NOSTALGIA | Biancas, Julias e Sabrinas

De porta-vozes do amor romântico nos anos 1980 a estrelas de sebos 40 anos depois

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tudix
5 min readMay 16, 2019

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Crédito das imagens: Blog Romances de Banca

Por Vinicius Claudio

A união de amor e sexo por meio do casamento e a felicidade como resultado certo. Uma fórmula construída ao longo da história do Ocidente e ainda hoje traduzida na busca mística por uma alma gêmea. No Brasil dos anos 1980, essa busca tinha na literatura de massa um nome. Um não, três.

Conhecidas como literatura cor-de-rosa, água com açúcar ou romances de banca, Bianca, Julia e Sabrina eram publicadas pela editora Nova Cultural, do grupo Abril. Nenhuma das três estava de fato nas histórias, mas davam nome às coleções de romances — em sua maioria americanos e britânicos — sobre as sagas amorosas de inúmeras outras personagens.

Somando as coleções publicadas entre 1978 e 1989, foram 1.552 volumes. No entanto, do primeiro Bianca ao último Sabrina, alguns elementos permanecem: a descrição etérea dos cenários que ambientam a história de amor, a figura do homem que representa os outros 50% da personagem e, por fim, um felizes para sempre.

Bianca #589 (Desafio de uma vida — Diana Palmer)
Nascido em uma grande família de fazendeiros, Harden Tremayne era o homem mais duro, rude e selvagem que já surgira nos campos de gado do Texas. E o mais solitário. Até que conheceu Miranda Warren, a adorável viúva vinda de Chicago e que lhe despertou sentimentos que sempre fizera de tudo para sufocar. Nunca em sua vida Miranda sentira seu coração bater tão acelerado por um homem. Harden, porém, era uma solitário que não poderia lhe dar a única coisa que ela desejava desesperadamente: amor!

Para Simone Meirelles, mestre em literatura pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a cobrança social para se adequar a um molde de “feminino” pode ser um dos fatores por trás do sucesso das coleções. Em geral, as obras reforçam todos os papéis sociais impostos a mulheres, mas oferecem o amor como uma espécie de fuga. Para Meirelles, essa imposição é abafada pela literatura cor-de-rosa que não apenas normaliza o desempenho desses papéis mas apresenta a tarefa como algo prazeroso.

Seguindo as regras do amor romântico e os papéis construídos pela lógica patriarcal, Bianca, Julia e Sabrina foram por vezes as primeiras a falar para jovens mulheres sobre temas como sexo, tabu para muitas famílias no Brasil de 1980.

Julia #192 (Marcas do Passado — Carole Mortimer)
Sozinha em sua cabana à beira-mar, Emily percebia agora que seu amor por Rafe não tinha sido apenas uma fantasia de adolescente. Mas, aqueles anos que ela passou longe dele, tinham deixado marcas profundas na alma e no rosto de Rafe, hoje coberto de cicatrizes. E, por mais que Emily tentasse convencê-lo de que o amava loucamente, Rafe não acreditava. Para ele, o interesse de Emily não passava de piedade, misturada a uma intensa atração sexual. Como quebrar as barreiras que Rafe tinha construído em volta de si mesmo? Como apagar de sua alma e de seu olhar tristonho aquelas malditas marcas do passado?

A pesquisadora Denise Sousa, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), teve a literatura cor-de-rosa como objeto de estudo de doutorado. Ela vê no gênero um “pacto narrativo” entre autor e leitor. Um contrato assinado com a garantia de que, ao abrir a primeira página, já se sabe que a estrutura será a mesma.

Recai ainda sobre o gênero a discussão sobre o valor da literatura de massa. No caso dos romances de banca, de um lado da balança está a influência sobre questões sociais e comportamentais. Do outro, o incentivo ao hábito da leitura e a formação de um gosto literário.

Nesse aspecto, Denise critica a distância que os meios acadêmico e escolar tomaram dos romances de banca. Locais onde, segundo ela, deveria haver um processo de “mediação e discussão teórica” dessas leituras.

Sabrina #349 (Ardente Sedução — Patricia Wilson)
A lancha balançava suavemente, ancorada diante de uma pequena ilha das Bermudas. Na intimidade da estreita cabine, Thais sentia-se ao mesmo tempo atraída e ameaçada pelo olhar fixo de James Sanderson. O desejo a impelia a atirar-se nos braços dele, mas o orgulho a impedia de revelar o sentimento que guardava no coração. Amava esse homem arrogante e dominador, mas jamais se renderia a suas ousadas exigências.

As coleções, ainda que descontinuadas, encontram hoje nos sebos uma forma de sobrevida. O caráter nostálgico e a alta rotatividade dos volumes é um win-win entre comerciantes e clientes.

Ivete Berri, dona do Sebos Ivete, aponta que a cultura de compra e troca de livros usados mantém vivo o sucesso da coleção. “As mulheres adoram, levam pilhas. Naquela prateleira todo dia tem gente”. Magali Scheidt, proprietária do sebo Sabor das Letras, confirma que, junto com a estante de esotéricos, os romances ainda são o forte do seu negócio.

Jéssica

Enquanto Bianca, Julia e Sabrina sobrevivem de sebo em sebo, uma concorrente de desventuras amorosas surge com histórias mais recentes. Jéssica é uma das coleções da editora canadense Harlequin, que atua no Brasil desde o início dos anos 2000 — e que também publicou romances em parceria com a Nova Cultural.

Segundo dados da Harlequin, que se define como “uma das líderes mundiais na publicação de livros para mulheres”, em todas as suas coleções mais de 110 volumes são publicados por mês, escritos por cerca de 1.300 autores e em 34 línguas diferentes.

A linha Jéssica é descrita pela editora como “homens poderosos que são verdadeiros mestres da sedução e encontram mulheres irresistíveis”.

Assim como suas antecessoras, para conquistar sua outra metade Jéssica passa por obstáculos e provações. Mas faz isso com determinação e coragem, porque sabe que lá pela página 250 o que a espera é um final inevitavelmente feliz.

Leia o perfil de outros livros que representam os sebos do Centro de Florianópolis: negócios, memória e arte. As reportagens fazem parte do projeto “Será que o pessoal não lê?”, que você confere agora.

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