Incline-se para a dor, por Aaron Swartz

Este post é uma tradução de “Lean into the Pain”, escrito por Aaron Swartz, em sua série de posts “Raw Nerve”, que eu traduzo aqui como “Dedo na Ferida”.

Guilherme Sagas
Medium Brasil
6 min readDec 7, 2015

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Quando você começa a fazer exercícios, um pouco de dor surge. Não uma dor lancinante, como encostar em um fogão quente, mas o bastante para te fazer parar, se você ér daqueles que tenta sempre evitar a dor na sua vida. Mas se você continuar se exercitando… bom, só vai sentir mais dor. Quando você terminar uma sessão de exercício, se realmente tiver se esforçado, deve se sentir cansado e dolorido. Pior ainda no dia seguinte.

Se fosse só isso, provavelmente ninguém faria exercícios, porque não é legal ficar dolorido. Ainda assim, a gente continua se exercitando, porque sabemos que a longo prazo essa dor vai nos tornar mais fortes. Da próxima vez vamos correr mais e levantar pesos maiores antes de sentir dor.

Saber disso faz toda a diferença. A partir daí começamos a ver a dor com uma espécie de prazer. É bom se esforçar, lutar contra a dor e se tornar mais forte. Sinta queimar! É ótimo acordar dolorido no dia seguinte, porque você sabe que é um sinal de que você está ficando mais forte.

Poucas pessoas percebem, mas a dor psicológica funciona da mesma forma. Muita gente trata a dor psicológica como aquele fogão quente: ao começar a pensar em algo que cause medo ou preocupação, rapidamente param de pensar e mudam o foco.

O problema é que os temas mais dolorosos tendem a ser os mais importantes para nós. Eles são os projetos que a gente quer fazer, as relações mais importantes pra nós, as decisões que podem definir nosso futuro, os maiores riscos que corremos. Nós temos medos deles porque sabemos que as apostas são altas, mas se nunca pensarmos nessas questões, não podemos desenvolvê-las.

O executivo Ray Dalio diz:

“O fato de um ser precisar extrapolar seus limites pra evoluir é uma lei fundamental da natureza. Isso é doloroso, mas necessário para ganhar força, seja pra levantar pesos, lidar de frente com seus problemas ou em outro sentido qualquer. A natureza usa a dor pra nos mostrar que estamos nos aproximando ou já ultrapassamos nossos limites de alguma forma. Ao mesmo tempo, criou o processo de nos fortalecer baseado neste ato de ultrapassar o próprios limites. Ganhar força é o processo de adaptação do corpo ou da mente para ir de encontro aos seus próprios limites. Em outras palavras, tanto a dor como a força são resultados desse processo. Quando encontramos dor, estamos em uma importante articulação no nosso processo decisório.”

A sacada é fazer a mudança mental e perceber que a dor não é algo terrível que precisa ser evitada ou adiada, mas um sinal de crescimento, algo pra se saborear e aproveitar. A dor torna você melhor.

Quando você começar a notar algo que causa dor psíquica, vai ficar empolgado, e não com medo. Mais uma chance de ficar mais forte. Vai procurar coisas que te deixavam assustado e confrontá-las de forma consciente, porque este vai ser um meio fácil de conseguir as grandes recompensas do autoaperfeiçoamento. Dalio sugere que você encare cada um como um enigma que ao ser desvendado te leva a uma joia. Se você enfrentar a dor e resolver o enigma, você pode terá a joia.

Quando você começar a sentir a dor psicológica, não recue, incline-se. Incline-se para a dor.

Na área de desenvolvimento ágil de softwares existe um lema: se doer, faça mais vezes.

Por exemplo, imagine que Jane e Joan estão trabalhando juntas num projeto de software. As duas tem uma cópia do código. Jane está tornando a mensagem de erro mais amigável e Joan está adicionando um novo feature. As duas trabalham em suas tarefas por dias seguidos até terminarem. Logo depois elas precisam mesclar as duas novas versões.

Talvez você já tenha vivido isso com documentos de texto. É muito irritante — e quando se trata de desenvolvimento de softwares é muito pior. Então as pessoas normalmente adiam isso. Jane decide mexer mais nas mensagens de erro e Joan decide adicionar mais features antes de mesclar os códigos.

A cada vez que elas adiam a mesclagem, a tarefa se torna maior e mais difícil, mas em algum momento vão precisar fazer. Quando elas decidem fazer, a tarefa demora dias, num processo árduo e doloroso. Isso faz com que as duas queiram adiar mais da próxima vez.

O método ágil busca o oposto: mesclar é complicado, então vamos fazer mais vezes. Ao invés de a cada duas semanas, todos os dias ou a cada hora. Mesmo que Joan e Jane não estejam próximas de finalizar suas tarefas, elas vão mesclar o que está pronto no momento. Esse processo fica pequeno e tão fácil, que elas nem devem notar.

O mesmo princípio se aplica a todos os desenvolvimentos de softwares: da fase de testes até a publicação, a inclinação natural é adiar as tarefas difíceis, quando na verdade fazê-las com mais frequência é mais fácil.

E eu não acho que esse pensamento se limita à produção de softwares. Talvez pudesse ser aplicado mesmo se, por uma razão bizarra, você fosse obrigado a tocar um fogão quente por uma hora. Procrastinar e adiar até que você não tivesse nenhuma alternativa além de deixar sua mão no fogão por uma hora sem parar seria muito doloroso. Mas se você tocasse um pouquinho e muitas vezes, até que o total somado fosse uma hora, não seria tão mau assim.

De todos os truques sobre autoaperfeiçoamento que eu aprendi, esse é de longe o mais surpreendente, e o mais impactante. Eu passei a maior parte da minha vida encurralado pelos meus talentos. Eu sabia que tinha forças e fraquezas, e parecia óbvio procurar trabalhos que fossem alinhados às minhas forças. Parecia muito estranho encontrar um trabalho que expusesse minhas fraquezas.

Com certeza, existiam coisas nesse trabalho em que eu achava que podia ser melhor, mas elas estavam muito distantes. E como havia muito mais coisas nas quais eu era muito bom, pensava: Por que não continuar fazendo apenas essas? Claro que eu sabia que podia melhorar em outras coisas, mas parecia não valer a pena a dor de tentar.

Eu aprendi a não me esconder das verdades duras, então eu literalmente tivesse essa conversa comigo mesmo: “Sim, eu sei: se eu fosse um vendedor melhor (por exemplo), seria melhor pra mim. Mas olha o quanto eu odeio esse momento de vender… só de pensar nisso eu quero correr e me esconder. Com certeza, seria ótimo se eu pudesse vencer isso, mas toda essa dor valeria a pena?”.

Hoje eu percebo que esse é um argumento falso. Não é que a dor é tão terrível que me faz fugir, é que a importância do assunto pra mim dispara uma reação de ansiedade e stress no meu cérebro. Se ao invés de encarar com um medo, eu pensasse como uma oportunidade empolgante de melhorar, isso deixa de se tornar uma análise de custo-benefício: os dois lados são benéficos — eu ganho os benefícios de ser um bom vendedor e a satisfação de ficar melhor em algo específico.

Ao fazer isso repetidas vezes, sua perspectiva sobre a vida começa a mudar. Não há mais um mundo assustador lá fora, mas um mundo empolgante e cheio de aventuras disponíveis.

Mas combater algo tão grande assim é super assustador. É muito melhor escolher algo pequeno pra começar. Pense em uma coisa em que você tem evitado pensar — uma relação difícil, um problema no trabalho, alguma coisa na sua to-do list que tem sido evitada. Reflita sobre isso, sem se importar com a dor ou a ansiedade que trouxer, e deixe sua mente se acostumar com a ideia. Tente perceber que pensar sobre isso é doloroso e se parabenize por conseguir dar esse primeiro passo. Sinta seu objetivo ficar menos doloroso com o tempo.

Dê um tempo pra você, mas quando se sentir preparado, volte a pensar. Você vai notar que o tema vai te trazer cada vez menos ansiedade e percebe como pode sentir-se bem só de saber que está começando de algum lugar.

Da próxima vez que você notar uma ponta desse sentimento lá dentro da sua cabeça pedindo pra você fugir, ignore. Incline-se para dor. Você vai ficar feliz de ter feito isso.

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