Dizem que o camelo é o cavalo que foi projetado por um comitê
O camelo é mais eficiente, resistente, inteligente e corajoso que um cavalo, porém não é uma cavalgadura das mais bonitas.
O artigo do Marcelo Furtado afirma que no Brasil é melhor ser um “camelo” do que um “unicórnio”. Para quem não sabe, “unicórnio” é o termo usado para empresas que atingem uma valorização de mais de 40 milhões de dólares em um prazo de 3 a 5 anos a partir da sua criação sem abrir capital na bolsa de valores (pense em empresas como Uber, AirBnB e etc). A maioria dos unicórnios nasce no Vale do Silício e raramente surge algum fora dos EUA.
A metáfora do camelo é perfeita por que no Brasil os executivos adoram um consenso (quer dizer, essa é minha sugestão, vamos marcar uma reunião para decidir). É o país do comitê, do cartório, do carimbo, da reunião e do responder email com cópia para todos e mais alguns. Aqui você precisa ser muito melhor e mais eficiente e não importa quantas cirurgias plásticas você faça seu camelo nunca vai ser tão bonito quanto um unicórnio.
A alegoria do deserto também é ótima para um país que está entre os últimos no ranking mundial de liberdade econômica (e continua caindo).
Frequentando ambientes como Hackathons, Demo Days, lojas do Starbucks e filas para receber o seguro desemprego — locais onde abundam “startupeiros” tupiniquins — podemos afirmar com orgulho que nosso deserto econômico tem sido o ambiente ideal para a reprodução de criaturas como serpentes, escorpiões, lacraias e outros bichos tão adaptados quanto os camelos. A população parece cada vez maior.
Aqui em São Paulo, se chacoalhar uma árvore caem 2 founders e 8 mentores. Os founders querem fazer parceria (a parceria da galinha com o porco no desjejum norte-americano: eles entram com os ovos e você entra com o bacon). Os mentores querem “mentorar”, um verbo novo que significa vomitar prescrições coletadas de fontes como CEOs de unicórnios, TED talks, livros de auto-ajuda e em conversas de boteco com outros mentores.
Tem esse cara que é o exemplo típico, vamos chamá-lo de Fernando Montana (nome fictício para proteger os inocentes). Talvez você conheça alguém assim, que está sempre a um passo de criar o próximo unicórnio made in Brazil. Fernando é a encarnação viva do entusiasmo, não tem como ficar deprimido perto desse cara. É figurinha carimbada em todos os eventos de empreendedorismo e inovação, algumas vezes até consegue ser jurado em algum concurso ou palestrante em algum evento. É aquele cara que chega de terno, gravata e skate. Em seus perfis nas redes sociais usa o nome “Fernando Montana Coaching”. Com uma segurança inabalável e animação contagiante ele consegue agendar reuniões com autoridades importantes e altos executivos de grandes multinacionais, tem o cartão de visitas de todo mundo. Frequenta as mais exclusivas “baladas”, os melhores “picos”. Veste-se como um ator de hollywood e posta selfies dignas de uma celebridade millennial. Não raro consegue convencer alguém a dar-lhe recursos para participar de algum dos seus esquemas. Conheci esse sujeito na FIESP, nas reuniões de voluntários para a organização da terceira e quarta edições do Hackathon.
Embora projete a imagem de quem está prestes a se tornar o próximo Mark Zuckerberg, Fernando é um completo idiota que mora com os pais e nunca fez nada parecido com trabalho de verdade: é todo forma sem nenhuma substância. Como 99% dos startupeiros tupiniquins ele é apenas um parasita profissional. Qualquer um que critique o seu estilo de vida infantil ou questione a sua falta de resultados é um invejoso ou é “porque não tem visão”.
Com um ambiente árido para negócios e um ecossistema cheio de farsantes, alguém ainda se admira da falta de unicórnios sendo paridos no Brasil?