Por que o marxismo atrai os cristãos? Part.2 Utopia Marxista

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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10 min readDec 18, 2018
Comunismo é uma festa!

Continuando o argumento do último texto, o segundo grande fator que atrai cristãos e incautos em geral, é a utopia marxista. O termo utopia vem do grego: οὐ (“não”) e τόπος (“lugar”) e significa “não-lugar”, e descreve estritamente qualquer sociedade inexistente “descrita em detalhes consideráveis”. Foi cunhado por Sir Thomas More no seu livro de 1516, esse termo significa hoje, a descrição de uma sociedade inexistente que parece ser consideravelmente melhor do que a sociedade atual[1].

Marx propõe uma utopia que tem em seu cerne a liberdade e a igualdade entre os seres humanos. Marx enxerga o motor da história, definindo que, “a historia de todas as sociedades existentes até hoje é a história da luta de classes.”[2], esse motor guia a história através do processo dialético. Marx quer a liberação das amarras originadas pela sociedade opressora, essa opressão é promovida pela burguesia capitalista, que detêm os meios de produção. Marx enxerga essa tomada dos meios de produção feita pelos burgueses, como uma redução do próprio ser humano, sem esses meios de trabalho, o homem é alienado da natureza e de si próprio. Para resolver esse problema, Marx quer promover uma revolução através do proletariado, que retomará os meios de produção, liderará uma ditadura e por fim, acabará com as classes sociais. Marx enxerga que este povo escolhido, instaurará a igualdade e o fim das mazelas humanas, em suas palavras:

“Junto com o número cada vez menor dos magnatas do capital, que usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, cresce a miséria, a opressão, a escravidão, a degradação, a exploração, mas com isso também cresce a revolta da classe trabalhadora, uma classe sempre crescente em números e disciplinada, unidos organizados pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista em si. O monopólio do capital torna-se um obstáculo ao modo de produção, que brotou e floresceu junto com, e sob ele. os meios de produção e a socialização do trabalho enfim chegam a um ponto em que se tornam incompatíveis com o seu tegumento capitalista. Este tegumento se rompe. O toque da propriedade capitalista soa. Os expropriadores são expropriados. O modo de apropriação capitalista, o resultado de o modo de produção capitalista, produz a propriedade privada capitalista, é a primeira negação da propriedade privada individual , como fundada no trabalho do proprietário. Mas a produção capitalista gera, com a inexorabilidade de uma lei da natureza, sua própria negação. É a negação da negação ‘’[3].

Aqui está a visão de Marx do futuro do capitalismo. O embate entre classes sociais distintas, faz com que elas entrem em choque, resultando em novos embates, até o embate final entre proletários e burgueses. De um lado o processo dialético dentro do sistema capitalista traria inevitavelmente o colapso do sistema, do outro lado, a luta de classes chegaria ao seu clímax e o proletariado se levantaria em revolução contra os burgueses.Marx de forma nenhuma deixa quando aconteceria esse processo, mas tinha certeza que ele se daria em um futuro próximo.

Após o eschaton marxista, uma nova sociedade igualitária emergiria, nela deveria haver o fim aos conflitos de classes, uma vez que, na expectativa de Marx, o proletariado não se limita a substituir a burguesia, mas elimina a si mesma e sua oposição. Sua sociedade utópica possui algumas características: Acaba com a propriedade privada capitalista, sendo substituída pela propriedade individual, a eliminação do estado, levando ao fim o conflito entre os indivíduos[4], a abolição da divisão do trabalho[5], o desenvolvimento máximo de todo o potencial em cada pessoa[6], a reconquista pelo homem de sua verdadeira natureza que havia sido prejudicada pela alienação do sistema capitalista[7] e finalmente, a plena humanização do homem[8].

Na visão utópica de Marx, o homem, assim liberto de suas cadeias, livre da tirania das forças produtivas e das relações escravizadoras, se tornará não só homem plenamente individual, homem restaurado e homem social, mas também homem universal. Marx explica sua visão:

“A base como a possibilidade do desenvolvimento universal dos indivíduos; o desenvolvimento real dos indivíduos a partir desta base como a abolição constante de cada limitação concebida como uma limitação e não como um limite sagrado. A universalidade do indivíduo não como pensamento ou imaginário , mas como a universalidade de seus relacionamentos reais e ideais. O homem, portanto, torna-se capaz de compreender sua própria história como um processo e conceber a natureza (envolvendo também o controle prático sobre ela) e seu próprio corpo real “[9].

Essa linda imagem utópica criada por Marx, esconde um erro(dos muitos do marxismo), o filósofo pretende promover uma transformação ontológica do ser humano, através de causas materiais, ou seja, ele quer mudar a natureza humana através da abolição das classes sociais. O povo escolhido marxista, o proletariado, seria o grupo que através da destruição do capital e das classes, transformaria todos os seres humanos. O que Marx faz é secularizar a promessa escrita pelo Ap.Paulo, ter o seu ser transformado e livre das amarras do pecado, isso somente ocorre devido ao ser humano se tornar uma nova criação(1co.15.35–57; 2co.5.17). Nesse processo a uma descontinuidade, de velha criatura para nova criação, sendo impossível ao homem mudar sua própria natureza, porém, é exatamente o que Marx promete, a mudança proposta pelo cristianismo, sem que haja uma transformação do homem. Sua visão é muito parecida com as consequências do reino de Deus vindouro, apresentado por Jesus. Nele Jesus promete que no reino vindouro, não haverá mais a natureza pecaminosa, logo, acompanhasse o fim da morte,da dor e do sofrimento (Ap.21), por isso será o paraíso, pois as antigas criaturas, os filhos de Adão, nascidas do pecado, serão modificadas ontologicamente, um novo ser será gerado. O que Marx quer fazer é insano, pois seria como um porco, que foi morar em um lindo jardim, sem lama ou sujeira, mas o porco continuaria almejando sua antiga morada, não importa que sua casa agora seja uma mansão ou um casebre, um porco sempre será um porco.

2.6 milhões de bolívares para comprar um rolo de papel higiênico na Venezuela

Na descrição de sua utopia, Marx põe seu pensamento não como uma ciência, ou uma simples análise sociológica da sociedade, mas uma religião, mesmo ele afirmando que sua análise era científica.Na questão do estado vindouro utópico sem classes, é possível traçar paralelos religiosos ao marxismo, assim alguns autores classificam o marxismo, como descreve Schumpeter:

Em um sentido importante, o marxismo é uma religião. Para o crente apresenta, primeiro, um sistema de fins últimos que incorporam o sentido da vida e são padrões absolutos pelos quais julgar eventos e ações; e, em segundo lugar, um guia para esses fins que implica um plano de salvação e a indicação do mal do qual a humanidade, ou uma seção escolhida da humanidade, deve ser salva. Chame a religião marxista de falsificação, se quiser, ou de uma caricatura de fé — há muito a ser dito sobre essa visão -, mas não ignore nem deixe de admirar a grandeza da realização(...) Karl Marx era um profeta, ele nunca ensinou nenhum ideal “como definido por ele mesmo”. Como todo verdadeiro profeta se autodenomina o humilde porta-voz de sua divindade, Marx não pretendia mais do que falar a lógica do “processo dialético”.[10]

MacIntyre vai além, e descreve o marxismo como uma heresia cristã, “(O marxismo)não está (…) em uma relação de antagonismo frontal com o cristianismo, mas — precisamente porque é uma transformação secularizada da teologia cristã que Hegel havia feito — tem muitas das características de uma heresia cristã”[11]. Logo o marxismo é uma religião secular, uma heresia cristã, que se utiliza de uma narrativa de salvação, substituindo o sacrifício de Cristo, pelo do proletariado, sendo Marx o profeta que veio despertar esse povo para sua libertação.

Muitos cristãos e não-religiosos não sabem disso, somente conhecem uma visão inocente que visa liberdade e igualdade, numa sociedade sem classes, o que se revela atraente a ambos, pois trás sentido ao mundo caótico e uma direção para um bem comum, como dito pelo escrito marxista Eduardo Galeano:

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Eduardo Galeano citando Fernando Birri

Essa visão “romântica” de Galeano, do que é a utopia está no imaginário comum, a utopia não como um lugar à chegar, mas um alvo para se alcançar alguma transformação social, esse belo horizonte acaba escondendo os reais perigos de tal proposta, como explica o professor Francisco Razzo:

No imaginário político de um militante seduzido pela ciência da práxis revolucionária, o homem que ele pretende retirar da miséria material produzida pela suposta alienação econômica na qual está imerso — devido a forças ocultas da história que ele não enxerga, e para isso depende do intelectual privilegiado — não existe enquanto pessoa, isto é, não existe enquanto sujeito real capaz de conduzir e responder pela própria vida. Ele lida, pelo contrário, com um homem imaginário, ideal e arquetípico. Em outras palavras, lida com uma categoria teórica. Por esta razão, a morte não passa de mera estatística, e a vida pessoal, um epifenômeno da teoria.[12]

Os revolucionários marxistas não sabem para onde estão indo, nisso projetam um horizonte utópico e isso os norteia para o que eles acreditam ser o paraíso, entretanto, a história tem revelado que seus passos o levam diretamente para o inferno. O que militantes, ideólogos e simpatizantes marxistas acabam fazendo é tentar salvar um ideal humano criado, não o homem real, não promovem uma verdadeira liberação do homem comum, para que possa viver da forma como ele deseja, diferentemente disso, eles querem o controle à qualquer custo, salvar o homem comum de seu destino de opressão, mesmo que ele não esteja oprimido ou não queira. Logo, mortes por inanição, assassinatos, genocídios, são lugar comum em regimes socialistas, pois eles tem o ideal salvífico projetado em suas mentes, restando à realidade se conformar a essa visão.

Millôr Fernandes, deixou bem explicitado,“O comunismo é uma espécie de alfaiate que quando a roupa não fica boa faz alterações no cliente.”, ou seja, o marxismo tenta mascarar a realidade, projetando um ideal perfeito unificador, entretanto, quando isso não é atingido, como no caso do Homolodor[13] na Ucrânia, onde entre 3.9 e 10 milhões de pessoas morreram de fome ou na Venezuela onde não se encontra papel higiênico e quando se encontra um, custa cerca de 2.6 milhões de bolívares por um rolo[14]. Tudo isso são pequenos efeitos colaterais, comparados as benesses trazidas pelo futuro utópico.

Criança desnutrida durante o Holodomor, 1933. Créditos: Gareth Richard Vaughan Jones.

Diferentemente da utopia marxista que pensa alcançar o paraíso na terra, através de mãos humanas, os cristãos tem um topos, um lugar, entendendo que suas ações não trarão o Reino, mesmo que Jesus conclame a pedir que o Reino venha (mt.6.10),ele sabe que sua vinda está totalmente a cargo do seu criador, suas ações glorificam a Deus(mt.5.16), trazendo modificações na terra.

O cristão entende que o reino dos céus está nele (Lc.17.21),não em sua plenitude, sendo revelado através de ações de amor no aqui e agora, e aguarda o reino completo, no além e depois. Quando na história, a ordem de expectativa foi adulterada, quer dizer, ao invés de esperar o reino, houve a tentativa de trazê-lo à força, seu saldo foi desastroso, como no caso da cidade de Münster[15], “Os cristãos ortodoxos sempre advertiram que tomar literalmente o Reino de Deus na Terra, o que o falecido teórico ortodoxo-cristão Erich Voegelin chamou de “imanetização do eschaton” — trazer o eschaton à terra — está fadado a criar sérios problemas sociais.”[16]

Não esperamos um reino humano de paz, mas o príncipe da paz que trará seu reino. Somente aquele que veio do alto e promete mudar a natureza humana pecaminosa, pode fazer isso. Por isso cristãos não podem ser levados por doutrinas, que prometem um reino de Deus na terra, que entregam na realidade o reino de satanás, com o seu salario de morte,terror e destruição.Logo, alerta e constante vigilancia para que não sejamos enganados com tais ideologias, mesmo não havendo mais união soviética, a ideologia ainda está viva,em Cuba, Venezuela, Coreia do Norte e China, mesmo que não na glória de seus áureos dias, por isso devemos estar em alerta, como diz Kolakowski, “A condição social que alimentou e fez uso dessa ideologia ainda pode reviver; talvez — quem sabe? O vírus está dormente, esperando a próxima oportunidade. Sonhos sobre a sociedade perfeita pertencem aos estoques duradouros de nossa civilização.”[17]

Leia a parte I, sobre a práxis marxista

BIBLIOGRAFIA

[1]Lyman Tower, Sargent (2005). Rüsen, Jörn; Fehr, Michael; Reiger, Thomas W., eds. The Necessity of Utopian Thinking: A Cross-National Perspective. Thinking Utopia: Steps Into Other Worlds (Report). New York, USA: Berghahn Books. p. 11

[2]MARX, K e ENGELS, F. Manifesto Comunista. 1848,p.40

[3]K. MARX. Capital Vol. I.p.788–789

[4] K. MARX, Critique of the Gotha Programme. Basic writings, p.119

[5] K. MARX e F. ENGELS, The German Ideology, Basic Writings, p.254

[6] Grundrisse III, 2 notebook VII.Citado em L. Kolakowski I.p.349

[7] Economic and Philosophic Manuscripts, 1844, Writings of the Young Marx, p.304.

[8] Ibid, p.lll

[9] K. MARX, Grundrisse, citação em: D. McLellan, The Thought of KarlMarx: An Introduction, p.76

[10] J.SCHUMPETER. Capitalismo, Socialismo e Democracia.

[11] A.MACINTYRE. Marxismo y cristianismo.2007.p.10

[12]F.RAZZO. A imaginação totalitária(recurso eletrônico),2016

[13] https://en.wikipedia.org/wiki/Holodomor

[14] https://www.dn.pt/galerias/fotos/globo/interior/26-milhoes-de-bolivares-por-um-rolo-de-papel-higienico-a-hiper-inflacao-na-venezuela-9741752.html

[15] https://mises.org/library/karl-marx-religious-eschatologist

[16] Ibid.

[17]KOLAKOWSKI,L.Main currents of marxism.2005.p.6

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2