Playlist da Terceirização
Sofrimento define boa parte da relação das pessoas com o trabalho no Brasil. Mesmo quando o ofício é aquele dos sonhos, o ambiente corporativo (de empresas caseiras a megacorporações) é capaz de envenenar este encanto. Não importa que estejamos em 2017: o modelo ainda é industrial: várias camadas de gestão, um organograma complexo, quase nenhuma comunicação adequada de cima para baixo entre os setores, e entre chefia e força de trabalho. A escassez de empregos é sempre lembrada, e usada para justificar assédios, abusos e excessos. Não é por outra que, cada vez mais, muita gente planeja abrir um negócio próprio, trabalhar com independência e escapar dessa lógica massacrante.
A música brasileira sempre refletiu esses conflitos. Na Playlist da Terceirização, 12 músicas, gravadas entre 1971 e 2014 (a mais antiga, porém, data de 1950), falam sobre relações de trabalho (1 a 4), desconforto com a vida profissional (5 a 8) e de como mudar tudo (9 a 12).
Sugestão: ouça ao ler este texto: O que resta do trabalho quando futuro e passado colidem bem na nossa frente
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#republique
EMBATES (1–4)
Patrões (chefes, gerentes, gestores etc) e empregados (funcionários, colaboradores, “frilas fixos” etc) trabalham no mesmo lugar, mas costumam ter interesses muito diferentes.
1.Vida de operário (Pato Fu, “Gol de Quem?”, 1995)
A vida marvada no século XX. Hoje, esses operários podem ser todos terceirizados (mas “o lucro é do patrão”). >>>> Essa música, da banda punk Excomungados, já tinha sido gravada pela Patife Band em 1987.
“Operários / Saem da fábrica / cansados da exploração / Oito horas, e de pé / E de pé na fila, ônibus lotado / duas horas em pé ou sentado”, mas “o lucro é do patrão”.
2. Não me estrague o dia (Paralamas, “Severino”, 1994)
O não-diálogo entre empregado e patrão sempre foi cruel (adivinhe quem é quem nos versos). >>>> O popular “você pra mim é problema seu”.
“Pedindo aumento / Não estrague o meu dia / Passando fome / Diga que eu não estou”
3. Música de trabalho (Legião Urbana, “A Tempestade”, 1996)
Mas um dia a ficha cai e você começa a questionar tudo ao redor.
“Sem trabalho eu não sou nada, não tenho dignidade / Não sinto o meu valor, não tenho identidade / Mas o que eu tenho é só um emprego / E um salário miserável”
4. Despirocar (Apanhador Só, “Antes Que Tu Conte Outra”, 2013)
Fica cada vez mais difícil encarar essa rotina. >>>> Ansiedade e estresse andam em alta. Não tá fácil pra ninguém.
“No bus eu subo afoito, engolindo algum biscoito/ Acotovelo logo uns oito, eu tô cansado e vô sentar / Depois do chacoalhaço, tô no trampo/ E um palhaço mesmo me vendo um bagaço / Já começa a me ordenhar”
LIMITES (5–8)
O desconforto com a vida profissional nos leva a repensar o que diabos estamos fazendo.
5. Rotina (Inocentes, “Pânico em SP”, 1986)
Uma hora a gente pira.>>>> Depressão é um dos males do século e está diretamente associada ao modelo vertical de gestão de trabalho.
“Até quando ele vai agüentar?”
6. Quando eu me aposentar (O Terno, “O Terno”, 2014)
A gente passa a vida sonhando com o fim de semana, o feriado, as férias… Mas sabe que dificilmente vai conseguir parar de trabalhar.>>>> Fora a angústia de não saber como vai se sustentar na velhice.
“A hora de descansar / Que está sempre pra chegar / Quanto falta pra acabar”
7. Eu Demiti Um Amigo (Frank Jorge, “Volume 3”, 2008)
Essa insegurança leva muito sofrimento aos ambientes de trabalho.>>>> Precisamos acabar com os gerentes nas empresas.
“Eu demiti um amigo / Eu era um subordinado / Cumprindo ordens de um desmiolado / Juro que foi dolorido / E agora me sinto culpado”
8. Autodestruição (Autoramas, “Stress, Depressão & Síndrome do Pânico”, 2000)
O nível de confiança em boa parte das empresas é bem baixo. A competitividade como um fim em si não é nada saudável.>>>> Tinha um pessoal assim num lugar em que eu trabalhei.
“Em nome da ambição e da vaidade / E da vontade de passar por cima de quem você bem entender / Fruto de um deslumbramento totalmente equivocado / Atitudes que só vão fazer acontecer / A sua autodestruição / Se meter com gente burra / Sabendo que ela é burra / Porém bem mais poderosa que você”
ANTÍDOTOS (9–12)
Felizmente, há alternativas.
9. Antonico (Gal Costa, “Fa-Tal — Gal a Todo Vapor”, 1971)
É importante tentar formar uma generosa rede de amigos, em que a recomendação (a palavra) seja vista como algo de valor (credibilidade). >>>> Esta é uma regravação do samba que Ismael Silva lançou em 1950.
“É necessário uma viração pra’o Nestor / Que está vivendo em grande dificuldade / Ele está mesmo dançando na corda bamba / Ele é aquele que na escola de samba / Toca cuíca, toca surdo e tamborim / Faça por ele como se fosse por mim”
10. Oriente (Gilberto Gil, “Expresso 2222”, 1972)
E imaginar planos B, C e D para nossas vidas, de acordo com as possibilidades de cada um.
“Considere, rapaz / A possibilidade de ir pro Japão / Num cargueiro do Lloyd / Lavando o porão / Pela curiosidade de ver / Onde o sol se esconde / Vê se compreende / Pela simples razão de que tudo depende / De determinação”
11. O encontro de Lampião com Eike Batista (El Efecto, “Pedras e Sonhos”, 2012)
Nesse embate entre modelos de produção, saber o real valor das coisas é muito importante. >>>> Mais do que audiência, é preciso ter relevância.
“Duas coisas bem distintas / Uma é o preço, outra é o valor / Quem não entende a diferença / Pouco saberá do amor, da vida, da dor, da glória”
12. Campo de batalha (Móveis Coloniais de Acaju, “De lá até Aqui”, 2013)
Entender que você é o ponto de partida de qualquer mudança na sua própria vida é só o primeiro passo. >>>> Mais do que relevância, é preciso ter — e gerar — confiança.
“Sei que vão dizer / Ser impossível / Que outro dia vai nascer /Corrompido / Se todo mundo diz que é assim / Melhor eu inventar um mundo novo / Eu, o campo de batalha sou eu / Nasceu do medo e foi campeão / Verdade não me traz solidão / O amor vem sempre junto”