Adão conversa com seu filho Camilo, de 10 anos. Ele também é pai de Olívia, de 11.

Amigos da Argentina se sentem seguros com medidas do governo

Quem já está acostumado a trabalhar em casa, sente menos a quarentena

Sílvia Marcuzzo
7 min readApr 13, 2020

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Vamos saber como estão amigos da Argentina, duas pessoas que vivem em distintas cidades. Adão Iturrusgarai, meu amigo de infância, que reside no interior e Eduardo Baró, companheiro da amiga jornalista Gisele Teixeira, morador de Buenos Aires. Este é o quinto texto que posto com impressões de amigos pelo mundo afora de como estão encarando a quarentena, sobre a situação de seus países (abaixo seguem os links para os outros). E o interessante é ver como a evolução do Covid-19 afeta de formas completamente diferentes os países. Tudo depende do governos, de como cada um encara as dificuldades, entre outros fatores. Há pessoas, inclusive, que não quiseram dar seu testemunho sobre o seu contexto.

Adão em Madri. Créditos Edgar Marques.

O Adãozinho é um dos ilustres conterrâneos vivos de Cachoeira — não posso deixar de lembrar do filme O cidadão ilustre, pois tem tudo a ver com o Adão e a nossa terra. Cresci convivendo com suas peripécias, até hoje lembro da mãe, Marila, chamando “Adaozinhooooooo” no muro entre a casa da vó dele e da minha. Enfim, acompanho o Adão desde quando ele desenhava na calçada da nossa quadra. A primeira vez que fui à São Paulo sozinha, fui visitar o Adão. Enfim, hoje ele é um artista, escritor, cartunista bem sucedido, enfim, um cara fora da curva, que sei o quanto ralou para chegar onde está.

Adão mora em um vilarejo a 25km de Córdoba com a família, a esposa e dois filhos. Confessa que se sente “orgulhoso” de viver lá e ver como o país está atuando diante da situação. “Não sabemos quando isso vai acabar, mas acredito que vamos nos recuperar”. Eis o relato do Adão:

Vista que o Adão tem a partir de sua casa.

“O governo argentino tem sido bastante rigoroso no combate à pandemia. Eu estava em Porto Alegre trabalhando quando vi na televisão que a Argentina tinha fechado suas fronteiras. E eu tinha vôo no dia seguinte. Fiquei bastante tenso, mas consegui embarcar porque sou residente, pois brasileiros foram impedidos de embarcar.
Cheguei no aeroporto de Buenos Aires e eles haviam organizado uma operação de guerra. As pessoas não podiam se aproximar a menos de dois metros e tinham câmeras de detecção de temperatura corporal. Fiquei ainda mais tenso porque junto com meu voo vinham outros de Estados Unidos, Itália e Espanha.

Adão mostra que até os graxains voltaram a frequentar o pátio com a quarentena.

Em Córdoba, no aeroporto, me avisaram que eu tinha que ficar 14 dias de quarentena porque estava chegando de áreas de risco. Em casa, fiquei afastado da família, em um quarto dos fundos, durante todos esses dias. Tomando cuidado em não encostar em ninguém e onde encostava.

Em uma semana aconteceu algo que me deixou impressionado: me ligaram da prefeitura e me fizeram várias perguntas sobre a quarentena e possíveis sintomas.Passaram 14 dias, e por sorte, não tive qualquer sintoma. Fiquei mais tranquilo, de vez em quando, vou ao supermercado ou a algum lugar para fazer alguma compra essencial.

Diferentemente do Brasil, as pessoas têm se cuidado muito na rua.Supermercados têm um limite de clientes e algumas lojas você é atendido do lado de fora e a fila respeita o limite de dois metros. O presidente Alberto Fernández anunciou que a quarentena será estendida até o fim de abril. Eles estão preocupados porque sabemos que a Argentina tem uma economia muito frágil. Mas as medidas rigorosas já estão surtindo efeito.

Me sinto privilegiado porque moro em uma casa espaçosa e com um pátio enorme. Então minha vida pouco mudou. Caminho todos os dias no pátio e trabalho na garagem. Meus filhos têm recebido lição de casa por e-mail e ainda não há previsão de volta às aulas. O presidente foi categórico nesse ponto: eles podem esperar. Temos que proteger nossas crianças. Meus filhos têm gostado da quarentena porque brincam em casa e não precisam ir à escola”.

Studio do Adão, colorido de cima a baixo.

O Adão prepara suas obras em casa há muitos anos, está cheio de trabalhos em andamento. Faz quadrinhos pra Folha de S. Paulo que saem todos os dias e colabora pra outros veículos também. Além disso, ele está elaborando 13 episódios de Rocky e Hudson e Aline pela Otto Desenhos para o Canal Brasil. E ainda estão no prelo dois livros sobre suas memórias e preparativos para novas exposições.

Eduardo de máscara quando foi tomar vacina e brincando com seu gato Polaco no terraço da sua casa.

o arquiteto Eduardo Baró, mora em Buenos Aires e também trabalha em casa. Ele tem oferecido seus serviços por email e não se aperta diante do mundo digital. O relato de Edu, como é chamado, evidencia o quanto a serenidade e o ato de se cuidar são essenciais neste momento. Ele tem 67 anos e sabe o quanto a responsabilidade de suas escolhas é que definem o seu futuro.

Edu faz exercícios todos os dias.

“Estou na quarentena sozinho, com dois gatos, Tita e Polaco. Estou no grupo de risco, só faço compras online. Sai para me vacinar e fui de bicicleta, com mascara na boca e outra para o rosto feita com PET de uma garrafa de água mineral. Comecei a fazer aulas de ioga, quase todos os dias pela manhã. Também faço uns exercícios de Chi kung à tarde. Caminho no terraço, cinco ou sete mil passos. Estou emagrecendo.

Nas terças temos reunião de duas horas e meia com um grupo de trabalho corporal e meditação que tinha começado na primeira semana de março. Tenho dedicado muito tempo à limpeza, a cozinhar, lavar roupas, preparar alimentos para o freezer. Tenho feito receitas de pão sem levadura, com fermentos naturais, chapati etc.

O que mais mudou foi o tempo dedicado a conversar com amigos, parentes, afetos. Passei meu aniversário sozinho, minha família ligou e cantaram o parabéns. Preparei um micro bolo para mim. Fiz alguns consertos na casa, nos armários do quarto e na cozinha, tenho uma lista de pendências, pintura, eletricidade, marcenaria.

No dia 24 de março lembramos da ditadura militar de 1976 e recordamos as 30 mil vítimas do terrorismo de estado pendurando lenços brancos nas sacadas.

Todos os dias às 20h30 batemos palmas para os profissionais da saúde publica.

Comecei a organizar minha coleção de fotos estereoscópicas do meu avô, algumas têm mais de cem anos e mostram uma Buenos Aires que não existe mais. Voltei a escrever meu diário e uma breve autobiografia. Tenho muitos textos sobre a história da família para corrigir e editar, assim como poesia, acumulada ao longo dos anos.

O governo está trabalhando muito bem. Organizou o isolamento social, começou a preparar e terminar hospitais, redes de contenção para os mais pobres, a informação oficial é muito respeitada e baseada no time de cientistas que diariamente organizam a luta contra a pandemia. A estratégia esta dando certo e a curva de mortos e infectados esta ainda na “zona de conforto” e melhorando, dando tempo. O governo preparou um APP de controle para ter no celular para todas as pessoas que voltaram do exterior, outro para concentrar a informação médica e de saúde. O presidente é professor universitário de Direito e aparece nas coletivas com gráficos, dando aula como se estivesse na faculdade, sua aprovação é superior a 85 %. Ele falou que na Argentina voltamos de muitas crises econômicas, mas da morte, não se retorna. Saúde acima de tudo.

Registro de confraternização de um aniversário que Edu participou.

O mundo depois da quarentena vai ser muito diferente, tomara que seja melhor, com mais cuidado pelo meio ambiente e pelo ser humano, pela inclusão dos mais fracos, mais respeito para as pessoas que cuidam da saúde e menos para a burocracia e pessoas socialmente improdutivas.

Comecei essa série sem saber quando vai terminar. Conversar com amigos distantes tem servido para me dar por conta de como somos privilegiados. Este momento está sendo precioso para nos darmos conta do quanto estamos interligados na mesma história, mesmo habitando em lugares tão distantes. Confira os outros textos, compartilhe e escreva o que achou.

  1. Itália e China, com Helenita e Helinton Melo.
  2. Alemanha, com Raquel Machado, Alexandre dos Santos e Philipp Stumpe.
  3. Groelândia e Dinamarca, com Juaannguaq Broberg e Garba Gialo.
  4. Canadá e Estados Unidos, com Carla e Edison Reis, Carla Rigon e Fernanda Todeschini.

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