O lago e seu portinho

PortoAlegre.cc
6 min readNov 25, 2014

Muitas cores, sabores e amores no capítulo especial sobre o surgimento do nosso querido cais.

por PortoAlegre.cc

Naquele nevoeiro
Profundo profundo…
Amigo ou amiga,

Quem é que me espera?
Quem é que me espera,
Que ainda me ama,
Parado na beira
Do cais do Outro Mundo?

Amigo ou amiga
Que olhe tão fundo
Que olhe tão fundo em meus olhos
E nada me diga…

Que rosto esquecido…
Ou radiante face
Puro sorriso
De algum novo amor?

"O Cais", Mario Quintana

Arte: Julia Patrucco

Porto dos Casais

O saudoso Quintana retrata em seu poema "O Cais" um momento lírico de encontro no cais de Porto Alegre. A nossa cidade tem uma relação de profunda intimidade com as águas do Guaíba. É por elas que chegavam e partiam amores, cores e sabores. O porto é o local da saudade — quando acenos de adeus parecem eternos — e das novidades, no desembarque que enche nosso peito de expectativa em cada reencontro.

Pintura de 1880, de Athayde D’Ávila

Foi ali, na linha divisória entre os pés na terra firme e a fluidez dos sonhos de uma vida melhor, que os pioneiros portoalegrenses ergueram edificações e trabalharam de sol a sol para construir uma das mais belas capitais brasileiras.

O porto, em qualquer parte do mundo, é um ícone de toda cidade ribeirinha. O porto é o umbigo pelo qual se nutre toda a população. A vitalidade dele é sinal de saúde e prosperidade. O abandono, por outra via, demonstra que algo não vai bem. E aqui, onde o porto dá nome, seu sobrenome é ainda mais forte: é alegria. O estágio mais sublime do bem-estar.

Que bela e árdua tarefa temos, queridos vizinhos, de fazer de nosso lar o que pede seu batismo. A Porto Alegre que amamos ser de novo um porto alegre.

Não é Porto Alegre, mas esta cena é cotidiana por aqui também.

Construção

Durante toda a segunda metade do século XIX (1850–1900), a cidade teve um porto desorganizado, com diversos pontos de atracagem, constituindo um mosaico disforme de trapiches e rampas de acesso.

recepção a Dom Pedro II (1865)

O Cais da Alfândega, com sua murada de pedra, era o local mais estruturado da orla. Em 1865, cidadãos na maior beca, perfilados e protegidos por guarda-chuvas, recepcionaram a embarcação que trazia o imperador Dom Pedro II.

A demanda de melhorias foi sintetizada pelo então intendente Alfredo Augusto Azevedo:

“a construção de um cais na parte do litoral compreendida entre a Cadeia Civil e a Rua Ramiro Barcellos é, a meu ver, uma necessidade palpitante a que devemos atender com solicitude.”

Em 1911, teve início a obra de engenharia. Após dois anos, cerca de 140 metros foram concluídos. O projeto ficou parado até 1919, quando retornaram a mando do Presidente do Estado Borges de Medeiros. O governante deixou o cargo com mais de 1.650 metros de cais construído, contando com 10 armazéns e 22 guindastes elétricos.

Peixe fresco e novidades do mundo

Marco da cidade, a tradicional Feira do Peixe, acontecia à beira do Guaíba, nas proximidades do Mercado Público. A fotografia abaixo é de 1895.

Em 1914, o Plano Geral de Melhoramentos trabalha uma série de melhorias viárias na cidade e implementa, entre outras grandes obras, a criação da Avenida do Porto (atual Av. Mauá) e o Cais Mauá.

Trecho extraído do trabalho de conclusão de Maria Helena Cavalheiro em 2008/2 para o curso de graduação na Faculdade de Arquitetura de UFRGS abordada o modelo conceitual do Cais Mauá.

"Em relação ao Cais Mauá, um dos objetivos de sua construção era inserir na cidade uma nova concepção modernizadora e higienista, baseada numa estética cujo paradigma permeava pelo modelo europeu. Desta forma, o conjunto de aterros, a construção de novas edificações portuárias e a substituição dos inúmeros trapiches particulares por um cais linear passaram a fazer parte de um processo de mudança na fisionomia da capital gaúcha, através de novos padrões de dinamização, higiene e embelezamento."

A arquiteta Celia Ferraz de Souza escreveu a obra Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: o plano que orientou a modernização da cidade. O livro é um excelente repositório para quem quer desvendar um pouco mais sobre esta importante época.

Silvio de Abreu Filho também nos traz um rico material com sua tese de doutorado pela UFRGS entitulado "Porto Alegre como cidade ideal : planos e projetos urbanos para Porto Alegre".

Outro importante registro sobre esse período de transformações pode ser conhecido na dissertação de mestrado de Tais Trevisan, pela Universidade Federal da Bahia (PPG em Arquitetura e Urbanismo).

Tais Trevisan, Salvador (2004)

Nasce assim, um dos recantos mais queridos e visitados da nossa capital: o Cais da Mauá.

A cidade pulsa…

A grande circulação de cargas e pessoas são o combustível perfeito para o desenvolvimento mercantil das cidades. Em Porto Alegre não era diferente. Empresas, comércios, serviços e eventos se instalavam e viviam das oportunidades geradas no cais. A cidade pulsava forte nas margens fortificadas e alinhadas do seu porto.

Cais é sinônimo de movimento. Cais é sinônimo de troca, de intercâmbio, de abertura para o exterior. Cais é por natureza anti-bairrista.

… mas sofre com desconexão e abandono

A importância do cais na vida de Porto Alegre é imensa mas vem perdendo relevância nas últimas décadas. O transporte hidroviário de passageiros foi retomado apenas recentemente com o catamarã e sua linha que liga Guaíba e Porto Alegre. Antes disso estava derrotado pelo trânsito nas estradas.

As famosas regatas são outro ponto a ser reconquistado. Quando ocorrem mobilizam apenas os praticantes mas perderam a capacidade de atrair grandes públicos para as encostas ensolaradas de nosso lago. Temos muito trabalho, queridos vizinhos, para colocar a população de Porto Alegre de mãos dadas com seu majestoso Guaíba.

A enchente de 1941 e a construção do muro da Mauá certamente colaboraram para a cisão do convívio do povo com seu lago.

Os veraneios de outrora já não se repetem hoje em dia afetados pelas águas poluídas. Roupas de banho, botes e crianças felizes foram substituídos por jovens encorajados em limpar a alma da cidade com mutirões cada vez mais recorrentes na orla.

Por outro lado, a orla se revelou como um local único ao proporcionar o reencontro do cidadão com a natureza e vem se consolidando nas últimas décadas como um dos redutos preferidos da população para o lazer, a cultura, o turismo contemplativo e a prática de esportes.

Os fatos históricos, as virtudes e os problemas que geraram a degradação das áreas serão tema de futuras publicações aqui neste canal.

Porto Alegre vista da vizinha Guaíba. Foto da década de 1910. Disponível na fanpage Porto História

Ao assumir o papel de indutor de debates sobre os principais temas de cidade, o PortoAlegre.cc elege a causa da orla do Guaíba e em especial o projeto de revitalização do Cais como o primeiro assunto de interesse público que necessita de esclarecimentos e aprofundamento.

Convidamos a todos para reassumirmos a missão que deu origem ao nosso projeto, sintetizada na frase: “Vamos cuidar da cidade.” É com o coração cheio de carinho, esperança e propósitos que devemos nos colocar no papel de ouvinte, colaborador e cocriador de uma cidade melhor.

Abaixo temos uma imagem de grande inspiração, sobre a qual imprimimos uma de nossas maiores buscas:

Será que perdemos nosso senso de convivência?

Que tal resgatarmos?

O tema da Orla e do Cais são relevantes para você? Compartilhe esta causa com seus amigos.

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