Aborto: o embrião é um indivíduo?

T. Brum
41 min readDec 28, 2022

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Na presente obra pretendo, dentro de algumas poucas linhas, apresentar as razões pelas quais um humano, desde sua concepção como Zigoto, já é um ser Indivíduo ontologicamente e biologicamente. Em que a consequência direta disso é a de que ele já é dotado de Direitos como todo e qualquer humano.

Dessa maneira, servirá de reforço ao meu primeiro texto sobre o assunto — à saber, Um Visão Libertária do Abortoem especial o segmento “O feto é um indivíduo?”.

Não pretendo, contudo, retomar a argumentação utilitária, e nem mesmo ponderar sobre a possibilidade do Expulsionismo (Teoria de Walter Block). Pois a primeira já foi muito bem apresentada e fundamentada no primeiro texto e a segunda já foi avaliada em outro texto meu chamado Ponderações sobre o Expulsionismo. Tal qual, não pretendo levar luz às questões relacionadas à saúde da mulher, ou seja, os sérios riscos do aborto e as suas consequências nesse âmbito, pois pretendo escrever um texto separado apenas para isso.

Por fim, a base central de minha análise parte do livro A Alma do Embrião Humano do Padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, sendo dele todo o crédito das argumentações ontológicas aqui replicadas e também de boa parte dos argumentos biológicos.

O QUE DEFINE UM INDIVÍDUO

Em minha primeira obra eu defini o indivíduo como:

Primeiramente, no que tange a filosofia, o atributo do ser vivo reside no fato de ele ser capaz de uma atividade que parte dele próprio, ele age, e tende a aperfeiçoar o próprio sujeito, ou seja, o indivíduo é um ser dotado de razão, de vontade, e que sabe que age, que adquire conhecimento e evolui como ser, assim ele é um humano. (BRUM, 2020).

Citei, e retomo a citação, de Boécio: o indivíduo é a “substância individual de natureza racional”. E reforço com as ponderações do Padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, embasado em Santo Tomás de Aquino, que afirma que: “É a presença da alma racional ou espiritual que faz do embrião uma pessoa. Antes da animação, o embrião não é uma pessoa” (CRUZ, 2022; p.266–267). Afirma Sócrates: “O homem é essencialmente a sua alma, que se serve de um corpo” (CRUZ, 2022; p.32). Para Aristóteles a vida é capacidade de se nutrir por si, de crescer e de perecer; e a alma é a forma de um corpo natural que tem vida em potência e não é separável do corpo (CRUZ, 2022; p.43) e sendo a Alma a Forma do corpo, então quer dizer que é sua causa primária, não podendo reencarnar em outros corpos ou mesmo mudar de corpo à vontade (CRUZ, 2022; p.47). Como reforço da impossibilidade da separação de Alma e Corpo, afirma Santo Irineu (130–202), que se isso fosse possível nós teríamos memórias do que se passou antes, pois o corpo não seira capaz de eliminá-las (CRUZ, 2022; p.70) — sobre a Imaterialidade da Menta/Alma veremos mais à frente.

Portanto, o que define a indivíduo é sua Alma Racional, ou como muitos afirmam, não totalmente certos (por não serem exatamente a mesma coisa), a sua Mente — em suma, sua capacidade potencial para uso da Razão, eu diria. E quando digo, refiro-me antes de tudo, à uma capacidade ontologicamente comum. Assim, concordo com Aquino que é a presença da Razão que define o que é indivíduo, ou seja, como Classe Ontológica. Porém, não se deve confundir que é o uso constante da Razão que define, mas uma capacidade Ontológica, ou seja, não é porque eu não estou usando minha Razão neste exato momento ou em algum outro, que eu deixo de ser um Indivíduo. Mas, sim, porque todos os humanos em comum possuem tal capacidade como parte Essencial do Universal chamado “homem”. Do contrário eu estar dormindo faria eu deixar de ser Indivíduo — o que é um absurdo. Assim, o exercício da Razão é suficiente para revelar algo além da própria corporeidade (CRUZ, 2022; p.61).

Cabe, contudo, uma pequena justificativa do porquê a Razão ser o referencial. Veja bem: acaso um animal pode elaborar o conceito de Direitos? Acaso podem os seres irracionais terem consciência? Acaso os animais podem compreenderem o humor e sorrirem verdadeiramente? Acaso um animal, como dizia Aristóteles, “entende que entende”? Acaso um animal possui Linguagem? Acaso um animal compreende verdadeiramente música ou literatura? Acaso um animal possui vontade? Pode ele negar seus instinto? Pode ele, mesmo com fome, optar por não comer por querer fazer um jejum voluntário com critérios espirituais? Ora, sabemos que embora nem todos os humanos façam plenamente e perfeitamente tudo isso, todos possuem a capacidade comum para tal. E de onde vem essa capacidade senão da Razão? Só pela Razão podemos compreender o sentido deste texto e o sentido profundo de buscar o que é, de fato, um Indivíduo. Assim, a capacidade comum de todo homem de buscar o sentido do termo já expressa sua Classificação como Indivíduo Ontologicamente — coisa impossível aos animais e outros seres viventes, mas que não possuem capacidade intelectiva e vontade. Você tentar argumentar o contrário já o denota como um Indivíduo, pois usará os dois durante a argumentação.

Portanto, fica claro que a definição dada é correta e é a base para definir um Indivíduo — à saber: a presença de capacidade potencial para uso da Razão, que não indica uso constante ou a todo momento, mas antes uma capacidade ontologicamente comum.

SOBRE A IMATERIALDIADE DA MENTE E SUA RELAÇÃO COM O CORPO

Sabemos que a Mente e a Alma não são a mesma coisa, mas uma é parte da outra, afinal sendo a Alma humana Racional, é evidente que terá relações com a Mente. Parafraseando São João Damasceno (675–749): a alma “não tem a mente como algo distinto de ti, mas como sua parte mais pura, pois como o olho está para o corpo, assim a mente está para a alma” (CRUZ, 2022; p.115).

Dito isso, o que se argumenta em prol da Imaterialidade da Mente?

Em primeiro lugar, diz Orígenes (185–254):

Se alguns julgam que a inteligência — a própria alma — seja corpórea, desejaria que me respondessem como ela é capaz de acolher explicações e demonstrações de argumentos tão importantes, difíceis e sutis. De onde lhe vem a capacidade da memória, de onde a capacidade de contemplar as realidades invisíveis, de onde deriva para o corpo a compreensão de realidades certa- mente incorpóreas? De que modo uma natureza corpórea pode aplicar-se ao estudo da ciência e investigar a explicação racional das coisas? De onde lhe deriva o conhecimento e a inteligência também das verdades divinas que mansamente são incorpóreas? (CRUZ, 2022; p.84–85).

Ademais, a imaterialidade da mente é observada na sua capacidade de apreender coisas imateriais como o conceito de triangularidade ou humanidade, os números, formas geométricas — como as Formas Puras. Ademais, quando alguém pensa, pode pensar no perfeito, não apenas no concreto, e não pensar em uma aproximação dele, pensar no universal e este não é material (FESER, 2017). Outro argumento seria que se a mente fosse material ela teria que se tornar a coisa que ela apreende (o que não acontece) e que a mente consegue atuar de forma independe dos sentidos (FESER, 2017). Reforça Santo Agostinho, em um mesmo sentido, afirmando que a imaterialidade da Alma é demonstrada por sua “afinidade inata com verdades imutáveis” (CRUZ, 2022; p.105), afinal o apenas o Material, por definição, é Mutável.

Outro ponto que pode levar a se crer na imaterialidade da mente é sua capacidade de abstração. Ora, com ela podemos pensar em conceitos que extrapolam a própria realidade material, ou seja, pensar na realidade imaterial. Assim, a mente é capaz de abstrair conceitos como o infinito, o imortal, o eterno, o atemporal, e até Deus em algumas escolas de estudo. E se alguém afirmar que estes conceitos procedem de conceitos concretos e materiais opostos só irá reforçar a tese, pois estará mostrando que a mente é capaz de pensar além do material já apreendido. Ademais, isso é reforçado por Dos Santos (2017) que expõe que se capta o Verde ou Amarelo, por exemplo, mas não o conceito de Cor; este é algo diferente do sensível, é imaterial.

Além de que, um ponto de extremo valor no debate, é que se chama de Qualia que são experiência direta acessíveis somente desde o ponto de vista do indivíduo, e cujo caráter é essencialmente privado — como a sensação de sabor e dor. Têm assim, os que negam a imaterialidade, a missão de explicar como esse fenômeno ocorre materialmente (BATISTA NETO, 2017).

Além disso, afirma Feser (2017), que pela mente ter a capacidade de intencionar e planejar ações que podem nunca vir a ser verdade, o que mostraria sua independência do material, se prova de sua imaterialidade também.

Como muito bem expõe Batista Neto (2017):

Outro é de caráter metafísico/modal, da “concebibilidade”: se a mente não é substancialmente distinta do corpo (vivo e funcional — ou da parte relevante dele, digamos o cérebro), é metafisicamente impossível que existam separados; mas isso quer dizer que não há nenhum mundo possível (i.e., conjunto completo e consistente de estados de coisas) em que ocorra um sem o outro; mas eu posso conceber minha mente (“eu”) existindo sem um corpo (numa certa combinação de estados de coisas logicamente consistente); portanto, corpo e mente são realmente distintos.

Além do mais, expõe Barrera (2007):

[…] uma particularidade primordial da substância mental é a sua incorruptibilidade. A mente é incorruptível, e, embora seja verdade que com a velhice a capacidade de pensar parece declinar, o que em verdade declina não é a mente, mas algum órgão corporal empregado por ela como instrumento. O desaparecimento do instrumento, porém, não implica necessariamente a da função mental — o que leva a crer em uma imaterialidade.

Explana Barrera (2017) sobre a imaterialidade da mente:

Embora, por si mesma, a mente não requeira nenhum órgão e não pareça ser forma de nenhum deles, isso não implica que ela não mostre algum tipo de envolvimento biológico. Qualquer das operações dos órgãos corporais funciona como ato deles; assim, por exemplo, a visão é o ato a que se ordena a configuração fisiológica do olho, e o olho em sua totalidade se explica pela função ou ato a que é destinado. […] os estados emotivos têm também certas bases físico-químicas que poderiam explicá-los exaustivamente. Mas o ato de pensar, em princípio, não explica a organização fisiológica de nenhum órgão em particular, e nisso Santo Tomás coincide com Aristóteles. A complexidade organizativa de alguns órgãos é, como quer que seja, uma condição necessária, mas não uma explicação suficiente com respeito à magnitude do ato de pensar, capaz de inteligir o universal e o imaterial. Com efeito, como explicar esses alcances do pensamento a partir de órgãos cujo poder não pode ir além da construção de algumas formas primárias de generalização cognoscitiva? Por essa razão o pensar, sendo embora um ato humano, não é forma exclusiva de nenhum de seus órgãos.

Expõe brilhantemente Santo Tomás de Aquino que os objetos da mente não são materiais e temporais, são Universais, pois a Mente é capaz de abstrair dos dados sensoriais colhidos em instantes sucessivos a essência de seu próprio conhecer. No mais, dado que o Intelecto se move por si, não é, evidentemente um corpo, pois todo corpo é movido por outro (CRUZ, 2022; p.163).

Reforço novamente o ponto de que embora Imaterial, a Alma não se separa do corpo (nem se transfere para outros) — ao menos não completamente eque mesmo na morte, ainda há algum tipo de conexão. Como afirma São Máximo (580–662): “A alma, de fato, depois da morte do corpo não é dita simplesmente ‘alma’, mas ‘alma de um homem’, e ‘um determinado homem’.”, possui, como ele próprio afirma, a totalidade, a humanidade, como sua Forma (CRUZ, 2022; p.114). Pelo mesmo motivo deve ser infundida na concepção, para ser uma totalidade, uma unidade (CRUZ, 2022; p.114).

Santo Tomás aparece novamente reforçando que se o corpo e Alma fossem separáveis como bem entendessem, por que não vemos isso ocorrer? No mais, não seria possível a geração e corrupção do homem (morte), mas vemos isso correr a todo momento (CRUZ, 2022; p.176–177). Também se pode dizer o óbvio: a Alma não é feita de matéria, pois se fosse seria de natureza corpórea, mas sabemos pela experiência que não é (CRUZ, 2022; p.184).

Reforça o Doutor Angélico, que estabelece que a Forma Substancial dá o Ser das coisas, por isso não pode haver mais de uma. No homem é Intelectiva, do contrário não poderíamos apreender os Universais, não poderíamos entender, pois:

Entender é certa operação na qual é impossível comunicar com algum órgão. Ora, essa operação se atribui à alma, ou também ao homem, pois diz-se que a alma entende, ou o homem [entende] a alma. É necessário, portanto, que haja um princípio no homem, não dependente do corpo, que seja princípio dessa operação. (CRUZ, 2022; p.118).

Concluí Aquinate: “Do corpo, recebe a alma, que é complemento natural de sua natureza e o substratum material necessário ao pleno desenvolvimento de sua atividade” (CRUZ, 2022; p.119), por isso se diz que a Alma é individuada pelo corpo na qual é recebida, poiso princípio de individuação do homem é a matéria primeira (CRUZ, 2022; p.119).

Portanto, é muito mais provável que a Mente seja imaterial do que o contrário. Porém, como afirmei antes, Mente e Alma não são a mesma coisa, afinal uma coisa é aquilo pelo qual vivemos, e outra é aquilo pelo qual pensamos — enquanto dormimos, dorme a mente (e o corpo), mas não a Alma. Nos loucos se perdeu a mente, ou capacidade corpórea, e não a Alma. A mente, ou inteligência, aumenta e diminui; a Alma permanece no mesmo estado — tais palavras são de Lactâncio (260–330 aprox.) (CRUZ, 2022; p.93).

O que se aprende com isso? Ora, que Alma de alguém não provém dos pais, pois isso iria para além de suas capacidades — do contrário poderíamos criar coisas apenas pensando nelas, mas não podemos. Dessa forma somos limitados às “criações” materiais. Daí, é evidente que existe uma dimensão não-material e “maior” que nós mesmos, ou seja, metafísica — isso estabelece uma base verdadeira para a existência da Ontologia e sua fundamentação.

Também sabemos, com isso, que Corpo e Alma não são inseparáveis. Ora, assim sendo, cabe a pergunta do milhão: quando a Alma é infundida no corpo?

BIOLOGIA E O REFORÇO DO ARGUMENTO

Antes de partir para a questão de onde se dá a Animação, ou seja, quando o novo Ser se torna Ontologicamente um Ser Humano, um Indivíduo, quero explanar alguns fatos biológicos que reforçam o momento dessa infusão e também reforçam a Imaterialidade da mente.

Para Aristóteles, antes de 40 dias (46 para mulheres) temos apenas uma “massa informe” (CRUZ, 2022; p.214). Mas ele erra, pois devemos observar que dentro do campo biológico deve estar claro uma coisa: a vida do novo indivíduo começa na concepção. “É fato cientificamente comprovado e amplamente difundido que a fecundação do óvulo pelo espermatozóide […] é o estágio em que começa o ciclo de uma nova vida humana” (ALVES et al., 1982; p.23). Afinal, o Zigoto, que é formado da união dos Gametas Masculino e Feminino, já possui “um só material genético”, faz dos Gametas unidos uma “unidade biológica não presente anteriormente” (CRUZ, 2022; p.262). O Zigoto é, portanto, “uma nova individualidade biológica” (CRUZ, 2022; p.263). Em suma: é um novo ser dotado de DNA próprio e diferente do dos pais (DEROSA, 2019; p.168). Não há outro evento no desenvolvimento humano que seja deste nível. Desde esse momento, por exemplo, o sexo já está definido nos cromossomos (CRUZ, 2022; p.264). A partir desse momento se dá um único processo de desenvolvimento biológico, apenas com estágios diferentes, sem perder seu DNA próprio — “há uma nova variação da espécie humana” com seus 46 cromossomos (DEROSA, 2019; p.168). A plenitude de todo o desenvolvimento futuro e constante, com todas as suas características, já está ali presente nos cromossomos das células iniciais desde a concepção, de modo que, o novo ser não recebe mais nada do exterior além dos nutrientes necessários para seu desenvolvimento (ALVES et al., 1982; p.23) — o que não o faz diferente de qualquer humano, seja adulto, criança, feto/embrião ou idoso. Como reforço do ponto podemos lembrar que após 30 horas da fecundação/concepção já ocorre a primeira divisão celular, entre o 3° e 4° dia já são entre 12 e 16 células e entre o 6° e 7° dia já se da a nidação (acoplamento do embrião na parede do útero) (ALVES et al., 1982; p.24). Ademais, o maravilhoso estudo chamado “The zinc spark is an inorganic signature of human egg activation” traz uma informação extremamente confirmadora de tudo: um clarão de luz causado por uma descarga de zinco acontece no momento, ou minutos seguintes, em que o espermatozóide fecunda o óvulo, sinalizando o início da vida. Vejamos: “stablish the zinc spark as an extracellular marker of early human development […] advances in understanding the physicochemical roles of zinc in gamete function may have clinical impact because the zinc spark occurs rapidly following egg activation in the human egg and can be detected in the extracellular space.” Contudo, embora no caso humano “establishing the direct relationship between zinc dynamics during fertilization and further embryonic development has not been possible”, ainda é possível dizer que é um bom indicativo da fecundação, pois “ this biological phenomenon occurs extracellularly within minutes of fertilization and specific zinc spark profiles strongly correlate with and are predictive of preimplantation embryo development”.

Alguém pode perguntar: por que a marca do DNA (fecundação/concepção) define o novo indivíduo? Ora, para começar que é marcador biológico de diferença real entre os pais e o novo ser. No mais, se a vida não tivesse início na concepção, então a Fertilização In Vitro seria impossível (FIV). Afinal, na FIV se faz a transferência de um embrião para o corpo da mulher e o filho gerado por essa técnica tem a carga genética dos fornecedores do esperma e do óvulo, e é evidente que nenhuma carga genética é transferida após a fertilização. Portanto, seria contraditório dizer que a vida foi dada posteriormente a esse momento — à saber, da fertilização/concepção (DEROSA, 2019; p.169). Quando o esperma entra no óvulo já se possui, com absoluta certeza científica, que se tem toda a informação necessária para se produzir um novo ser humano. E, com o mesmo grau de certeza, sabe-se que nenhum material genético é posteriormente adicionado. Do contrário não seria possível realizar a transferência de um embrião para o corpo de uma mulher que não é mãe biológica (DEROSA, 2019; p.169). Portanto, biologicamente temos a certeza de que há um novo Indivíduo existente, temos certeza de que a vida começa na fecundação. Com isso erram os escolásticos e Aristóteles com a suposição de que por 40 dias havia uma massa informe sendo usada pela capacidade formativa do Sêmen, pois esse desaparece na fecundação, afinal os gametas deixam de existir para darem lugar ao Zigoto em uma mudança substancial.

No mais, quando falamos em Organismo podemos observar uma séria diferença entre uma máquina, um organismo concreto e um simples ser vivente. Vejamos: Todo organismo é vivo, mas nem tudo o que é vivo é um organismo. Uma célula somática humana é viva, mas é inserida em um corpo maior que lhe permite viver e ao qual oferece sua contribuição. Já uma bactéria, é um organismo também, embora seja igualmente uma célula. A autonomia ou independência caracteriza e distingue o organismo (CRUZ, 2022; p.154). Contudo, embora materialmente diferente — pela regeneração e troca de material físico natural, ou mesmo amputação de alguma parte -, é, ainda assim, um ser idêntico por não depender da matéria. Diferente de uma máquina, onde se trocado suas partes ela muda totalmente, o organismo conserva sua particularidade (CRUZ, 2022; p.155). Ora, justamente o conservado é o definidor da coisa em questão, ou seja, a sua Forma — a Alma. Afinal, se o materialismo fosse real, como seria possível “imaginar que os seres viventes possuem uma outra composição uma vez que existe uma só e única matéria” e que os seres viventes não são presos à coerção da matéria? (CRUZ, 2022; p.156).

O doutor Hans Driesch (1867–1941) fez uma grande descoberta no campo biológico que reforça a existência o conceito de Organismo. Em sua experiência ele utilizou ouriços-do-mar e matou uma das células do embrião bicelular e, para sua surpresa, a célula que restava dava origem não a uma gástrula pela metade como se esperaria, mas a uma inteira, mas menor. Disso é impossível considerar o sistema como uma máquina, pois a remoção levaria à uma formação fragmentária — afinal, para uma máquina, se retirada uma de suas partes, ela não permanece ela mesma (CRUZ, 2022; p.169–170). Ora, alguns afirmam que a resposta está unicamente no DNA, contudo como argumenta o cientista Piotr Lenartowicz (1934–2012): o DNA tem limites sérios, ao ponto de que “todas aquelas redes excessivamente complexas que constituem um cérebro não poderiam ter sido inscritas dentro da célula-ovo”. Acrescenta que um único códon de DNA é aproximadamente dez vezes maior que a molécula de aminoácido que ele codifica (CRUZ, 2022; p.173). Ora, os esquemas do DNA são passivos e fragmentários em relação à entidade biológica, tal qual é os esquemas do arquiteto em relação à estrutura de uma construção. Por isso o DNA, tem, na verdade, um papel secundário, e embora certamente necessário. Assim, dificilmente o DNA por si só dá conta do “processo rápido e altamente seletivo de produzir uma imensa variedade de materiais estritamente determinados, a hierarquia de estruturas integradas, e o dinamismo racional do conjunto”. As mensagens do DNA são apenas uma “cola” fragmentada e cifrada e que é usualmente caótica. Há, portanto, um déficit informacional (CRUZ, 2022; p.174). Assim sendo, o dinâmica racional apresentada em qualquer organismo expõe uma espécie de Causalidade. Pois bem, a VIF mais uma vez reforça o ponto, pois em estudos realizados com embriões em VIF em incubadoras, contento apenas os nutrientes necessários, provou que o embrião possui “uma capacidade de organização autônoma” e que, evidentemente, independe do útero da mãe (DEROSA, 2019; p.178) — ou seja, é outro ser e com uma própria relação de causalidade inserida nele. Esse organismo vive e “sabe” o que precisa ser feito, e é responsável pelo desenvolvimento (não a geração) do próprio corpo a partir de uma única célula (DEROSA, 2019; p.179). Ora, em suma já é um ser humano biologicamente, pois já possui independência (é já, um organismo), dependendo apenas dos nutrientes, o que não o diferencia em nada de outro ser humano já plenamente formado (indicando apenas diferença de estágios) e dependendo, também, da situação adequada, que também não o diferencia de outro ser humano adulto e plenamente saudável, pois este não pode sobreviver em temperaturas extremas ou embaixo do mar, sendo dependente do ambiente também — por isso, “a viabilidade de um ser humano depende do contexto no qual ele está inserido, e isso não interfere em sua dignidade” (DEROSA, 2019; p.179).

Porém, há ainda um último ponto biológico para ser analisado e que reforça a questão da individualidade Ontológica do Ser: o caso dos Gêmeos Idênticos. Aos que não sabem, gêmeos idênticos possuem exatamente o mesmo DNA, exatamente o mesmo código genético (CRUZ, 2022; p.273). Ora, se a matéria fosse razão suficiente para determinação de individualidade, e de formação da mente e consciência, certamente os dois corpos iriam partilhar a mesma Mente, ou a mesma Alma. Porém, sabemos que gêmeos idênticos são indivíduos separadas e diferentes de si, cada um com uma Mente e consciência diferente do outro. Isso refuta, absolutamente, o materialismo e reforça o ponto em relação aos argumentos Ontológicos aqui presentes. No mais, embora a biologia dê um bom indicativo para identificar um indivíduo em específico via DNA, por causa desses casos, ela não é suficiente para isso — embora seja um excelente recurso, afinal funciona em praticamente todos os casos, com única exceção o recém apresentado que são raríssimos. Contudo, ela não falha, de modo algum, em indicar que um novo Indivíduo surgiu, porque mesmo com o mesmo DNA, os gêmeos são seres diferentes dos pais e com DNA diferente do deles. Assim, a afirmação de que um novo indivíduo surge biologicamente quando ele passa a ter DNA diferente dos pais se mantém firme. Fato é que o processo de formação do indivíduo apenas mudou, onde para os gêmeos há processos extras — à saber, que durante a gemelação um deles tem origem do outro, sem que o primeiro tenha sua individualidade comprometida (CRUZ, 2022; p.275). Em outras palavras: o DNA dos cromossomos do indivíduo X produz uma réplica de si e a réplica é dada para a nova célula. A célula do indivíduo X nunca deixou de existir no processo (CRUZ, 2022; p.277). É chamada de gamelação homozigótica, que em termos mais comuns é uma clonagem natural, mas que sem dúvidas dá origem à mais um indivíduo (CRUZ, 2022; p.280–281).

Por fim, cabe ainda refutar uma diferenciação estúpida que é feita dentro da “ciência”. Afirma-se que um Embrião de macaco, de um rato, de um cachorro ou de um porco são morfologicamente praticamente idênticos e indistinguíveis de um Embrião humano. E por isso o Embrião humano seria reduzir aos status de “coisa” (DEROSA, 2019; p.320). Pois bem, o erro já está em supor que esses outros embriões, que não o humano, possuem o mesmo DNA que o humano. Vimos que o DNA humano marca o surgimento de um novo indivíduo e é impossível que um animal tenha o mesmo DNA humano. O foco do argumento se dá, em verdade, em assumir que o Embrião não é diferente de um conglomerado de células — mas ora, isso não é diferente para um adulto e uma criança também, pois também o são. Se o tamanho do conglomerado é o que importa, por que então não matar anões? (DEROSA, 2019; p.321). Novamente: o que diferencia o formato de um embrião, um feto, uma criança, um idoso, um adulto e um adolescente é apenas o nível de desenvolvimento, seu estágio temporal, sem nunca perder Essencialmente/Substancialmente a sua humanidade — as mudanças presentes nesse processo são Acidentais, nunca se deixou de ser um Humano. Ademais, salvo um esquizofrênico, ninguém nunca experimentou ser um dia a si mesmo e em outro dia uma outra pessoa (DEROSA, 2019; p.322) — ao se tentar dizer que é outra pessoa, ou que não possui o próprio corpo já se prova que você é você e eu sou eu, já se prova que é o único e possível apropriador do corpo; do contrário a fala nem mesmo ocorreria como foi. Soma-se que podemos provar da seguinte forma: se acaso o seu Eu em forma de embrião fosse eliminado no meio do processo, você estaria aqui lendo? Evidentemente que não. Pois bem, isso não mostra necessariamente que é tudo parte de um mesmo processo e que você já era um humano enquanto embrião? (DEROSA, 2019; p.323), ou você vai tentar afirmar que antes foi uma planta ou então um lagarto durante a gravidez? A ciência já mostra que isso evidentemente não ocorre. O mesmo se dá com plantas, pois se por alguma mágica aleatória acontecer e fizer todas as sementes do mundo desaparecerem, por acaso nascerão mais árvores? Evidentemente que não. Porque na semente já se encontra a árvore adulta em Potência, e em Ato a própria Árvore em si — tal é igual aos humanos (DEROSA, 2019; p.327). Além de que, morfologicamente, nós mesmos mudamos dentro do próprio desenvolver da vida, mas o Substancial se mantém, não é possível uma escala (DEROSA, 2019; p.324). (aliás, os próprios animais mudam morfologicamente, acaso isso é suficiente para dizer que o Embrião de cachorro foi um humano no início e depois virou de cachorro? Há maior idiotice?). Assim, a morfologia parecida com os animais em nada interfere na Biologia humana — e tampouco, diga-se de passagem, na Ontologia.

Portanto, após a análise dos fatos biológicos podemos concluir que erraram Aristóteles e os Escolásticos ao definirem que o Embrião fica 40/46 dias “informe”, pois já possui seu DNA próprio, sendo a marca que indica o surgimento de um novo Indivíduo em termos biológicos. Tal qual, foi observado que todo Organismo possui certa independência gerada por alguma relação causal existente (para os seres irracionais tal vem da ordenação cosmológica já determinada, i.e., de Deus; e para os seres racionais, veremos que vem da Alma Racional que ordena o processo do desenvolvimento) e isso o diferencia de uma máquina, o que expressa um sentido Ontológico, pois foge da matéria. Também, foi observado que mesmo na caso de gêmeos idênticos o DNA serve como marcado biológico para o surgimento de um novo Indivíduo. Todos esses fatos vão ser de grande ajuda na discussão, além de já marcarem grandes argumentos contra o Aborto.

ANIMAÇÃO

A questão Animação é de suma importância, pois é ela a definidora de um novo Individuo. Por isso, é crucial saber quando a Alma é infundida no Ser.

Existem basicamente duas teses:

Animação Imediata: em meio a tantas mudanças acidentais, o que se mantém constante nos ser vivo é sua Forma Substancial, ou sua Alma. Por isso o princípio vital está presente desde o momento da concepção. Ou seja, a animação se dá junto da concepção.

Animação Retardada (mediata): o sujeito que permanece durante todo o desenvolvimento embrionário não é um ser humano. Na concepção o embrião tem apenas alma Vegetativa, que cede lugar para a Sensitiva, que por sua vez cede lugar para a Intelectiva. Ou seja, a animação não se dá na concepção, mas posteriormente na gravidez.

Vejamos os argumentos contra a tese de animação retarda:

  1. Algo deve ser manter constante no desenvolvimento e os seus defensores falham em dizer o que. A matéria? Ela está constantemente mudando e entrando e saindo do Ser. Forma substancial? Tampouco, pois defende mudanças substâncias constantes (que altera todo o Ser, não só de maneira acidental) — é muito difícil observar a possibilidade de novas gerações e corrupções (que não a morte) após a fecundação. Só restaria Matéria Primeira ou pura Potencialidade e Indeterminação (CRUZ, 2022; p.196).
  2. Não se pode falar em concepção, pois no momento da concepção existia “algo”, mas não alguém: eu não existia (CRUZ, 2022; p.196).
  3. Como poderia uma alma superior estar em “Potência” em um corpo que possui uma alma inferior? (CRUZ, 2022; p.198). Ora, só uma alma por corpo é possível como foi visto e como reforça Aristóteles, em que a Alma Intelectiva contém em si as capacidades das outras, mas não se desenvolve delas (CRUZ, 2022; p.197). No mais, se a Alma Racional vai se revelar depois é porque já existe em Ato, e só aparece posteriormente via o desenvolvimento dos órgãos, ou seja, é apenas desenvolvimento e progressão de funções (CRUZ, 2022; p.197–198). De tudo isso se concluí que não se poderia chegar ao Ato Intelectivo se ele já não fosse realidade Potencial da Essência da Substância. Explica, Tertuliano, que a semente na terra não muda substancialmente, apenas atualiza suas virtualidades acidentais (CRUZ, 2022; p.208). Em suma, a Tese Imediatista seria a correta.
  4. Outro fator essencial que não é função da Alma Sensitiva dispor a Matéria para a Alma Vegetativa ser recebida, e tampouco da Vegetativa para a Intelectiva (CRUZ, 2022; p.201). Assim, uma “Alma Inferior” não pode ser responsável pela produção de órgãos de operações superiores. O processo, assim sendo, exige uma Causa Eficiente Externa a qual Aquino atribui à Alma do Genitor via Virtus Formativa do sêmen (CRUZ, 2022; p.203) — o qual ele acreditava ficar 40 dias existente (CRUZ, 2022; p.214), contudo, como vimos anteriormente, o Sêmen deixa de existir no momento da fecundação, portanto é necessária outra Causa Eficiente.
  5. Aceitar a tese de Animação Retardada seria aceitar que o homem tem apenas parte de sua natureza. Afinal, toda natureza composta (como o homem) tem partes simultâneas (CRUZ, 2022; p.305).

Vejamos os argumentos pró tese Imediatista:

  1. São Gregório de Nissa (335–394) afirma: que se Alma e Corpo não fossem criadas juntos um seria mais velho que o outro (CRUZ, 2022; p.100) — que seria um absurdo. Como teríamos duas idades?
  2. Se alma fosse criada antes deveríamos assumir que não possui relação alguma com o corpo e poderia se transferir como bem quisesse de corpo. Contudo, sabemos que nenhuma coisa é verdadeira (CRUZ, 2022; p.189). Por essas razões a alma deve ser criada junto do corpo.
  3. Se a animação não é imediata, afirma São Máximo, então teremos que assumir a insanidade de que primeiramente houve alma vegetativa e depois sensitiva, para posteriormente intelectiva (como defendem os mediatistas). Ora, se é assim então primeiro se atribui que primeiro houve uma planta, e depois um cachorro ou um boi, e depois um Ser Humano em um mesmo processo de desenvolvimento (em uma mesma gravidez). Que seria mais absurdo? (CRUZ, 2022; p.191–192).
  4. Tertuliano afirma: É homicídio antecipado impedir alguém de nascer, pois é já um homem aquele que virá a ser (CRUZ, 2022; p.192).
  5. Em Aristóteles se pode encontrar fundamentação para a tese:

“O filósofo se pergunta quando as coisas são em potência e quando são em ato. Conclui que as coisas que dependem da razão, isto é, objetos artificias — como uma casa — são em potência quando queridas pelo homem e não intervêm obstáculos exteriores” (CRUZ, 2022; p.192).

E quanto às coisas naturais (as que têm em si o princípio da geração)? Elas são em potência por virtude própria. Assim, o esperma, ainda não é o homem em potência, mas quando passa de estágio (pós a fecundação) será um homem em potência por já possuir potência em virtude própria. No estágio anterior ele precisava de um outro princípio que não si mesmo (CRUZ, 2022; p.192–193). Em outras palavras: o esperma não é ainda capaz de se tornar homem por si, portanto não é homem em potência. Mas o embrião se pode dizer explicitamente homem em potência, porque já é capaz, sem impedimentos externos, de se tornar homem por si só, i.e., por virtude própria. Portanto, o embrião já possui em Ato Primeiro a alma que é própria da espécie humana, mesmo que ainda incapaz de todas as capacidades humanas (CRUZ, 2022; p.193) — capacidade essa apenas por um diferente nível de desenvolvimento, que em nada retira sua Ontologia como foi dito no começo do texto, do contrário se poderia matar um sonambulo, ou alguém dormindo, ou alguém anestesiado; que são absurdos. Por isso se pode dizer que o homem em Potência (ativa) o é após o Ato real da mudança da Potência (passiva) anterior, ou seja, pós a mudança substancial dos Gametas masculino e feminino para o Zigoto. Reforça Ramón Lucas Lucas: “

É evidente que para Aristóteles somente o zigoto tem esse caráter atual de potência ativa, que na ausência de obstáculos externos conduzirá ao completo desenvolvimento do ser humano. […]

Em relação ao exercício da racionalidade o embrião é impotência. Isso não significa, entretanto, que estejamos lidando com um ‘homem em potência’ no sentido de um possível homem. Ao contrário, estamos diante de um homem ‘atual’ e ‘real’ (CRUZ, 2022; p.194).

ANÁLISE CRÍTICA

Agora que já sabemos os problemas da tese Retardada e o indicativo positivo da tese Imediatista, resta saber como exatamente isso ocorre.

Tomás de Aquino argumentava que o Embrião não poderia receber uma Alma Racional devido à insuficiência dos órgãos. Era necessário, portanto, que a matéria fosse suficientemente disposta para ser informada pela Alma. Daí se pergunta: qual é o agente da formação do embrião (Causa Eficiente)? (CRUZ, 2022; p.216). Qual a causa da formação de seu corpo? Próprio Aquino responde: uma Alma Racional –afinal, a Alma é Forma do corpo (FESER, 2017) (BARRERA 2007) (BATISTA NETO, 2017) e o “corpo é formado pela ação da Alma” (CRUZ, 2022; p.270). Contudo, não a Alma Racional do Embrião, pois essa só virá mais tarde (afirma o Doutor Angélico), é necessário antes a formação do corpo apto. Por isso, vem da Alma do Genitor. Mas por quê? Porque a Alma “age no corpo por meio das suas potências” e a Alma do Embrião é apenas vegetativa nesse estágio (afirma Aquino), e tal organização fugira das capacidades de tal Alma, e mesmo se fosse Nutritiva fugiria. Pois, essas Almas são incapazes de gerar órgãos para o advento de uma Alma superior (CRUZ, 2022; p.217–218 & 270). Perceba que se as Almas inferiores não podem gerar os corpos pela razão de que suas Potências as limitam. Se isso fosse possível elas iriam para além do que realmente podem fazer, o que cairia em contradição com o Princípio da Causalidade, o que ocasionaria que o “extra” (a parte que foge da Potência) viria do Nada, mas se é Nada como poderia ser alguma coisa? Portanto, é contraditório. No mais, ainda que tivessem capacidade para gerar órgãos, como poderiam os órgãos inferiores estarem aptos para receberem a Alma Superior posteriormente?

Aquino ainda acrescenta que a Alma do genitor age à distância no corpo durante 40 dias, em que prepara o corpo do Embrião para receber a própria Alma Racional. Tal se dá pela Potência Formativa (Virtus Formativa) do sêmen, que se mantém durante todo esse período ainda existente e, posteriormente a chegada da Alma Racional, deixa de existir (CRUZ, 2022; p.219 & 270). Dessa maneira, Aquino era um Mediatista. Até aqui a Tese Retardada está de pé.

Em primeiro lugar, por que faz mais sentido pensar em uma série de Mudanças Substanciais do que apenas uma na Concepção? Que impede de ser apenas uma Mudança Substancial e as posteriores mudanças serem acidentais? (CRUZ, 2022; p.224) — dizem eles que é devido à incapacidade dos órgãos de receber a Alma Racional, correto? Assim sendo, na opinião Mediatista a ausência de órgãos é capaz de impedir a infusão da Alma (CRUZ, 2022; p.228). Ora, o erro comum está em supor que são necessário órgãos plenamente desenvolvidos para que a Alma Racional seja recebida, mas isso não é verdade.

Certamente sabemos que Alma e Corpo (entendido aqui como existência de alguma matéria própria do ser em questão e não como corpo pleno e maduro), independentemente do tipo, existem temporalmente juntas. E se reforça com mais um argumento de Aristóteles contra a pré-existência das Almas: “é evidentemente impossível que existam sem corpos todos os princípios cuja atividade é corpórea, como por exemplo, o caminhar sem pés” (CRUZ, 2022; p.236). De fato, nenhuma faculdade corpórea pode existir sem o órgão correspondente. Por exemplo, a visão não pode existir sem o olho. Por isso, sem órgãos a Alma ficaria desprovida de faculdades materiais e em um corpo sem tais faculdades não poderia a Alma estar presente. Pois do contrário a Alma não seria “ato primeiro de um corpo” do qual não esteja em potência para a vida. Portanto, é necessário pelo menos uma faculdade vital. Contudo, não é necessário que a faculdade esteja plenamente operante, mas apenas que deva existir. Com isso, é demais concluir o que dizem os mediatistas: que um Alma Sensitiva não pode existir em um corpo que ainda não tem órgãos sensoriais (CRUZ, 2022; p.236–237) — a começar pelo fato que eles mesmo afirmam que a Alma Sensorial já existe desde o começo e se desenvolve para uma Nutritiva; mas ora, não existem ainda na concepção órgãos sensoriais. Como seria isso possível dentro de sua argumentação? (Podem dizer que se forma minimamente pós atuação do Sêmen, mas como sabemos, essa atuação acaba com a própria fecundação, que levaria a aceitar a Tese Imediatista).

Ainda assim, se a Alma consegue sustentar ação no Sêmen, como o próprio Aquino afirma, então temos que não é necessário órgãos completos para existir a ação da Alma Racional, pois a potência ativa (Virtus Formativa) está no Sêmen como uma espécie de “moção dessa mesma Alma” e por isso não precisa de algum órgão em ato (soma-se que o Sêmen não é um órgão). Por essa razão: “se isso é verdade para a potência da alma operando à distância, quanto mais deve ser verdade para uma alma imediatamente presente” (CRUZ, 2022; p.240–241). Dito de outra forma: se é possível a Alma Racional dos pais atuar a distância usando apenas o sêmen, então o impeditivo de órgãos incompletos não faz sentido, dado que o sêmen nem mesmo um órgão é. Também não descarta Aquino, embora mediatista, que a Alma vegetativa pode estar presente, mas inoperante, desde o início na matéria (ou seja, surge exatamente junto da matéria, mas não em órgãos em si) e sem a presença de órgãos em ato (ou seja, completos), mas ora a Alma Racional não só possui mais capacidades que a Alma Sensitiva, bem como possui todas que a Sensitiva já tem. Logo, se a Sensitiva consegue se sustentar sem órgãos completos (mas coma a presença mínima de matéria do corpo, ou futuro corpo), nada impede que a Intelectiva o possa também — na verdade é necessário que ela possa por ser Superior (CRUZ, 2022; p.141). Ademais, se a condição necessária para Infusão é a Maturidade dos órgãos, que impede de se dizer que uma criança já nascida também não possui Alma Racional? Porque ela também não possui as mesmas capacidades e desenvolvimento de um Adulto — somos essencialmente fetos extrauterinos nesse período (CRUZ, 2022; p.259). Em verdade, tal daria permissão para matar qualquer pessoa com a mínima suspeita de um desenvolvimento limitado, que seria altamente arbitrário. Acrescente-se que como já afirmamos, a Alma é a Forma do Corpo — e isso tem significância Ontológica, ou seja, Ontologicamente a Alma precede o Corpo. Mas logicamente (e temporalmente), eles formam-se juntos, mas se há uma figura conveniente da Alma no corpo, isso significa que ontologicamente a Alma já existe ali. Em suma, em todo corpo minimamente organizado já existe uma Alma (CRUZ, 2022; p.242). Nesse mesmo sentido ontológico, podemos dizer que se Deus, ao criar o primeiro homem, foi capaz de criar um Forma Substancial na matéria sem o socorro de uma forma material anterior (afinal, não havia outro homem), se pode dizer que a Alma é Forma do corpo e ontologicamente anterior, mas temporalmente coincidente — onde a primeira terá efeito formal sobre a segunda. Por isso que Ontologicamente a unidade do Zigoto via os Gametas é efeito formal de Alma Racional (dos pais) e pós sua origem demanda-se que a Alma Racional do Embrião seja infundida, do contrário ele receberá apenas princípio Vegetativo e/ou Nutritivo, que nunca serão capazes de dar sequência ao desenvolvimento (CRUZ, 2022; p.247–248).

Com isso eles não podem sustentar tal opinião — à saber, de que o órgão tem que estar completo para existência da Alma de qualquer tipo. Por tal razão, também é demais concluir que é necessário um corpo completo para ter Alma Racional (CRUZ, 2022; p.237), do contrário um bebê nascido não a teria ou ainda alguém sem um braço ou órgão específico, o que é empiricamente um absurdo. Ou, como argumentado, que nem mesmo poderia ter a Alma Vegetativa pela falta de órgãos, mas afirmam que ela está ali, pois o que é necessário é o corpo, no sentido de alguma matéria ali presente.

Ademais, se isso fosse verdadeiro, teríamos que assumir que uma ave, que é capaz de voar em definição, só é ave quando voa? Ou melhor, acaso um pássaro não é ave enquanto não tiver asas? Ou um boi não é herbívoro quando bezerro por não comer plantas e só beber leite? Perceba a falta de órgãos indica APENAS imaturidade, mas não modifica a natureza do organismo. Quando se atribui uma capacidade à uma espécie, não é esperado que ela o realize em todos os estágios de seu desenvolvimento (CRUZ, 2022; p.238) e nem que realize a todo momento.

Sugiro, também, que o leitor retorne aos argumentos em favor da imaterialidade da Mente, pois se a Mente é aparentemente imaterial, isso significa que ela pode existir em um corpo ainda sem capacidades totais para que ela possa atuar, que seria basicamente dizer que estaria esperando até o momento que o corpo se desenvolva o suficiente para atuar, mas não que não existe ali.

Surge a dúvida: se não é necessário o órgão pleno no corpo, então a Alma Racional poderia entrar em qualquer corpo? A resposta é negativa. Porque o corpo informado pela Alma Racional deve ser simultaneamente: um corpo orgânico, capaz de pelo menos função vegetativa; e um corpo cuja estrutura tenha potência para o desenvolvimento de um organismo adulto. E o Zigoto preenche exatamente as duas (CRUZ, 2022; p.238). E sendo o Zigoto capaz disso, e sendo formado na fecundação, nada impede fisicamente que a Alma Racional seja infusa na concepção (na verdade, se a Causa Eficiente dos pais termina na fecundação, é necessária uma nova causa para o desenvolvimento posterior do corpo — e favor, não confundir a Geração com desenvolvimento posterior, a Geração teve por Causa os Gametas dos Pais e o desenvolvimento é todo processo seguinte onde não há Mudança Substancial. Com isso posto, é bastante natural que a conclusão seja a necessidade de a Alma Racional do gerado já esteja presente para tal desde a fecundação. Afinal, o que dará ordem para o desenvolvimento pleno dos órgãos? O que irá ordenar todo o processo?). Em suma, quando a Alma anima o Zigoto na concepção, ele já possui em Ato a organização requerida pela espécie humana. O corpo humano está em Ato no Embrião, o que está em Potência é um corpo adulto — a diferença é apenas de estágio de desenvolvimento. A Alma, nesse momento, já é Causa Formal, afinal a geração já foi concluída, e passa a ser, também, Causa Eficiente do desenvolvimento posterior (CRUZ, 2022; p.252–253). Além disso, como afirmado, é a Alma que é Causa Formal do corpo, então é evidente que o corpo vai corresponder (seja imediatamente ou posteriormente) a configuração da Alma e todos seus estágios que já correspondem a essa Alma; logo, só um corpo humano pode receber o que seria a Alma Humana (racional) — reforço que Ontologicamente a Alma é anterior, mas temporalmente surge ao mesmo tempo.

No mais, alguns autores defendem que os órgãos, especialmente o cérebro, sejam importantes, mas que já existem presente dede o Zigoto. Tal é ocaso de Pascal Ide, que afirma que o Genoma fecundado já porta em si toda a informação para construir o organismo, em especial o córtex pré-frontal. Por isso reforça que o Zigoto é princípio de operação — dito de outra maneira: os órgãos existem já em ato nos cromossomas, mas em ato primeiro. Sob forma de organização genotípica (CRUZ, 2022; p.228–229). Em verdade, tal informação faz ser necessário a Alma Racional na concepção, pois, novamente, a Alma Inferior não teria Potência para produzir órgãos tão organizados, e se essa capacidade já existe é porque já existe também a Alma Racional infusa para organizar tal desenvolvimento de órgãos (CRUZ, 2022; p.230). Além disso, se o cérebro ou outro órgão fosse fator totalmente decisivo, pessoas com anencefalia não teriam a mínima possibilidade de serem racionais. Mas isso não ocorre. Temos casos que pessoas com esse caso clínico e QI de 126. Para o estudo de Lorber, com 600 pessoas assim, sendo o caso mais severo com 95% do crânio comprometido, e pegando como amostra apenas indivíduos de casos graves (mais ou menos 10% do todo), se observou que mais da metade da amostra possuía mais de 100 de QI (CRUZ, 2022; p.231–232). Além disso, estudos sobre a neuroplasticidade cerebral indicam níveis de consciência em indivíduos anencefálicos (CRUZ, 2022; p.233–234) — o que indica a presença do potencial para o uso da Razão. Por fim, reforço com a exposição de Elio Gentili:

[…] parece necessária grande cautela em identificar […] órgãos indispensáveis para a presença da alma: é fato que o coração pode ser substituído por uma bomba artificial, que um animal pode ao menos por algum tempo sobreviver sem fígado, que amplas zonas do encéfalo podem ser retiradas sem causar a morte (CRUZ, 2022; p.235).

Em segundo lugar, faz mais sentido pensar que a Alma é infundida no momento da Concepção, da união dos Gametas. Por quê? Porque a atuação a distância que permitia pensar na Animação Retardada era justificada com a Virtus Formativa, mas isso já não é possível (CRUZ, 2022; p.224), pois foi visto no ponto biológico que o sêmen dura não mais que poucos minutos e a após a fecundação não mais existe como foi visto no ponto biológico. Contudo, se os Pais são realmente a Causa Eficiente do Zigoto, deve ser durante esse contado físico próximo. Soma-se que se adotamos que as duas podem estar corretas, podemos escolher a tese Imediatista baseado na Guilhotina de Ockham, que afirma que se há a suspeita de veracidade de duas Teses, deve-se escolher a com menos fases argumentativas — ora, essa é a Tese Imediatistas, pois elimina a necessidade de explicar a necessidade de tantas mudanças.

Assim sendo, como foi observado, hoje sabemos que o Sêmen desaparece no momento da fecundação, ou seja, na Concepção. Quando os dois Gametas se tornam um Zigoto em uma Mudança Substancial. Ora, se o sêmen não pode atuar como meio para que a Alma do Genitor seja Causa Eficiente do corpo para além da fecundação, é necessário que se encontre uma outra. A resposta já foi dada: o Zigoto.

Veja bem: certamente o corpo do Embrião não pode ser causa de si, pois seria necessário existir antes de existir — que seria contraditório. Portanto, certamente deve provir dos pais a Causa de seu corpo. Porém, não como explica Aquino. O que corre é que os Gametas Masculino e Feminino têm total capacidade para, ao unirem-se, formarem o corpo (CRUZ, 2022; p.224). Mas apenas isso. O posterior desenvolvimento não cabe a eles, por não poderem atuar mais. Só resta, que se existe desenvolvimento posterior, deve necessariamente existir uma Alma Racional desde a concepção.

Por fim, indico retornarem aos argumentos contra a Tese Retardada e Pró Tese Imediatista para reforçar novamente o ponto.

Resume-se: a Causa Eficiente inicial da formação do corpo é a Alma Racional dos pais via os Gametas, durante a penetração espermática. Após a Singamia (fecundação) a causalidade dos Pais desaparece. Então entra a Causa Eficiente da Alma Racional do Embrião que guiará todo o processo de desenvolvimento (CRUZ, 2022; p.270–271). E essa Alma — por necessidade Ontológica (por ser Forma), por não haver impedimentos físicos como afirmavam o Mediatistas, pela necessidade de Causa Eficiente do desenvolvimento do corpo, e pela Guilhotina de Okcham — deve ser Infundida na Concepção. No mais, o processo de desenvolvimento também será ordenado pela Causa Formal, e foi observado que ela tem que ser uma Alma Racional, mas se a ação da Alma Racional dos pais se limita a atuação até a fecundação, então é evidente que outra Alma Racional foi infusa ali desde aquele momento. Portanto, a Tese Imediatista é a que mais faz sentido.

ARGUMENTOS CATÓLICOS

Aos leitores que não são católicos essa próxima sequência de argumentos pode ser sem sentido. Contudo, ao bom leitor, acredito que será de grande acréscimo mesmo não sendo católico.

São Máximo faz a diferenciação entre o Logos (a razão de ser das criaturas) e o tropos (o modo de cada criatura ser gerada). Para o homem o primeiro é o fato de ser composto de corpo e Alma. E o tropos é a geração corporal a partir de um homem e uma mulher. O logos é fixo e imutável, invariável e inalterável. O tropos, não. Ora, no caso de Cristo só mudou o tropos, pois só se deu de uma mulher fisicamente falando, sem o sêmen. Mas o logos é respeitado. Ora, se Cristo é verdadeiro homem e Deus, e em tudo viveu como homem come exceção do pecado, isso significa que para os homens tudo é igual — Cristo é modelo. Daí a infusão deve ser a mesma. Então: como foi a infusão de Cristo? Foi Imediata, e não poderia ser de outro modo. Do contrário, por algum momento de sua existência Ele não foi plenamente homem, não sendo perfeito. Tão logo, a dos homens se dá da mesma forma — ou seja, o logos se mantém (CRUZ, 2022; p.300–302). O contrário disso significaria dizer que em algum momento Cristo foi um vegetal ou animal, que foi privado do Intelecto — que seria, além de Sacrilégio, um absurdo. Tal qual, ele não teria sido Uno, pois não teria se conservado plenamente. Isso traria uma inaceitável fraqueza ao Criador, que “não teria podido levar imediatamente à plenitude as coisas que ele conhecera previamente”. No fim seria, como São Máximo brilhantemente diz: “confundir todas as coisas entre si e afirmar que nenhuma é propriamente aquele que é e que diz que seja” (CRUZ, 2022; p.303). Se fosse modificado o logos se destruiria toda a natureza de objeto, neste caso, de Cristo. O mistério, portanto, foi apenas no tropos, ou seja, o modo da concepção, mas não sua integridade e imutabilidade (CRUZ, 2022; p.304).

No mais, como afirmado nos problemas da Tese da Animação Retardada, as coisas de natureza composta têm suas partes simultâneas — ora, todo homem o é e sendo Cristo perfeitamente homem, é evidente que assim também será Nele. Mesmo em Cristo é uma necessidade que passem existir ao mesmo tempo (CRUZ, 2022; p.305–306). Acrescenta-se que como dito, para tal tese não se pode dizer que alguém foi “concebido” e dizer isso de Cristo seria um sério problema, por iria contrariar a Revelação Divina (CRUZ, 2022; p.309) e justamente pelo mesmo motivo, ter-se-ia que afirmar que o Verbo de Deus destruiu a hipóstase preexistente, o que seria dizer que a Encarnação se deu precedida de um homicídio (CRUZ, 2022; p.308).

Por fim, e não menos importante, podemos tratar a Tese Imediatista como Revelação: lembre-se do encontro de Maria Santíssima com sua prima Isabel. Isabel informa que o bebê João Batista, então com 6 meses, alegrou-se pela presença de Cristo, então com poucos dias (CRUZ, 2022; p.320) — ora, se Cristo com poucos dias já é referido como Deus, tudo indica que Ele já o era desde a concepção.

Pois bem, se o Católico aprende com essa passagem que Cristo já é Ele mesmo plenamente ainda na barriga de Santa Maria, e que tem motivos para aceitar que desde a concepção já O era por completo, só se pode concluir que se ensina que a defesa da vida se dá desde a concepção, pois a Concepção Virginal de Cristo é, pois, uma Verdade Revelada (CRUZ, 2022; p.323–324). A salvação não seria completa sem a vida embrionária, Ele não seria plenamente humano nem plenamente Salvador. Fazendo isso, Ele Santificou e Revelou que a vida começa da concepção e que deve ser protegida — do contrário como o Bebê Jesus seria citado de forma tão expressa como foi por Isabel: “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?”? (Lucas 1:43) (CRUZ, 2022; p.327).

Portanto, dentro de uma argumentação Católica, podemos reforçar o ponto da Tese Imediatista ao nível de cogitá-la como Revelação Divina e, também, por ser uma necessidade na Concepção de Cristo.

EM DEFESA DOS ANENCÉFALOS

Já foi apresenta neste texto argumentos que provam que a Alma não depende de órgãos completos para estar infusa no corpo, e por essa razão mesmo humanos Anencefálicos são Indivíduos. Contudo, venho reforçar o ponto e defender esses Indivíduos que tanto são atacados.

Pelo começo: atividade cerebral define a vida? Certamente não. Pois há seres com cérebros extremamente rudimentares e outros que nem o possuem e nem por isso se duvida que exista vida neles, tal como vegetais, minhocas, e insetos em geral. (DEROSA, 2019; p.190).

Mas e para definir um Indivíduo? Vimos que é necessário a existência de Alma Racional, e certamente foi exposto que mesmo um Anencefálico possui, sendo um Indivíduo de fato. Mas há outras formas de provar? Vejamos:

Também não é necessária atividade cerebral para e definir um indivíduo. Por quê? Porque o embrião não tem cérebro, nem o feto, mesmo que saudável, mas o vai desenvolvendo aos poucos — mas disso não se diz que não sejam humanos, ou por acaso alguém dirá que vai nascer um repolho ou um porco? (DEROSA, 2019; p.190). Usar esse conceito seria uma redução materialista de conceito de Indivíduo, o cérebro, na verdade, é muito mais harmonizador do que constitutivo, pois o cérebro só existe em um ser que já se supõe vivo (DEROSA, 2019; p.191).

Muitos tentam comparar o caso de um Anencefálico com alguém morto, ao afirmar que ambos possuem “morte cerebral”. Certamente a morte cerebral indica o fim do homem, afinal este não poderá mais atuar como humano no futuro — por isso é determinação de morte. Contudo, no caso do outro quadro clínico, há Potencialidade para atividade humana, e no caso da morte a Potencialidade que existia cessou definitivamente. Porque, no doente, o cérebro está apenas temporariamente sem funcionamento, ainda sendo capaz de desabrochar adequadamente (tal também se observa empiricamente nos estudos de QI citados anteriormente). Assim a “morte cerebral” não é indicativo de quando começa a vida, mas apenas de quando acaba e só quando o é em definitivo — que não é o caso aqui. O que ocorre aqui é apenas uma limitação por falta de amadurecimento, não é permanente. O status do feto, portanto, não é diferente de alguém em coma temporário biologicamente (DEROSA, 2019; p.192–193). Pergunto ainda: se aparecer Anjos ou alienígenas fazendo mil maravilhas e não possuírem cérebro, acaso será negado que são Indivíduos? Evidentemente que não. Mesmo sem cérebro seriam indivíduos. E por fim, cabe dizer que imaturidade do cérebro não é critério, afinal o desenvolvimento cerebral contínuo mesmo pós nascimento vida adulta. A diferença única é de que no caso do embrião e do feto, ainda há formação, e em breve haverá um cérebro pleno e essa Potencialidade é realmente decisiva (DEROSA, 2019; p.193).

Se aceito tal critério, haveria sérios problemas. Em primeiro lugar, abriria pretexto para a eliminação precoce de crianças com graves disfunções cerebrais. Ademais, para a execução de adultos com prognósticos ou diagnósticos de não terem pleno desenvolvimento cerebral, ou mesmo que perderam tal condição. Ainda assim, tal abriria brechas para polilogismos raciais como fizeram os Nazistas no passado (DEROSA, 2019; p.195). Também ocorreria uma escolha arbitrária de quem é ou não humano, gerando o absurdo de se dizer que há “níveis de humanidade”, como se fosse uma escala. Como poderia o nível de humanidade (“individualidade”) se tornar maior ou menor? Haveria, por consequência, humanos mais humanos, indivíduos mais indivíduos — ora, tal não é evidentemente insanidade? Acaso se alguém é gênio é mais humano que outro? Mais indivíduo que outro? (DEROSA, 2019; p.197).

No mais, nega-se todos os conceitos médicos muito bem definidos. Patologia é um deles, pois é definida não como a simples falta de algo, mas “incapacidade, inadequação ou falha em realizar uma disposição que, nas circunstâncias relevantes, pode e deve ser realizada”, ou seja, um pássaro não poder falar não é patológico porque não é de sua natureza. O que importa aqui, como já foi bem observado no decorrer do texto, é a “pertença à espécie humana e a potencialidade ínsita à do ‘ser’ do homem, não importando se essa potencialidade humana está, por algum motivo, obstada”, o que realmente importa é o Ser e “a substância do homem em termos do conjunto da humanidade e suas características, não a avaliação casuística” (DEROSA, 2019; p.199) — em outros termos, o que vale é a Ontologia. Afinal, nem todo ser humano está atuando a todo momento racionalmente, e nem por isso esse critério deixa de ser concreto ou mesmo o ser vivo deixa de ser humano. O que interessa é ser membro do conjunto de seres capazes de perfazer ações racionais (DEROSA, 2019; p.199), ou seja, ser da mesma Classe Ontológica. Somente com esse referencial Ontológico que podemos perceber que um ser humano mentalmente incapaz é diferente de um cão, pois a deficiência humana é trágica, enquanto a incapacidade natural do cão não tem consequências. Assim, “a aurora da vida humana está ligada à pertença daquele ser à espécie humana” (DEROSA, 2019; p.200) O indivíduo é, portanto, antes definido como dom de Ser, do que antes do desempenho; e os embriões humanos, de qualquer tipo, estão em plena posse de tal definição e da capacidade de todas as células funcionarem como organismo (DEROSA, 2019; p.201–202).

Por fim, eu cito as belas palavras do Papa João Paulo II, na encíclica Laborem Exercens:

“Também elas (as pessoas deficientes) são sujeitos plenamente humanos, dotados dos correspondentes direitos inatos, sagrados e invioláveis, que, apesar das limitações e dos sofrimentos inscritos no seu corpo e nas suas faculdades, põem mais em relevo a dignidade e a grandeza do homem. E uma vez que a pessoa que tem quaisquer “deficiências” é um sujeito dotado de todos os direitos, se lhe deve facilitar a participação na vida da sociedade em todas as dimensões e a todos os níveis que sejam acessíveis para as suas possibilidades. A pessoa deficiente é um de nós e participa plenamente da mesma humanidade que nós. Seria algo radicalmente indigno do homem e seria uma negação da humanidade comum admitir à vida da sociedade ( ... ) só os membros na plena posse das funções do seu ser, porque, procedendo desse modo, recairse-ia numa forma grave de discriminação, a dos fortes e sãos contra os fracos e doentes.” (ALVES et al., 1982; p.113–114)

Assim sendo, é evidentemente imoral justificar o aborto para pessoas portadoras dessa deficiência. E pelas razões apresentadas não se pode negar que são Indivíduos em mais pleno sentido e sua morte será homicídio ou assassinato como para qualquer outro ser humano.

CONCLUSÃO

Portanto, a conclusão evidente do texto não é outra senão esta: qualquer humano é Indivíduo desde sua concepção, e por isso o aborto não é diferente de qualquer assassinato ou homicídio de alguém já nascido e/ou plenamente desenvolvido — e isso vale mesmo para pessoas portadores de alguma deficiência mental séria. Tal se dá, pois, Indivíduo é aquele com capacidade potencial para uso da Razão. E quando digo isso, refiro-me antes de tudo, à uma capacidade ontologicamente comum e não a um uso constante e total. Soma-se que a incapacidade material momentânea não elimina os direitos de alguém, do contrário dormir ou ser anestesiado daria tal permissão, o que é um absurdo. E tal é a realidade de todo ser humano desde sua concepção, afinal foi provado que a Alma Racional é infusa desde a concepção por diversos motivos. Não se deixe de retomar que biologicamente é provado, também, que a concepção marca o surgimento de um novo Indivíduo. Por essas razões e tantas outras expostas no decorrer do texto, é evidente que a conclusão já exposta.

Com isso reforço: o aborto não é algo lícito e sempre, independente da situação, será algo imoral, pois o Embrião/Feto é alguém dotado de Direitos plenos, sendo já um Indivíduo no sentido mais concreto.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Que reine pelos séculos dos séculos.

Amém.

BIBLIOGRAFIA

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BARRERA, Jorge Martínez. A Alma e sua Pessoa. A Relação Mente-corpo segundo Aristóteles e sua Interpretação por Tomás de Aquino. Rev. Aquinate. n° 5, (2007), 1–17

BATISTA NETO, Alberto Leopoldo. A Filosofia Contemporânea da Mente em perspectiva Tomista. Rev. Aquinate. n. 32, (2017), 3–32.

CRUZ, Luiz Carlos Lodi da. A Alma do Embrião Humano: O Fundamento Ontológico de Sua Dignidade de Pessoa (Rio de Janeiro — RJ, Editora CDB, 2022)

DEROSA, Marlon (org.). Precisamos Falar Sobre Aborto: Mitos & Verdades ( Florianópolis-SC, Editora Estudos Nacionais, 3ª Edição, 2019)

DOS SANTOS, Mário Ferreira. Filosofias da Afirmação e da Negação (São Paulo, É Realizações, 2017)

FESER, Edward. A última Superstição: Uma Refutação do Neoateísmo (Edições Cristo Rei, Belo Horizonte, 2017)

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T. Brum

Escritor de artigos relacionados a sociedade privada, catolicismo e assuntos diversos.