Playlist da Terceirização

Ricardo Calazans
5 min readApr 20, 2017

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Sofrimento define boa parte da relação das pessoas com o trabalho no Brasil. Mesmo quando o ofício é aquele dos sonhos, o ambiente corporativo (de empresas caseiras a megacorporações) é capaz de envenenar este encanto. Não importa que estejamos em 2017: o modelo ainda é industrial: várias camadas de gestão, um organograma complexo, quase nenhuma comunicação adequada de cima para baixo entre os setores, e entre chefia e força de trabalho. A escassez de empregos é sempre lembrada, e usada para justificar assédios, abusos e excessos. Não é por outra que, cada vez mais, muita gente planeja abrir um negócio próprio, trabalhar com independência e escapar dessa lógica massacrante.

A música brasileira sempre refletiu esses conflitos. Na Playlist da Terceirização, 12 músicas, gravadas entre 1971 e 2014 (a mais antiga, porém, data de 1950), falam sobre relações de trabalho (1 a 4), desconforto com a vida profissional (5 a 8) e de como mudar tudo (9 a 12).

Sugestão: ouça ao ler este texto: O que resta do trabalho quando futuro e passado colidem bem na nossa frente

Leia também: Há vida após a terceirização? Pergunte a um jornalista, de Marcos Barbosa

#republique

EMBATES (1–4)

Patrões (chefes, gerentes, gestores etc) e empregados (funcionários, colaboradores, “frilas fixos” etc) trabalham no mesmo lugar, mas costumam ter interesses muito diferentes.

1.Vida de operário (Pato Fu, “Gol de Quem?”, 1995)

A vida marvada no século XX. Hoje, esses operários podem ser todos terceirizados (mas “o lucro é do patrão”). >>>> Essa música, da banda punk Excomungados, já tinha sido gravada pela Patife Band em 1987.

“Operários / Saem da fábrica / cansados da exploração / Oito horas, e de pé / E de pé na fila, ônibus lotado / duas horas em pé ou sentado”, mas “o lucro é do patrão”.

2. Não me estrague o dia (Paralamas, “Severino”, 1994)

O não-diálogo entre empregado e patrão sempre foi cruel (adivinhe quem é quem nos versos). >>>> O popular “você pra mim é problema seu”.

“Pedindo aumento / Não estrague o meu dia / Passando fome / Diga que eu não estou

3. Música de trabalho (Legião Urbana, “A Tempestade”, 1996)

Mas um dia a ficha cai e você começa a questionar tudo ao redor.

“Sem trabalho eu não sou nada, não tenho dignidade / Não sinto o meu valor, não tenho identidade / Mas o que eu tenho é só um emprego / E um salário miserável”

4. Despirocar (Apanhador Só, “Antes Que Tu Conte Outra”, 2013)

Fica cada vez mais difícil encarar essa rotina. >>>> Ansiedade e estresse andam em alta. Não tá fácil pra ninguém.

“No bus eu subo afoito, engolindo algum biscoito/ Acotovelo logo uns oito, eu tô cansado e vô sentar / Depois do chacoalhaço, tô no trampo/ E um palhaço mesmo me vendo um bagaço / Já começa a me ordenhar”

LIMITES (5–8)

O desconforto com a vida profissional nos leva a repensar o que diabos estamos fazendo.

5. Rotina (Inocentes, “Pânico em SP”, 1986)

Uma hora a gente pira.>>>> Depressão é um dos males do século e está diretamente associada ao modelo vertical de gestão de trabalho.

“Até quando ele vai agüentar?”

6. Quando eu me aposentar (O Terno, “O Terno”, 2014)

A gente passa a vida sonhando com o fim de semana, o feriado, as férias… Mas sabe que dificilmente vai conseguir parar de trabalhar.>>>> Fora a angústia de não saber como vai se sustentar na velhice.

“A hora de descansar / Que está sempre pra chegar / Quanto falta pra acabar”

7. Eu Demiti Um Amigo (Frank Jorge, “Volume 3”, 2008)

Essa insegurança leva muito sofrimento aos ambientes de trabalho.>>>> Precisamos acabar com os gerentes nas empresas.

“Eu demiti um amigo / Eu era um subordinado / Cumprindo ordens de um desmiolado / Juro que foi dolorido / E agora me sinto culpado”

8. Autodestruição (Autoramas, “Stress, Depressão & Síndrome do Pânico”, 2000)

O nível de confiança em boa parte das empresas é bem baixo. A competitividade como um fim em si não é nada saudável.>>>> Tinha um pessoal assim num lugar em que eu trabalhei.

“Em nome da ambição e da vaidade / E da vontade de passar por cima de quem você bem entender / Fruto de um deslumbramento totalmente equivocado / Atitudes que só vão fazer acontecer / A sua autodestruição / Se meter com gente burra / Sabendo que ela é burra / Porém bem mais poderosa que você”

ANTÍDOTOS (9–12)

Felizmente, há alternativas.

9. Antonico (Gal Costa, “Fa-Tal — Gal a Todo Vapor”, 1971)

É importante tentar formar uma generosa rede de amigos, em que a recomendação (a palavra) seja vista como algo de valor (credibilidade). >>>> Esta é uma regravação do samba que Ismael Silva lançou em 1950.

“É necessário uma viração pra’o Nestor / Que está vivendo em grande dificuldade / Ele está mesmo dançando na corda bamba / Ele é aquele que na escola de samba / Toca cuíca, toca surdo e tamborim / Faça por ele como se fosse por mim”

10. Oriente (Gilberto Gil, “Expresso 2222”, 1972)

E imaginar planos B, C e D para nossas vidas, de acordo com as possibilidades de cada um.

“Considere, rapaz / A possibilidade de ir pro Japão / Num cargueiro do Lloyd / Lavando o porão / Pela curiosidade de ver / Onde o sol se esconde / Vê se compreende / Pela simples razão de que tudo depende / De determinação”

11. O encontro de Lampião com Eike Batista (El Efecto, “Pedras e Sonhos”, 2012)

Nesse embate entre modelos de produção, saber o real valor das coisas é muito importante. >>>> Mais do que audiência, é preciso ter relevância.

“Duas coisas bem distintas / Uma é o preço, outra é o valor / Quem não entende a diferença / Pouco saberá do amor, da vida, da dor, da glória”

12. Campo de batalha (Móveis Coloniais de Acaju, “De lá até Aqui”, 2013)

Entender que você é o ponto de partida de qualquer mudança na sua própria vida é só o primeiro passo. >>>> Mais do que relevância, é preciso ter — e gerar — confiança.

“Sei que vão dizer / Ser impossível / Que outro dia vai nascer /Corrompido / Se todo mundo diz que é assim / Melhor eu inventar um mundo novo / Eu, o campo de batalha sou eu / Nasceu do medo e foi campeão / Verdade não me traz solidão / O amor vem sempre junto”

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