Ontem eu revi O Exterminador do Futuro 2 mais uma vez

Miguel Olímpio
6 min readSep 3, 2020

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Por Miguel Olímpio

T-800 (Arnold Schwarzenegger) e John Connor (Edward Furlong). Foto: Reprodução / Instagram Terminator 2

Um robô assassino moldou minha vida e ontem eu revi “O Exterminador do Futuro 2” mais uma vez. Parece piada, certo? O que me faz assistir ao filme outra vez aumentando o cartel que já se encontra em centena? Em 2017, James Cameron relançou o longa nos cinemas norte-americanos em resolução ultra HD (4k) com correção de erros de continuidade, versão esta que está disponibilizada na Amazon Prime Video. Em uma madrugada com pouco a se fazer, resolvi curtir a reprodução por outro prisma, e, novamente, o filme me provocou uma reflexão.

“O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final” centra-se no objetivo de não deixar que John Connor morra e de se prevenir o fim do mundo (previsto para às 2h14 (horário oriental dos EUA) de 29 de agosto de 1997 (o filme se passa em 1995 (em algum fim de semana entre março e dezembro)), que se caracteriza pelo domínio de robôs sobre a humanidade, através da destruição da Cyberdyne, empresa responsável pelo desenvolvimento da inteligência artificial, Skynet, dirigente da autossuficiência dos ciborgues. Seu criador direto é o cientista e diretor de Projetos Especiais da Corporação Sistemas Cyberdyne, Miles Bennett Dyson, do qual o Exterminador possui arquivos detalhados.

Miles Dyson (Joe Morton) entre o T-800 (Arnold Schwarzenegger) e Sarah Connor (Linda Hamilton). Foto: Reprodução / Instagram Terminator 2

O material que proporciona o início e desenvolvimento da tecnologia da Skynet foi deixado pelo Exterminador do primeiro filme, que foi esmagado por Sarah Connor numa prensa hidráulica, mas que, em última tentativa de matá-la, deixou seu braço para fora da máquina. Tal braço, além do quebrado chip (o cérebro de um Exterminador), foram coletados por membros de alto escalão da Cyberdyne (apesar de não revelado no corte final, o ato de encerramento da película original se passa na fábrica da empresa) e entregue para o departamento de desenvolvimento da companhia. Mantidos num cofre, tais artefatos só podem ser acessados por duas chaves giradas simultaneamente.

Após saber das informações sobre Dyson, Sarah decide ir assassina-lo, para que assim se evite o nascimento daquilo que destruiria o planeta a dois anos. John, que é contra matar pessoas, tanto que proíbe o Exterminador de fazê-lo, vai com a Máquina tentar impedir sua mãe, mesmo com o Exterminador dizendo que a ação (de ir à casa de Dyson) é taticamente perigosa e que mata-lo pode prevenir a guerra entre a humanidade e os robôs. “Eu não me importo! Você ainda não aprendeu que não se pode matar pessoas?!” Após Sarah ter um lapso de empatia e não executar Dyson, o Exterminador revela seu braço biônico e explica a ele tudo o que vai acontecer às três bilhões de vidas humanas na terra.

Miles, homem de 35 anos, é um trabalhador compulsivo, quando não está na empresa, fica compenetrado no escritório de sua casa a fim de se aprofundar em seu projeto, pois, segundo ele, “[o chip do primeiro Exterminador] era uma coisa assustadora, radicalmente avançada, estava amassado, não funcionava, mas nos deu ideias, nos levou a novas direções, coisa que nós [Cyberdyne] jamais faríamos… todo o meu trabalho é baseado nele”. Ao saber do contexto de sua criação, se oferece para pedir demissão, mas é advertido pelo Exterminador que ninguém deve continuar seu trabalho e, para que ninguém o faça, concorda em findar tudo o que já produziu. “Nós temos que destruir todas as coisas no laboratório, os arquivos, os discos rígidos, tudo, e tudo aqui [em minha casa]… tudo… eu não me importo”, disse.

O Exterminador (Arnold Schwarzenegger). Foto: Reprodução / Instagram Terminator 2

A meditação mora no seguinte dilema: matar Dyson e salvar três bilhões ou salva-lo e matar três bilhões? Antes, no deserto, rumando à casa de Enrique Salceda, amigo de Sarah, o Exterminador havia dito a John que está na natureza dos seres humanos se destruírem, ou seja, para que se preocupar com um só homem sabendo que o destino certo da humanidade é guerra e morte? Miles Dyson tem família, é marido e pai de dois filhos (Daniel e Blythe), além de prover o sustento desta, é extremamente importante e influente dentro da Cyberdyne, perde-lo faria que toda uma estrutura desmoronasse. Todavia, poupa-lo levaria à destruição da humanidade por completo, culminando no mundo sombrio descrito por Kyle Reese no primeiro filme.

Existe uma série sobre o Exterminador do Futuro, chama-se “O Exterminador do Futuro: As Crônicas de Sarah Connor” (“Terminator: The Sarah Connor Chronicles”, no original) e discorre por meio de eventos ocorridos entre o fim de “O Exterminador do Futuro 2” e o começo de “O Exterminador do Futuro 3”. Miles Dyson morre fuzilado em “T2” (abreviação do título original do filme) e, em conformidade com a história deste, um episódio de “Chronicles” mostra Sarah Connor (Lena Headey) em 1999 (quatro anos após “Terminator 2”) encontrando Tarissa Dyson (Charlayne Woodard), viúva de Miles, que foi enganada pela polícia, dizendo que Sarah foi quem matou seu marido, culpando-a, mas após esta elucida-la da situação, Tarissa diz o quanto Miles faz falta para ela e as crianças, afirmando o quanto é difícil viver e continuar sem ele.

John Connor (Edward Furlong) e T-800 (Arnold Schwarzenegger). Foto: Reprodução / Instagram Terminator 2

Estamos acostumados a uma sociedade doente, onde valores morais estão cada vez mais subvertidos. Notícias sobre assassinatos têm enorme frequência, jornais são dedicados somente a isso, por exemplo. Não nos preocupamos com famílias periféricas que têm ocupações de morros como evento cotidiano, muito menos com aquelas que fazem do barulho de troca tiros uma música de ninar. Cada vez mais vemos um planeta egoísta e insuficiente, onde pessoas matam por pouco e se apossam de muito. Fome e pobreza assolam o mundo, mas os cardeais nada fazem para que isso seja abolido. Temas estes abordados em Elysium.

Neste cenário pandêmico aprendemos, dentre muitas coisas, que o próximo é ninguém. Com medidas de isolamento sendo recomendadas, autoridades e cidadãos a ignoram, se proliferando e aglomerando-se em vários e inúmeros pontos, “altruísmo” é uma palavra além do leque. É triste ver como o ser humano é descartável, em uma sociedade alienada, as pessoas são objetos. Cada indivíduo é o amor da vida de alguém, Miles tinha esposa e filhos, que acabaram órfãos da figura de um pai. Como John pregava, não se pode sair por aí eliminando vidas, mas, infelizmente, não são todos que compactuam com este cerne. O mundo, adoecido, clama por benevolência.

Para que se respeitasse o respirar de Dyson, Exterminador, Sarah e John encontraram na destruição dos arquivos de projeto a salvação do cientista. Inconscientemente, “O Exterminador do Futuro 2” é sobre empatia, “se uma máquina, um exterminador, pode aprender sobre o valor da vida humana, talvez nós também possamos”, é o que prega o filme. Ao subordinar-se a John, o Exterminador mata absolutamente ninguém durante os 137 minutos de longa. Existe prova maior de empatia e humanidade do que uma máquina assassina de humanos matar ninguém?! Existe.

O Exterminador (Arnold Schwarzenegger). Foto: Reprodução / Instagram Terminator 2

O verdadeiro herói de “O Exterminador do Futuro 2” é nenhum dos protagonistas, seu valente é Miles Bennett Dyson, que abdicou do projeto de sua vida pela a vida de outras três bilhões de pessoas que ele nem mesmo conhecia. Ademais, perdeu a sua o fazendo. Até quanto estamos dispostos a abrir mão de nossos objetivos e sonhos para um bem maior? Quando nos desapegaremos de bens materiais? Até que ponto estamos disponíveis para abdicarmos de nossos egos a fim de uma ação social? Até onde iríamos para fazer algo que nos beneficie em completamente nada? Percebemos que a ida de Dyson era desnecessária, ele poderia ter vivido, mas James Cameron queria nos mostrar uma lição ao não permitir que a personagem voltasse para casa.

Um dos parâmetros de missão do Exterminador é o de obedecer a John Connor, entretanto insubordina-se a ele no fim do filme ao pedir que Sarah o descesse ao aço fundido para que fosse extinguido. Mesmo com John ordenando e implorando por sua permanência, o Exterminador é firme em sua decisão. O Exterminador se vai, pois não podia deixar evidências do futuro como ocorreu com o original, caso ele ficasse a destruição da Cyberdyne e a morte de Miles seriam em vão, já que haveria tecnologia para que alguém retomasse a desenvolução da Skynet, ação humana de um ser que não é um. Muitos se perguntam do braço que ficou nas engrenagens de uma das máquinas, mas em “Chronicles” é contado que todas as tecnologias futuras foram dizimadas, nada ficou para trás.

Um sorridente Miles contando e explicando sobre seu projeto a sua esposa Tarissa. Em cena deletada, pede que ela imagine como seria um avião conduzido por um piloto que nunca se cansasse ou errasse. Foto: Reprodução / Screen Rant

Não canso em reter lições de vida com o “O Exterminador do Futuro”, obra que consumirei muito provavelmente até quando eu estiver idoso. São filmes que ajudaram a desenvolver e formar meu caráter, além de ser um excelente objeto de estudo social. Nele encontramos lições sobre tecnologia, humanidade e convívio, por exemplo, além de ser um incrível passatempo e um extraordinário filme de ação.

I’ll be back.

O Exterminador (Arnold Schwarzenegger). Foto: Reprodução / Instagram Terminator 2

Complemento de Leitura

Um robô assassino moldou minha vida — Miguel Olímpio, Medium

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Miguel Olímpio

Graduando em jornalismo e comunicação social. Escreve de vez quando.