O mundo mágico das nossas narrativas online

Natalia Weber
4 min readApr 5, 2018

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Banco de imagens Shutterstock

Recentemente, uma conhecida postou uma foto. Ela mostrava uma moça na praia, em qualidade de foto profissional. A mulher tinha os cabelos de cor parecida com os dela, a cor de pele, digamos que aproximada. Exibia apenas uma parte do rosto. Ao ver a foto, não reconheci nem um pouco a colega em questão ali. Nos comentários, uma profusão de “uau”, “arrasou”, “linda”. Uma pessoa quis confirmar se era ela mesma, a resposta foi extremamente ambígua. Os comentários elogiosos eram curtidos por ela. Qual era o pulo do gato? Eu não sabia. Não sabia se a pessoa queria realmente se passar pela moça da foto ou fazer uma brincadeira/teste, vendo até onde iriam os comentários elogiosos, de pessoas que atribuíram que ela, automaticamente, estava no retrato. Digamos que eu tinha 99% de certeza que não era ela ali. Tinha convicções mas não tinha provas, pois não encontrei a foto no Google Images, atestando que era de outra pessoa. Pensei em perguntar, mas e se ela dissesse que sim, que era ela, o que eu iria fazer?

O fato é que provavelmente mais pessoas também duvidaram, mas apenas seguiram o protocolo padrão de ver uma foto bonita na timeline de um amigo: elogiar, já que ninguém estava fazendo o contrário e as respostas apresentadas eram ambíguas o suficiente — como a foto.Talvez alguns nem repararam se era ou não outra pessoa e prontamente comentaram, aceitando aquilo como verdade. Sendo ou não, segue o baile das amizades nas redes sociais: agradecer a pessoa com elogios pelo compartilhamento de algo que ninguém pediu ou precisava, mas que está ali, exposto. Que coragem, show, linda. Pra que contrariar?

As fotos que postamos são automaticamente consideradas nossas pela maioria das pessoas. Devemos ser aquela pessoa ali retratada, ou ao menos fizemos o clique até que se prove o contrário, salvo se a foto for claramente artificial. Isso é bem complicado quando falamos de atribuição devida de ideias e imagens. Segundo o fenômeno de “viés de confirmação”, tendemos a um pensamento seletivo e damos maior atenção a coisas que confirmam nossas próprias crenças. Então, se meus amigos postam coisas legais e interessantes, tendemos a acreditar mais rapidamente que aquela foto super legal é dele. Ainda mais se ninguém resolver afirmar que não é.

Se ainda assim duvidarmos da veracidade de certas postagens, quem vai ser a primeira pessoa a cobrar créditos e explicações sobre aquele conteúdo? Ninguém quer ficar mal com o amigo, certo? E é assim, com pequenas fake news do dia a dia, que pessoas constroem narrativas completamente fantasiosas nas redes sociais, de menor a maior grau. Por curtidas, por atenção, por brincadeira, por acharem que não é nada demais… Será que é?

Se nos distanciarmos um pouco do nosso âmbito de amigos, fica mais fácil reunir coragem para expor fake tours e desmascarar os chamados “embustes”, pessoas que criam histórias fantasiosas para conseguir likes, RTs, compartilhamentos, seguidores, o que for. Segue um exemplo:

O perfil pegou fotos de uma garota, inventou que era sua prima e fez um post com uma história tocante (clique no tweet para entender melhor o ocorrido). Quanto mais RTs, mais a história saía do círculo de seguidores e mais pessoas, com olhar crítico, expuseram que era uma mentira, que as fotos foram pescadas da internet e que a narrativa era completamente inventada. No Twitter rola até uma piada: lá o irmão/primo de alguém vira irmão/primo de todos, de tanto que as histórias são copiadas e republicadas por outras contas internet afora. Dizem que é um fenômeno que se fortaleceu com o grupo LDRV (Lana Del Rey Vevo) no Facebook, em que muitos integrantes, na maioria muito jovens e inteiramente digitais, se destacavam por histórias mirabolantes, reais ou não.

Continuar postando fotos de viagem no Instagram mesmo depois da volta automaticamente faz seus seguidores pensarem que você ainda está viajando, mas isso não é tão mal. Publicar, no escritório, fotos tiradas na praia alguns dias antes, faz com que as pessoas pensem que é o que você está fazendo naquele momento. E daí? Mas e uma foto fake, complica? As pessoas pensam o que quiserem, mas somos nós que controlamos essa narrativa. Do jeito certo, podemos fazer amigos e seguidores acreditarem no que nós quisermos ou pelo menos fazer com que eles postem um registro online favorável, com muitas curtidas e elogios, mesmo quando eles não se convencem 100% da veracidade das nossas tours.

Adendo importante: essa pose “ blogueirinha” de cabeça baixa ou olhando pro lado está favorecendo muito os roubos de fotos lifestyle por aí, além dos cliques de costas e contra-luz.

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Natalia Weber

Community manager e produtora de conteúdo online. Uma jornalista na publicidade.