de Volatilidade dos retornos das cotações

Aqui a estrutura é crescente, afinal, movimentos idênticos na taxa de juros possuem impactos diferentes de acordo com o tamanho da duration e da convexidade de cada bond. Como esses dois fatores são diretamente proporcionais ao tempo para vencimento, a Estrutura a Termo de Volatilidade nas cotações/preços é crescente.

Gráfico 15. Estrutura a termo de volatilidade de cotações em várias janelas móveis

Referências bibliográficas

[Neto et. al. (2019)] José Monteiro Varanda Neto, de Souza Santos, José Carlos, Mello, e Eduardo Morato. O mercado de renda fixa no Brasil: conceitos, precificação e risco. Saint Paul, 2019

[Santos e Silva (2017)] José Santos e Marcos Silva. Derivativos e renda fixa: Teoria e aplicações ao mercado brasileiro, volume 1. Atlas, São Paulo, 2017.

[Manual de Curvas B3] Manual de Curvas B3, acesso em: 23/11/2022

METODOLOGIA PARA A APURAÇÃO DE CURVAS DE PREÇOS E DE SPREADS TEÓRICOS DE TÍTULOS PÚBLICOS, acesso em: 23/11/2022

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