Discografia selecionada Beach Boys: Parte 1

André Silva
21 min readMay 25, 2018

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Por André Silva e Miguel Amado

[A segunda parte da discografia pode ser lida aqui]

Ao primeiro contato com esta discografia , uma pergunta talvez lhe perturbe o avanço da leitura: por que os Beach Boys, no Brasil, em pleno ano de 2018? O grupo foi sepultado ainda nos anos 80, o som calcado num modismo sessentista dos americanos e marcou o fim da era popular dos grupos vocais, nos moldes dos quartetos de barbearia. Essas são afirmações apenas parcialmente verdadeiras.

Ao nosso ver, o senso comum sobre o espaço dos Beach Boys na música pop é muito inferior ao vigor produtivo dos californianos. Não é exagero dizer que parearam (se é que não ultrapassaram) os Beatles em seu auge musical: a primeira fase, calcada na surf music, deu novo fôlego ao rescaldo dos primeiros roqueiros nos Estados Unidos. Inovaram sendo garotos brancos sorridentes cantando sobre garotas e um lugar onde o verão é eterno sem nem mesmo saber surfar. E depois tem Pet Sounds, onde normalmente morre a preocupação de sequer ouvir e formar opinião sobre o som da banda. No entanto, a banda seguiu produzindo material inédito de ótima qualidade até pelo menos 1973. Este período, justamente, é o escopo de nossa discografia comentada.

Além da boa música ­– e diferentemente dos Beatles — os Beach Boys estavam grudados pelos laços de parentesco, e este detalhe central dá uma dimensão mitológica extra ao grupo, que começa com um sucesso comercial quase acidental, e segue carreira antecipando e depois superando as mudanças estéticas e comportamentais no olho do furacão da cultura hippie. Junto dos evidentes sexo, drogas e rock n’ roll implicados neste contexto, há a curiosa história de três irmãos, um primo e um amigo de vinte e poucos anos envelhecendo juntos, administrando uma banda e encarando essas mudanças radicais de maneiras diferentes. As consequências variam do posicionamento de pianos em caixas de areia gigantes e a busca por autonomia criativa à colaboração com um psicopata, vício em drogas e doença e vampirismo mental.

SMiLE
Nonesuch, 2004

Smiley Smile
Capitol, 1967

Sou livre, e por isso estou perdido.
Franz Kafka

Smile é tão bom que faz Pet Sounds feder.
Dennis Wilson

Eu também fiquei em choque quando o ouvi dizer: “um dia eu vou escrever canções para as quais as pessoas vão rezar”.
Andrew Loog Oldham

Smile é o segundo e último Ato necessário no processo da consagração artística dos Beach Boys nos anais da música do século XX. Os nove discos de surf music (e um de músicas natalinas), apesar de divertidos, podem ser vistos como apenas um prólogo que pavimentou o improvável caminho até Pet Sounds. O próximo grande passo criativo de Brian Wilson começava a ser dado com um gosto amargo na boca: lançado em maio de 66, Pet Sounds foi aclamado pela crítica, mas redundou num fracasso de vendas.

Os rapazes embarcam numa turnê pela Inglaterra e Brian Wilson assume o volante criativo, buscando expandir ainda mais a inovação do álbum anterior. Depois de Tony Asher, é a vez do prodígio Van Dyke Parks, de 22 anos, ajudar a traduzir a música em letras, além de ajudar nos arranjos. O conceito do álbum já estava delineado: as canções representam a visão de um ciclista viajando da costa leste à oeste dos Estados Unidos, de Plymouth Rock até o Diamond Head, no Havaí, juntamente com canções sobre os quatro elementos — fogo, água, ar e terra.

*

Singles já haviam antecipado o álbum havia meses: a obra-prima “Good Vibrations” sai ainda em outubro de 66 e a música central do novo álbum, “Heroes and Villains”, apenas em julho de 67. A presença midiática da banda é freada pelo espaço de quase um ano entre os discos, fruto da busca obsessiva de Brian Wilson pela perfeição: “Good Vibrations” inaugura seu característico modelo de gravação modular: os vários músicos tocavam pequenas partes isoladamente sem imaginar o resultado final… E o quebra-cabeças seria encaixado apenas seis meses e quatro estúdios depois.

A gravação ostensiva era apenas uma parte da ruptura que Smile apresentava: a diversão era levada ao extremo na composição e na gravação, em grande parte como método de criar coisas diferentes. Algumas das melhores canções do grupo foram elaboradas ao piano, dentro de uma caixa de areia, instalada na sala de estar de Brian. Uma tenda gigante também foi estendida no recinto. Para a gravação de “Fire”, um balde com fogo foi posicionado no meio do estúdio, para que os músicos — devidamente equipados com chapéus de bombeiro — sentissem o cheiro da fumaça enquanto tocavam. Isso tudo sem contar as quantidades industriais de maconha e haxixe consumidas no processo.

De volta da Inglaterra, o grupo estranha o material criado. Mike Love, particularmente, impõe-se. Sem enxergar características dos Beach Boys nas gravações, o clima fica tenso e as gravações, improdutivas. Em maio de 67, após 85 sessões de gravação, o projeto foi oficialmente engavetado, Um terceiro single foi lançado, a patética “Gettin’ Hungry”, sob o nome artístico de “Brian and Mike”(Love).

Em 1º de junho, os Beatles lançam Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o disco vagamente conceitual que revolucionou o significado dos álbuns de rock. Smiley Smile é lançado em 5 de setembro de 67, com 12 faixas mal acabadas com produção mais crua que uma peça de acém, desconexas entre si e repletas de sons estranhos, que apenas insinuavam o que poderia ter sido este elefante branco da psicodelia californiana. O selo Brother Records, criado pela banda para garantir a liberdade criativa da banda, foi estreado lançando esta bomba de 27 minutos de duração — distribuído pela Capitol.

*

Em 2004 — ou seja, 37 anos depois –, Brian Wilson lança a versão bem acabada desta pérola. A esta altura, ele já se convertera um artista de palco mais do que um compositor profissional, e voltou a tocar espontaneamente o material da época de Smile sem pretensão alguma. Foi convencido a voltar a trabalhar no projeto apenas porque o foco foi mudado, de “completar minha obra-prima abandonada” para “criar arranjos para tocar ao vivo as canções deste projeto”.

Num esforço conjunto com sua banda, o produtor Darian Sahanaja, do grupo Wondermints, e Van Dyke Parks, limaram algumas faixas, editaram muito do material remanescente e, ao fim, sobreviveram 17 faixas. Elas são caracterizadas pela variação de climas e pela recorrência de temas, que formam uma ópera-rock, no estilo do conceito original de 1967. A frase melódica marcante de “Heroes and Villains”, por exemplo, serve de eixo central para o álbum, recorrente em outras várias canções.

Este não é um disco dos Beach Boys, mas houve um grande esforço em replicar as condições de produção original, gerando um resultado que prova que, sim, Smile era tudo isso que se alardeava há décadas. O som é infantil, leve e psicodelicamente datado. Mas é também a retomada do criador sobre a criatura e sobre sua própria mente.

Favoritas: Smiley Smile: “Heroes and Villains”, “Good Vibrations”, “Woody Woodpecker Symphony”/ SMiLE: “Plymouth Rock Roll”, “Miss O’Leary’s Cow”, “Wonderful”.
Clássicos: “Heroes and Villains”, “Good Vibrations”
Nota: Smiley Smile: 5 / SMiLE:9,5

Wild Honey
Capitol, 1967

Beleza, Brian. Por que você não espera ali no canto?

Este álbum foi a tábua de salvação comercial do grupo depois da extravagância de Smiley Smile. Isso poderia significar retroceder à praia. Mas, para montar o repertório com temas e roupagem imediatamente palatáveis, fizeram algumas mudanças que não implicavam repetição pura de uma fórmula da banda.

Os arranjos são modestos, inclusive os vocais, sem as dezenas de metais, cordas e percussões, trocados por uma configuração de instrumentos de rock e piano soando especialmente forte. O disco é dividido entre canções de melodias encantadoras — como “Country Air”, “Darlin’”, “Let The Wind Blow” — e outras com pinceladas de soul music, que atingia um pico de popularidade na época. Tem espaço até para uma recaída no rock cinquentista “How She Boogalooed It”. Os ecos de Smile aparecem aqui na última faixa, “Mama Says”, uma espécie de vocalização do tema “Vega-Tables”. No mais, psicodelia zero. O resultado é um disco dos Beach Boys feito para dançar, mas à moda dos Estados Unidos pós-Kennedy.

Certamente encarregado de colocar ordem na casa depois de Brian ter centralizado a composição, Mike Love aparece aqui mais neste álbum, como em “I’d Love Just Once to See You”, que soa como algo que o Velvet Underground faria em seus momentos calminhos, anos depois. Mas Carl Wilson é quem mais aparece, cantando “Let The Wind Blow”, a faixa título e “Darlin’”: sua voz tenor casou bem com a sonoridade mais gritada e aguda à moda do soul.

Melhores momentos: “Darlin’”, “Let The Wind Blow”, “Country Air”
Piores momentos: “How She Boogalooed It”
Clássico: “Darlin’”
Nota: 7,5

Friends
Capitol, 1968

Experimentação e bons arranjos não enchem barriga

Seria Friends o disco mais subestimado dos Beach Boys? Se às vezes um período sob pressão pode resultar em bons frutos, 1968 prova isso. Friends foi lançado em junho. Imagine o auge do Cream, o ano de gestação do Led Zeppelin e toda a mitologia do rock entrando a toda velocidade na linguagem do blues rock e no heavy rock, incorporando a música country e o som do sul dos Estados Unidos — a pedra fundamental dessa tendência, Sweetheart of the Rodeo, dos Byrds, é de agosto do mesmo ano. Agora imagine a banda vocal seminal de surf music, traços estéticos cada vez menos em evidência, apostando tudo na difícil intersecção entre experimentação e sucesso comercial!

Menos popular, mas bem estabelecido, o grupo aposta numa produção menos minimalista, com metais, cordas e órgãos. A maioria das composições preservam os arranjos vocais elaborados, mas despontam para novos lados: as duas faixas mais interessantes são valsas: “Friends”, “Be Here In The Mornin’” — a única música assinada por todos os membros; “Busy Doin’ Nothin’”, uma bossa nova; “Passing By”, a tradicional faixa instrumental de Brian Wilson; “Diamond Head”, um experimento com música havaiana. O som “pastoral” atribuído pela crítica aos Beach Boys atinge seu auge aqui na docilidade dos temas das composições, a começar pela faixa-título, um hino puro à amizade verdadeira.

As gravações (provavelmente) tiveram início em fevereiro, com a volta de Mike Love de Rishikesh, na Índia, onde integrou a comitiva dos Beatles para aprender Meditação Transcendental com Maharishi Mahesh Yogi. Duas das máculas do disco certamente derivam da viagem: “Anna Lee, The Healer”, uma música chocha com letra patética, e “Transcendental Meditation”, o mais próximo que a banda se aproxima do misticismo hippie-orientalista da época. A outra faixa ruim do disco, “When a Man Needs a Woman”, deriva da assistência de Van Dyke Parks, sobre o milagre da vida que é ter um bebê e os impulsos amorosos juvenis.

Um dos destaques do disco é a conquista de espaço de Dennis Wilson nas composições, com “Little Bird” e “Be Still”, escritas em parceria com o poeta Steve Kalinich (que voltaria a colaborar em Pacific Ocean Blue, o disco solo de Dennis). Ambas trazem a voz rouca, grave e melancólica de Dennis, a primeira é um funk suave com metais, o lado B do single do disco; a segunda, apenas a voz acompanhada por um órgão. O irmão Dennis notoriamente estabeleceu vínculos com Charles Manson e sua seita, a Família. 68 foi o ano de contato: Dennis viveu junto com o grupo, doando 50 a 60% de suas posses, de acordo com entrevista de dezembro do mesmo ano à revista Record Mirror. Em agosto de 69, membros da Família matariam a atriz Sharon Tate, o cabeleireiro Jay Sebring, o roteirista Wojciech Frykowski e sua namorada Abigail Folger. Olhando em retrospecto, ele raramente fazia menções a esse período de meses de convivência.

Melhores momentos: “Friends”, “Passing By”, “Busy Doin’ Nothin’”
Piores momentos: “Anna Lee, The Healer”, “When A Man Needs A Woman”
Clássicos: Nenhum
Nota: 9

"Friends" decomposto faixa a faixa (recomendamos a audição no momento da leitura)

“Meant For You”

A: É parceria do Mike Love com o Brian Wilson, mas é um começo tão bestinha…

M: Eu adoro essa musica, sério mesmo. Algumas vezes pegamos no pé do Mike Love. Ok, várias vezes. Mas ele manda bem quando precisa só cantar e ajudar com algumas palavras na composição. E não dar muito pitaco.

A: É bonita, mas dura 30 segundos…. Só acho que o disco é tão bom que esse começo deixa a desejar. Mas foda-se.

KKKKKKKKKKKKK, não se apressa

“Friends”

A: Aqui começa o absurdo curdo.

M:

WE’VE BEEN FRIENDS NOW FOR SO MANY YEARS

Pior letra de música genial da historia. Podia estar em Pet Sounds.

A: Melhor demérito da História, então! É uma letra sobre amizades sinceras, cara.

M: Pois é… Cara, qualquer coisa que o Carl Wilson canta é genial. Até no coro a voz angelical dele se destaca. Junto com o falsete gay do Brian eterno.

DI PI TI LÁ DIBI ARUUUU

AAAAAAÃÃÃÃÃÃÃÃ AÃÃÃÃÃÃÃ ÃÃÃÃÃNNNNNNN

A: Essa subida é genial. Estou preocupado em saturar a palavra GENIAL usando a cada duas linhas, mas com esse álbum fica difícil. Essa parte é o melhor exemplo das frases do Brianzão que são ultra-assobiáveis e sobem até o infinito… Especialmente na ponte. Você não quer que sua amizade sincera suba até o infinito?

M: HAHAHA, sim. Especialmente com a Família Manson. Mas sobre o uso do genial, discussão profunda: por que os Beach Boys são tão desrespeitados pelo mundo, especialmente esquecendo a fase pós Pet Sounds, quando discutimos as melhores bandas da historia? Olha essa música e ela não pega nem top 20 da discografia.

A: Eu gosto muito da faixa, mas concordo… E “Wake the World”?

M: Outra que podia estar em Pet Sounds… E ESSA TUBA MAROTA? OLHA ESSE REFRÃO:

Carl: Make My Life
Todos: SO MUCH BRIGHTER NOW.

É de dar orgasmos. A combinação vocal…

A: A música é dividida de maneira a ter “Dia” e “Noite” representados, além disso. Brian até com problemas com cocaína é um talentoso desgraçado.

M: Esse começo do álbum é uma sequência de socos no cérebro de dois minutos. Acho que aqui é quando o punk surgiu.

A: Hahahaha… é verdade! São umas músicas ultra-breve! A faixa-título é uma VALSA.

M: 5 minutos e três músicas: incrível.

A: "Be Here in the Mornin’" tem 2:18 aqui de acordo com o Spotify.

M: Acho que essa é minha preferida. Pelo menos hoje. Amanhã muda. Amo a lamúria do Dennis Wilson no começo e durante a música e amo o falsete do Al Jardine. ELE É O QUINTO INTEGRANTE EM IMPORTÂNCIA E MESMO ASSIM É FODA. Os Beach Boys têm mais elenco que o Barcelona. Me fala uma banda que o quinto cara em importância seja bom. Os Beatles no terceiro já estavam mal (John Superestimado Lennon).

A: Prefiro o Lennon ao McCartney, mas enfim… Dennão dá um toque pra lá de especial mesmo. E eles conseguiram explorar bizarramente os agudos nessa faixa também… Outra valsa!

"When A Man Needs A Woman"

A: Se você achava “Friends” uma faixa com uma letra boba e inocente, essa aqui vai te fazer cortar a perna depois de contrair diabetes, de tão açucarada e pentelha.

M: Horrorosa essa música. Consigo imaginar a Zooey Deschanel fazendo um cover fofinho.

A: Exatamente. Inacreditável que o Van Dyke Parks tenha ganhado dinheiro pra co-escrever essa desgraça.

“Passing By”

M: É o trio da loucura na metade antes do disco ficar bom de novo. Não sou um grande fã de instrumentais, mas é legal até. Mas não vou negar que pulo sempre.

A: Essa é uma das melhores faixas do disco. Parece que o Brianzão resolveu mandar tudo pro inferno e fazer o "Pet Sounds 2" nesse disco. Acho que desde então não tinha duas instrumentais dele num álbum dos Beach Boys, e essa começa meio exótica e evolui bem dramática. Bem melhor que o desastre da faixa seguinte, em todo caso…

"Anna Lee, The Healer"

M: É a pior letra da história. Pelo menos eu gosto de acreditar que não há coisa pior.

A: Eu ainda gosto de imaginar que tem uma conotação sexual por trás das “mãos curativas” da massagista pra deixar a faixa minimamente interessante.

M: Com certeza era uma massagem com final feliz. Ele não ia escrever essa musica se não tivesse uma punheta no fim.

A: É… Mike Love, né?

M: Gosto do piano dela pelo menos.

A: O coro do fim é bacana também, admito.

M: Ou seja, não é a pior do álbum. Tem a última ainda.

“Little Bird”

A: Dennisão mostrando que a amizade com um psicopata pode engrandecer um homem.

M: KKKKKKKKKKKKKKKKKK. Essa música é espetacular. Especialmente quando vira, “Where’s my pretty bird…

A: É a primeira tentativa de um funk num disco dos Beach Boys e sai muito bom, engraçado pensar isso. Tem metais e coros.

M: Funk?

A: É, olha essa levadinha de baixo e bateria… Até a guitarra meio ritmada. Não é o James Brown, mas é um experimento nesse caminho.

M: Justo, nunca tinha reparado.

É engraçado em “Be Still” notar como a voz dele aí era já rasgada, mas que com o tempo só pioraria, ou melhoraria, caso você goste, até o espetacular álbum solo dele.

A: Sim, parece que ele acordou de ressaca do lado de um órgão e resolveu gravar a faixa. Um dos pontos altos do disco, definitivamente.

M: Sim, sem dúvidas.

A: A letra deve ser a coisa mais hippie que eles gravaram, por outro lado. “Você sabe, você sabe que é/Fica de boa e saiba que você é”, “Siga esse caminho simples/ e o amor vai te libertar”…

M: Preâmbulo para “Kokomo”, cara.

ARUBA, JAMAICA

Se "Kokomo" estivesse nesse disco, seria o álbum perfeito dos Beach Boys (ironia).

A: Sem dúvidas. Imagina ela no lugar de “When a Man Needs A Woman”. Vou até fazer uma lista no Spotify com essa mudança estratégica

“Busy Doin’ Nothin’”

M: APROPRIAÇÃO CULTURAL, CARA.

A: Não adianta os cara lá em Copacabana misturarem um jazz no samba, que esses cabelo-de-tigela vão lá e metem o mãozão de volta!

M: Pois é. Porque é moda fazer bossa, mas não é moda ser bossa. Eles estavam lá em Beverly Hills e nós tomando tiro no calçadão

A: “Michael, eles não ligam pra nós!”

M: Pegaram a bossa nova e comercializaram ela, a transformaram em algo sanitizado e sem perigo para o grande público.

A: Hahahaha… Sim, o disco do João Gilberto com o Stan Getz não tinha sido vendido quase antes disso…

M: Sim, exatamente. O que será o próximo dos Beach Boys? Vão colocar turbantes?

A: Desde o último disco solo do Brian Wilson, não duvido de nada…

M: Piadas à parte, que coisa genial, puta merda. “Emulou” perfeitamente.

A: Essa música é um absurdo curdo. Eles ainda dão um toque “californiano” na bagaça, porque fica bem ensolarada com o arranjo.

M: E é a décima música de um álbum esquecido, isso que me deixa louco.

A: Verdade. Direto pra lata de lixo da História.

M: Eles foram abandonados. É 1968, tudo isso ainda era atual, sabotados sem dó mesmo. Faltou ser mais políticos, marqueteiros mesmo. Se o Brian Wilson tivesse dito que os Beach Boys eram maiores que Jesus, Friends seria ouvido.

A: Eles podiam ter os Panteras Negras como capa do disco da banda mais branca e americana do mundo. Seria sucesso na certa.

M: Com certeza. Sabe o que faltou para os Beach Boys? Serem ingleses. Os ingleses, especialmente a imprensa deles, é hiper mega nacionalista, não tem uma lista de melhores da NME sem até o peido do Thom Yorke nela. Se eles fosse ingleses o hype seria mantido até o lançamento de "Kokomo".

A: Não ajuda que a Rolling Stone na época ainda era uma revista impressa em cânhamo, praticamente, com análises tão aprofundadas quanto a mente do Dennis depois de uma noitada com o velho Charles.

M: E a Rolling Stone não era tão fiel assim. E odiava os Beachões. Aliás era cool odiá-los. Assim como é cool odiar o Creed. MAIS UMA SEMELHANÇA.
Scott Stapp = Brian + Mike

A: Chad Kroeger = Dennis + Carl + Al?

M: E mais. Pode colocar um McCartney no meio.

A: Eu sei que é triste, mas vamos nos encaminhando pro fim do disco. Essa “Diamond Head” deve ser a faixa mais experimental deles… Uma instrumental com estilo havaiano! Essas improbabilidades me fazem gostar muito da banda.

M: Esse final é bizarro. Bizarro ao quadrado. É a música mais longa do álbum!

A: Cara, esse disco tem 25 MINUTOS?!? Só agora vi isso. E ainda ficam incensando aquele tal de Abbey Road, lançado no mesmo ano…

M: Em 25 minutos fizeram o mesmo que os Beatles em 50 enrolando. E é parecido: tem o desabroche de um novo membro (Dennis e George), tem as composições do membro sempre criativo, as cagadas de um coadjuvante (“Octopus Garden” e “Transcendental Meditation”).

A: Tendo 23 minutos, seria melhor ainda. Limando “Transcendental Meditation”, é claro.

M: Horrível, puta merda. Horrível.. Nunca consegui ouvir inteira. Eu imagino o guru ouvindo isso e falando “O QUE FOI QUE EU FIZ?”

A: Acho que o que mais me irrita nessa faixa é o Mike Love fazendo falsete. O Carl deve ter se recusado a gravar essa merda. Certeza que ele foi de fininho com uma fita clandestina com essa gravação e “acidentalmente” juntou ao master do disco.

M: Fato demais. Aí, o pessoal percebeu e ele jogou a carta “eu sou primo, não façam isso”.

20/20
Capitol, 1969

O retorno dos garotos praieiros

"Do It Again"

A: Começar a falar sempre é meio escroto, né? Bom, essa primeira faixa do disco é a tentativa deles de fazer um trocado com surf music de novo, acho que temos um consenso nisso?

M: Não acho ruim, aliás essa música nas turnês seguintes incendiava todo mundo. Mas depois de Friends e Pet Sounds, parece estranho mesmo.

A: Não disse que é ruim, pô. Só estranha.

M: VOCÊ DISSE QUE ERA RUIM. É estranho mesmo.

E "I Can Hear Music"? Meu Deus, nem a voz do Carl salva. Sempre que uma música é uma ode à existência de música é um lixo. Banda que for.

A: Eu gosto!

M: Vai à merda. Pode falar que minha teoria sobre músicas que falam de música é certeira.

A: A melodia é bonita, seu bunda mole. E essa teoria nem faz sentido mesmo. "God Gave Rock n Roll To You" é uma bosta, mas UAU, QUE AVALANCHE DE MÚSICAS RUINS, HEIN.

M: Bunda mole é gostar dessa música. Vou vir com mais. "Rock N Roll Music" do Chuck Berry é uma merda também.

A: Acho que você acaba de provar o argumento contrário ao seu com seu exemplo.

M: Você não manja nada, nossa discografia está encerrada.

A: E "Bluebirds Over The Mountain", hein?

M: Outra música blergh, mas que ao vivo ganha potência e punch. Só ver o Beach Boys '69 (Live in London) no Spotify: Carlão mostra que manja e que o Brian podia tê-lo usado mais em suas viagens ao invés de como um prestador de serviço de bela voz.

A: Eu gosto da composição, mas, assim como a anterior, a roupagem que eles deram é bizarra. Essa parece os Beach Boys fazendo um PUTA ROCKÃO PAULEIRA, MEO — pros padrões da banda que fez Pet Sounds. É tipo a "Ob-la-di Ob-la-da" dos Beach Boys. Ou então essa "Peixuxa", do Raul Seixas.

"Be With Me"

M: "Be With Me", o famoso "salva nós e o disco, baterista”. Que banda… Que banda. Aliás, você sabe por que chama 20/20? Acho genial.

Nota: chama 20/20 porque a banda na época estava brigada com sua gravadora e no acordo de 20 discos que eles tinham, este era o final. Portanto, a alforria estava chegando.

A: Sei. Só não sei por que o exame de vista chama 20/20. Isso nunca saquei mesmo.

M: Também não. Mas bela música, esta "Be With Me". Incrível como o cara (Dennis Wilson) evoluiu rapidamente. E aqui não tem nada de Brian, ou seja, arranjos do Dennis mesmo.

A: Sim! Até agora, é a com o melhor som. Mais glorioso, mas na medida certa.

"All I Want To Do"

M: Música do Dennis agora, mas ele deu pro Mike cantar. Só para depois poder traçar a filha bastarda dele em paz.

Nota: já no fim de sua vida, Dennis Wilson casou com a filha não-reconhecida do vocalista Mike Love, causando mais uma rusga no relacionamento já tempestuoso dos dois.

A: Nossa… Não manjava essa intriguinha interna! Até que não é tão ruim, pra um rock básico.

M: Ele casou com a filha bastarda do Mike, cara. Última e quinta esposa dele. Sim, bem Lovezística. Seria uma boa música caso a banda se chamasse Rolling Stones. Mas eles são os Beach Boys, se espera muito mais

A: kkkkkkkk boa piada!

"The Nearest Faraway Place"

A: E esse Bruce Johnston colocando as asinhas de fora? Já atacou com uma instrumental como primeira composição, bancando o Brian do disco!

M: Não lembrava dela. Ele manda bem demais. Sexto integrante em importância e ainda manda bem. É o elenco do Barcelona, já disse.

A: Sim! O teclado principal é meio mela-cueca, mas é bela.

M: Ele é meio mela-cueca, só ver “Disney Girls” [confira na parte 2 da discografia].

"Cotton Fields"

M: Outra música lixo em estúdio e ótima ao vivo. Além de ser um álbum bem comercial, parece que ele foi desenhado para levantar a galera nos shows. Deu certo na Inglaterra, chegou ao terceiro lugar.

A: O que esperar de uma nação com dentes horrorosos e uma imprensa musical sensacionalista?

M: Não fala assim da terra de Townshend. A napa dele vai da Escócia ao canal da Mancha. Toda vez que os Beach Boys se metem a homenagear os “raizistas” americanos é uma pentelhada. Como essa "Cotton Fields". Ou várias músicas da fase pré-Pet Sounds.

A: Culpa do Al Jardine… Não sei como ele pensava em músicas tradicionais virando hit, mas dava certo, aparentemente… Comercialmente.

M: Essa "I Went to Sleep" não é ruim, mas totalmente passável. Parece uma música de Natal deslocada no meio do disco: rápida, linear e fofinha.

"Time to Get Alone"

It is a waltz in the style of baroque pop.

Sobre esta música agora.

A: Essa é a “Our House” do disco! Eu gosto muito dessas valsas. Elas evoluem bem, são sempre interessantes. Agora, essa história de “pop barroco” é uma pentelhice sem fim pra tentar dar “street cred” pra banda na imprensa musical.

M: Verdade. Mas essa música não funcionaria se não fosse a voz do Carl. PQP, não consigo pensar em voz mais bonita. Talvez a do Garfunkão (Art Garfunkel) junto. E Crosbyzaço (David Crosby). Três anjos.

A: Agora tem a contribuição do Charles Manson pra banda… Que é boa.

"Never Learn Not To Love"

M: O mais genial é o Dennis ter roubado a música de um psicopata e quando este foi matá-lo, segundo o Van Dyke Parks, foi enchido de porrada por nosso herói. Que monstro. Aí, quem sofreu foi a Sharon Tate, sabe-se lá por quê.

A: Ele não tentou matar o Dennis. Nunca faria isso. Só ameaçou o filho dele de maneira não tão velada.

M: Tentar matar, desculpa… Essa música é muito boa.

A: Sim. E parece que nem foi tão mudada pelo Dennis: a letra e a ponte, só… O Charles Manson tem boas músicas, sério. Tem outras em coletâneas, vale a pena.

M: Sim, uma que o Guns N' Roses toca é boa também [“Look at Your Game, Girl”]. Mas se tem um cara que mereceu ser plagiado é ele. Fico feliz que ainda tenha sido o Dennis Wilson.

A: No mínimo o Dennis chegou e falou: “te dei 50% da minha fortuna, agora você me dá uma porra de uma música sem seu crédito”.

M: “E todas as mulheres de sua família. A Christine McVie (integrante do Fleetwood Mac com quem Wilson teve um relacionamento) não é suficiente.”

"Our Prayer"

A: Pra fase final do disco: o momento “Brian Wilson respira com ajuda de aparelhos”.

M: "Our Prayer" é pura vitrine para falar “ei, arranjem cinco vocalistas em uma banda para batalhar contra nós”. Só os Backstreet Boys apareceram.

A: Hahahaha…. Uma competição e tanto, especialmente aquele clipe ridículo dos monstros no espaço.

M: Imagina os Beach Boys cantando "Everybody". Me diz se não ficaria uma música boa. Já é boa, ficaria genial.

A: Nem o Senhor do Bonfim opera um milagre desses, na boa.

M: Quando estiver no céu, peço pro Carl cantar essa música para mim.

"Cabinessence"

A: Cara, “Cabinessence” é sensacional. Acho que cada vez mais, essa música tem crescido no meu gosto.

M: Sempre passei dela, mas é sensacional mesmo.

A: É uma música sobre chineses imigrantes construindo a ferrovia nos Estados Unidos, cara. Impossível chegar a essa conclusão sem ler coisas relacionadas. Nessa, o Van Dyke acertou na mosca.

M: As letras do Van Dyke são um cu de entender. "Surf’s Up", se ele não diz sobre o que é, não dá para entender porra nenhuma. São palavras completamente rebuscadas que um inglês Wizard não dá conta:

Nestle in a kiss below there

The constellations ebb and flow there

And witness our home on the range

Considerações finais do disco

A: 29 minutos. Mais uma surra sonora breve.

M: É incrível porque para os Beach Boys não é um álbum bom, mas tem três músicas acima da média e várias musicas boas. Que banda pode se dar ao luxo de ter tudo isso e não fazer um álbum bom? Aliás é o segundo pior da fase Pet Sounds-Holland.

A: Ainda acho melhor que o Wild Honey.

M: Sim, Wild Honey é o pior. Olha isso:

I think Van Dyke is really talented, brilliant, and fun. He’s got a sense of humor. I ask[ed] Van Dyke Parks, “What the hell does ‘Over and over the crow cries, uncover the cornfield’ mean?” And he said, “I haven’t a clue, Mike!”…I don’t know if he was saying that just because I was there in his face. But I always liked lyrics that are boy-girl, or made sense, or connected to the mind of people.…And who says I didn’t like the words? Just because I said I didn’t know what they meant didn’t mean I didn’t like them. I have zero against Van Dyke Parks. That’s why I said, “What the fuck does that mean?” It’s not meant to be an insult. He didn’t get insulted. He just said, ‘I haven’t a clue!’ And it wasn’t like I was against his lyrics. But people don’t know the way I think. And they don’t give a fuck about the way I think, either. But that’s okay. I’m a big boy, and I can take that. I was just asking: What did it mean?

LOVE, Mike

A: Será que estamos sendo justos com ele?

M: Hahaha… Mas a verdade de todo fã pesado de Beach Boys é esta:
Estágio 1: nossa, que banda foda, esse Mike Love é carisma.
Estágio 2: puta merda, eu amo os irmãos, mas odeio esse FDP do Mike Love, fodeu a banda.
Estágio 3: ok, a banda se fodeu sozinha, Mike Love ajudou em várias obras e mesmo sendo um pouco ignorante era carismático. Não merece todo o ódio sobre ele.
Vou escrever tudo isso no obituário que fizer dele, daqui no máximo 10 anos.

A: Antecipar a morte dele em 10 anos já é uma grande mostra de apreço. Esses estágios são reais.

Clássicos: "Cabinessence"

Favoritas:

A: "Cabinessence", "Never Learn Not to Love"

M: “Never Learn Not To Love”

Nota: 7

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