Para onde ele foi?

Era uma vez um gatinho negro de olhos amarelos.

Regiane Folter
Revista Subjetiva

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Hoje, ao menos nesse mundo nosso, esse gatinho só existe em fotos, vídeos de celular e aqui, nessa história de desenhos improvisados. Embora eu acredite que de certa maneira parte dele também exista dentro de mim. Não é verdade que aqueles que amamos vivem em nós?

Então, esse gatinho se foi, mas há pedacinhos dele espalhados por aí. Alguns vão desaparecendo com o tempo; limpamos a casa e apagamos as marcas das patinhas, varremos os pelos que ficaram, guardamos ou doamos os brinquedos que eram dele.

Mas outros pedacinhos, mais invisíveis, permanecem. São o que ele deixou nas pessoas que o conheceram e souberam que ele era o melhor gatinho do mundo.

É difícil para nós, que ficamos, contentar-nos com essas marcas invisíveis, quando lembramos que esse gatinho danado era parte muito concreta da nossa vida, do nosso amor. Era o companheiro número 1 de brincadeiras, de sonecas, de dias bons ou nem tanto.

Se estivesse aqui, agora, eu sei que enquanto escrevo esse texto, ele estaria sentado na mesa, ao lado do computador, cochilando, se lambendo ou miando baixinho para chamar minha atenção.

Mas ele não esteve aqui quando essa história era escrita, ou pelo menos se esteve eu não vi. E talvez essa seja a maior causa de dor quando perdemos quem a gente ama: onde ele está? Ele segue estando, mesmo que não aqui, mesmo que seja em outro plano?

Às vezes imagino esse gatinho negro num mundo sonhado, um lugar lindo, um jardim sempre ensolarado. Posso vê-lo correndo pela grama, mais gordinho, menos sonolento, igualmente dócil e carinhoso enquanto brinca com seus amigos gatunos, outros gatinhos que se foram. Seus donos, se lerem isso, talvez consigam sorrir imaginando o mesmo paraíso.

Mas nem sempre consigo imaginar essa cena feliz de um céu gatuno. Não, às vezes tudo que posso ver e sentir é raiva, culpa, impotência, tristeza. São cenários e ideias cinzentas, e dúvida, muita dúvida. Dói. Afinal, amo esse gatinho e amo assim, no presente, mesmo que meu presente esteja incompleto sem ele, incerto, e muito menos colorido porque a única certeza que tenho é que ele não vai voltar.

Dói. Porque éramos seus donos, os únicos com quem ele podia contar, e não conseguimos salvá-lo. Não captamos o tamanho da sua dor, ao menos não à tempo. Ele se foi, nós ficamos, e nosso castigo é seguir sem ele.

Dói. Mas, de repente, no meio das lágrimas, surge um sorriso do nada. Lembrei de quando ele roubou um pedaço de frango do nosso almoço e se escondeu para deliciá-lo secretamente. Ou de quando, todo saltitante, ele foi parar em cima do armário e não soube como descer. Ou ainda das vezes que adormeceu no meu colo, especialmente naquele último dia em que o que ele mais fez foi dormir. Enfim, penso em tudo que vivemos e aprendemos juntos.

Essas lembranças geram uma dor mais serena dentro de mim, como uma alegria com pontinhos doloridos, mas ainda assim alegre. E quando menos espero, a pressão daqueles sentimentos ruins se abranda. Meu peito se enche de amor, aquele amor brilhante repleto de memórias, risadas e miados. Um amor tão grande que pesa mais que toda aquela tristeza; ao mesmo tempo, é um amor que me deixa mais leve para seguir em frente.

Para onde ele foi? O gatinho ainda existe?

Oras, ele foi para onde todos nós vamos um dia. Não pode ser um lugar ruim, não é?

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Regiane Folter
Revista Subjetiva

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros