Férias escolares

Pedro P. Bittencourt
6 min readJun 28, 2019

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Caso você seja, assim como eu, professor, é bem provável que alguma pessoa já tenha lhe dito que professores são, digamos, muito privilegiados — pra usar uma palavra da moda — porque têm duas férias por ano. A resposta que costumo dar a esses eventuais incautos da razão é:

Então, é verdade! Por que você não aproveita essa mamatinha, também? Tá cheio de escola por aí precisando de professor. Vai lá, faz uma licenciatura, uma pedagogia, presta um concurso ou envia currículo por aí e pega uma escola pra dar aula! Aproveite essa maravilha do universo que é possuir duas férias anuais! Vem pra bolha você também!

Deixando o deboche um pouco de lado, existem razões para essas pausas. A primeira é a aprendizagem do aluno. Ele precisa de um período de descanso pra não entrar em colapso, conviver de maneira integral com a família e com os amigos, passear, brincar na rua ou passar a madrugada fazendo live de fortnite na twicht — se você não entendeu nada desse último ponto passa ali na recepção pra pegar seu crachazinho de idoso. Não menos importante, o professor também precisa parar um pouco pra não entrar em colapso. Numa publicação anterior, mencionei que uma das razões pelas quais eu não te recomendaria virar professor é o fato de a gente levar muito trabalho pra casa. Outra razão apontada é adoecermos demais em consequência dessa rotina ingrata. Nossas férias em julho, portanto, não são apenas um benefício; elas são condição necessária para que possamos continuar desempenhando nosso trabalho e finalizar com qualidade o ano letivo.

Vejamos uma outra face desse hipercubo dimensional que é a realidade da atividade docente. Férias escolares não são iguais em todos os países. Enquanto temos, no Brasil, dois períodos letivos, que vão de meados de fevereiro a julho e de agosto à metade de dezembro, no Japão, por exemplo, são três períodos letivos: o ano escolar se inicia em abril, com uma primeira pausa na metade de julho, retoma em setembro, pausando novamente na metade de dezembro e finaliza com o período que vai da metade de janeiro à metade de março. Na Inglaterra a situação é ainda mais estranha. O ano letivo começa em setembro e faz uma pequena pausa já na metade de outubro. Isso porque este período, na verdade, tem duração de dois meses e iniciou-se na metade de agosto, aproximadamente… é bem confuso e acredito que tenha suas razões, com base em especificidades da região, tais como clima, estações do ano e datas comemorativas. À propósito: na grande Noruega, terra do bacalhau, do black metal e do IDH de gigante, as férias vão do início de junho ao início de setembro, no qual enfim começa o ano letivo, havendo um breve recesso logo em outubro. Que país de vagabundo, né?

Existem algumas propostas, como a do estado de São Paulo, por exemplo, de alterar o período de férias e recesso escolar atual. Ao que tudo indica, já a partir de 2020 as férias de julho seriam reduzidas pela metade e “apareceriam” duas novas “miniférias”: uma em abril e outra em outubro, provavelmente aproveitando os feriados de Tiradentes e Nossa Senhora de Aparecida pra entrar no pacote. Sendo muito honesto, não tenho opinião qualquer a respeito disso porque não pensei no tema — quem sabe sobre um tempo nessas férias! Só acho questionável utilizar como justificativa a tese que longas férias atrapalham a aprendizagem do estudante, ideia que me parece mais carregada de achismo sem base do que de pesquisa sistemática — pra surpresa de absolutamente ninguém. Mas eu precisaria de outros colegas mais gabaritados para debater esse assunto. E não sei a quantas anda esse projeto de lei.

Por outro lado, advogando um pouco pelo diabo, como sempre: outras profissões, tão ou mais cansativas quanto a docência, não têm essas possibilidades. Então, voltando a usar a palavra da moda, é uma forma de privilégio nosso, sim. Além do mais, tem outra coisa que me incomoda um pouco: se o professor, em sua rotina habitual, dorme mal, alimenta-se mal, exercita-se pouco, adoece em excesso, pensa constantemente serássi estou vivendo ou apenas existindo. Se isso é o que acontece, não são as férias que vão resolver essa situação. Elas apenas adiam o problema. No período seguinte, o ciclo se repete. Então há um problema muito maior, estrutural, por trás desse cenário. Usar nossa rotina como justificativa me parece um arremedo ingênuo.

Estar de férias significa ter mais tempo disponível. Correto?

O problema, ao meu ver, é quase sempre o mesmo: o que fazer com esse tempo livre. Neste caso, como aproveitar melhor as férias?

Obviamente eu não posso falar por todos. Algumas pessoas viajam, outras cuidam de filhos, há aquelas que se inscrevem num retiro espírita, e assim por diante.

Quase sempre, quando chegam as férias, eu penso: finalmente, agora sim eu consigo colocar a minha vida em ordem! Aqueles que eventualmente me acompanham há algum tempo já sabem: não, eu nunca consigo colocar a minha vida em ordem e aposto que ninguém — ou quase ninguém — consegue. Até porque a gente subestima um pouco a ideia de “colocar a vida em ordem” — o que significa isso? O que é ordem pra você? Quanto de ordem é suficiente pra você estar satisfeito? Dentre outros questionamentos nessa mesma linha de raciocínio.

Meu erro, como sempre, é acreditar demais nos meus sonhos. Colocar as expectativas lá no alto. Acreditar que conseguirei dar conta de uma lista gigante de atividades, sem levar em consideração os problemas que surgem e que não estão sob meu controle. Outro erro é confundir descanso com mais oportunidade de trabalhar.

Férias não é pra consertar carro. Instalar grade nas janelas. Arrumar a infiltração na parede. Rejuntar o piso do banheiro. Doar roupas e acessórios. Limpar o mato. Gravar dez episódios adiantados do podcast. Iniciar uma nova série de vídeos para o youtube.

Todas essas coisas podem ser feitas, é claro. Mas se eu pretendo que elas façam parte da minha vida, elas devem… fazer parte da minha vida! Estar na rotina, no cotidiano, fazer parte de meu planejamento, seja ele diário, semanal ou mensal. Entendo que imprevistos ocorrem — como o aparecimento de uma mancha de mofo na parede da cozinha ou o repentino descolamento do reboco no teto do corredor — mas pessoas adultas sabem que precisarão lidar com esses imprevistos e que a rotina semanal precisa dar conta dessas demandas. Eu não posso, então, delegar às minhas férias a responsabilidade de ser esse período para tapar buracos e apagar incêndios.

Férias é pra ler bons livros. Viajar. Dormir até as oito da manhã. Ir pra academia após tomar café e voltar sem pressa pra casa. Passear pela cidade. Visitar parques e museus. Tomar sorvete no final de tarde. Pode ser uma cerveja, também. Sem exageros. Ou com exageros. Não sei. A vida é sua, a vida é minha. Faça suas escolhas.

Também pode ser um bom período pra estudar. Fazer um curso. Se aprimorar em sua área de atuação. Descobrir outras áreas de conhecimento. Planejar diferentes tipos de aulas e de atividades. Ler artigos e publicações de ensino.

Mas: sem pressão. Sem a necessidade de uma rotina fixa e excruciante. Senão não é férias. É só mais um mês comum de trabalho, exceto que agora são “trabalhos diferenciados”. Porque senão eu volto pra escola do mesmo jeito que saí no início de julho: cansado e esgotado. De saco cheio. Ansiando por novas férias.

Sinto que eu passo um pouco por isso todas as vezes. Na ansiedade de criar coisas novas, legais e animadoras, acabo criando também expectativas, muitas delas irreais e inalcancáveis — pelo menos em curto prazo. Acabo utilizando o período das férias pra pensar em uma nova e mirabolante ideia que vai revolucionar minhas aulas, que finalmente conseguirá abraçar todos os alunos e tornar a escola o ambiente mais maravilhoso da cidade, do mundo, do universo, sipá até mesmo, olha só: o melhor lugar do Jardim Líbano! Sei que parece exagero, mas só um pouco. Porque, no fundo, eu meio que me iludo assim. E aí a gente estraga as férias num piscar de olhos. O tempo passa rápido demais e, mesmo que conquistas tenham sido feitas, elas não são percebidas.

De fato, eu tenho algumas metas pessoais para esse próximo mês. A primeira delas é não fazer listas. Não quero abrir meu aplicativo de tarefas e encontrar ali uma anotação de junho 2016 intitulada “coisas importantes pra fazer nessas férias” com somente dois de oito itens riscados. Não posso mais me sabotar desse jeito, então nada de listinhas. Outra meta é continuar produzindo episódios pro EnSigno, quem sabe eu consiga até adiantar uma coisa ou outra — mas, novamente, sem pressão!, se rolar rolou. E se sobrar tempo, tenho alguns vídeos pra gravar desde abril, quero dar uma alimentada lá no youtube com algumas coisas que são de meu interesse e que, espero, possam servir pra alguém também.

Além, é claro, de ler uns bons livros, passear pela cidade, tomar uma cerveja e continuar com meus estudos de Magia do Caos.

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Pedro P. Bittencourt

professor da educação básica. às vezes produzo conteúdo para a internet | pedrobittencourt.com.br