ARTE | O encontro da fotografia e da literatura na obra de Juan Rulfo

Livro de fotografias do escritor mexicano está em sebo de Florianópolis que tem as artes visuais como essência

Portal Tu Dix?!
tudix
4 min readMay 14, 2019

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Por Maria Helena de Pinho

Autorretrato de Juán Rulfo no Nevado de Toluca, um dos mais altos picos do México. | Foto: Juán Rulfo/Museo Amparo

O sebo de Tasso Cláudio Scherer, de 59 anos, é organizado a partir de uma estética diferente dos vizinhos da região histórica do centro de Florianópolis, onde se concentra o comércio de livros usados na cidade. Mais recente, inaugurado em dezembro de 2017, Desterrados é um espaço também voltado para artes que vão além da literatura, sendo a principal delas a fotografia. No segundo piso, inclusive, há uma sala ampla e bem iluminada na qual acontecem oficinas e cursos de artes diversas. Entre as longas paredes cobertas por estantes de madeira crua e quadros, há três mesas centrais no ambiente. Nelas estão expostos alguns livros selecionados, de diferentes temáticas, mas semelhantes na beleza de suas edições e no interesse que despertam nos clientes que os folheiam. É no centro de uma das mesas, de frente para a Rua Tiradentes, que está o livro “100 fotografias”, de Juan Rulfo.

Mesa de livros no sebo Desterrados, em Florianópolis. Abaixo e ao centro, o livro “100 Fotografias” de Juan Rulfo. | Foto: Maria Helena de Pinho

Nascido em 1917, ano em que se iniciava a Revolução Russa e se promulgava a Constituição Mexicana, Juan Nepomuceno Carlos Pérez Rulfo Vizcaíno foi um dos principais escritores do México e dos mais consagrados de língua espanhola, mas de carreira breve na literatura. Em vida, apenas duas obras literárias de Rulfo foram publicadas: Chão em Chamas e Pedro Páramo. A primeira, de 1953, é uma coletânea de contos que retratam as dificuldades socioeconômicas enfrentadas na região semiárida do México, a qual é berço do autor, natural de Sayula, em Jalisco. Mas foi seu único romance, Pedro Páramo, publicado em 1955, que se tornou um grande clássico da literatura mundial e lhe trouxe renome. A história de um jovem em busca do pai, narrada em fragmentos descontínuos por personagens já falecidos, trata-se de uma construção alegórica do país após a Revolução Mexicana e foi uma das precursoras do Realismo Mágico, influenciando escritores como Gabriel García Márquez, principal nome do gênero.

Foi através de Pedro Páramo que Tasso conheceu a obra de Juan Rulfo. Segundo ele, o livro é difícil de se conseguir, mas já teve um exemplar no sebo e o vendeu. O que Tasso não sabia era que, além de escritor, Rulfo também se dedicou à arte de capturar imagens com luz. Descobriu ao ver o livro “100 fotografias”, publicado no Brasil em 2010 pela finada editora Cosac Naify. “Um dia um amigo meu chegou e disse: ‘Olha aqui, Tasso, que maravilha esse livro de fotografia!’. Então, o mesmo escritor é um fotógrafo de mão cheia, entendesse? Um livro lindíssimo. A Susan Sontag [escritora e crítica de arte estadunidense] aqui faz um elogio desse livro, dizendo que Juan Rulfo é o melhor fotógrafo latinoamericano”, conta Tasso, em tom empolgado, enquanto percorre as compridas páginas de cenas em preto e branco.

O livro aberto em fotografias que retratam o cotidiano da população mexicana. | Foto: Maria Helena de Pinho

Como se nota pela grande quantidade de materiais sobre fotografia espalhados pelo sebo Desterrados, o qual tem como slogan “Fotografia, literatura e arte”, o dono Tasso tem uma relação especial com as câmeras. Ele é fotógrafo há cerca de dez anos. Começou a se aventurar nos cliques quando quis registrar o nascimento do último filho e ganhou uma câmera de presente da esposa. A partir daí, conta que se apaixonou. Fez curso técnico no Senac, entrou para a graduação na Univali e continua se aperfeiçoando na arte.

Foto: Maria Helena de Pinho

As cem fotografias de Juán Rulfo, feitas entre os anos 40 e 60, constroem um retrato da terra, das paisagens, das obras arquitetônicas e do cotidiano da população mexicana. Por trás de suas lentes, há o olhar de um menino órfão crescido num abrigo de Guadalajara e tornado um homem que respirou os ares do México com toda a sua paixão. Olhar este que consegue representar visualmente o país de maneira tão sensível quanto o fez com palavras.

Compõem o livro imagens de construções astecas, de igrejas bucólicas, do contraste entre ruínas esquecidas e a gradual modernização das cidades, das montanhas, árvores, cachoeiras e detalhes sutis das paisagens mexicanas. Os personagens são os trabalhadores, as crianças, os idosos, as celebrações e os cemitérios, o povo de Rulfo acompanhado de perto e também visto ao longe como traços em meio a profundidade dos vilarejos. Há ainda retratos delicados de amigos e familiares do fotógrafo, assim como de escritores e artistas com quem conviveu.

O exemplar de “100 fotografias” do sebo Desterrados é o único em Florianópolis cadastrado na plataforma Estante Virtual e custa R$380. Além dele, há dois na cidade de São Paulo e um em Niterói, no Rio de Janeiro. Há também, em São Paulo, cinco exemplares publicados pela editora mexicana RM, especializada em livros de arte e autorizada à publicação tanto das obras de Rulfo quanto de livros que tratam sobre o autor e fotógrafo.

Vídeo: Leo Rey/Youtube

Leia o perfil de outros livros que representam os sebos do Centro de Florianópolis: negócios, memórias e nostalgia. As reportagens fazem parte do projeto “Será que o pessoal não lê?”, que você confere agora.

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