O que Reforma, Missões e Universidade têm em comum?

Wesley Cunha
8 min readOct 31, 2022

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No Brasil muitos cristãos veem a Universidade como antagônica ao Cristianismo. Mas será que isso é mesmo verdade?

No dia em que comemoramos o aniversário da Reforma Protestante, eu quero recordar como o movimento da Reforma não apenas começou em um campus universitário, como continuou avançando mundo afora tendo a Universidade como pano de fundo, aliada e, em alguns casos, seu próprio epicentro de expansão. Mais do que isso, quero demonstrar como a Universidade continua cumprindo estes papeis e propor que ela pode ser uma chave para o cumprimento da Grande Comissão.

A origem da universidade no Cristianismo

“A Universidade é filha do cristianismo”. Robson Cavalcanti [1].

Considera-se que as primeiras universidades do mundo não foram cristãs [2]. Mas é possível observar facilmente que foi no contexto cristão — a partir do início do século XI — que as universidades, como as conhecemos hoje, realmente floresceram [3]. E foi sob forte influência cristã que as maiores e mais tradicionais universidades foram fundadas — algumas muito influentes até hoje, como Bolonha, Oxford, Cambridge, Harvard, Stanford, entre outras.

A Reforma Protestante — do campus para a sociedade

Martinho Lutero era Doutor em Teologia pela Universidade de Wittemberg, na Alemanha.

Por volta de 1515 ele começou seus estudos de grego e hebraico, o que foi importante não só para seus estudos bíblicos, como também para o seu posterior projeto de tradução da Bíblia para o alemão.

Em 1517 ele escreveu as 95 Teses, que foram afixadas na porta da capela da universidade como um chamado para um debate escolástico sobre os temas ali propostos (especialmente as indulgências).

As 95 teses foram traduzidas para a linguagem vernacular, impressas e distribuídas, espalhando-se como fogo em palha seca.

Martinho Lutero e as 95 Teses

O despertamento missionário em uma universidade

Universidade de Halle

August Francke (1663–1727) foi um professor na Universidade de Halle, na Alemanha, e é considerado um dos primeiros influenciadores do movimento pietista. Francke definiu o pietismo como: “uma vida mudada, uma igreja reavivada, uma nação reformada e um mundo evangelizado”.

August Francke

Por causa de sua influência, Halle passou a ser um importante centro do pietismo e também uma prolífera agência missionária.

Ali se iniciou um orfanato, um asilo, e uma gráfica, que distribuiu 80 mil Bíblias e 100 mil Novos Testamentos em apenas 7 anos. Para se ter uma ideia do que isso representava para a época, nos 80 anos anteriores a Alemanha havia produzido apenas 20 mil Bíblias [4].

Naquela época vários estudantes da Universidade de Halle partiram como missionários para África, América, Ásia, Ilhas do Pacífico, Índia dentre outros.

Alguns dos primeiros missionários transculturais da história da igreja protestante, saíram desta universidade.

Leia mais sobre a universidade e pietismo nos dias de hoje.

Irmãos Morávios

Um conde chamado Nicolau von Zinzendorf, foi estudante na Universidade de Halle e influenciado por August Francke.

Nicolau von Zinzendorf

Após graduado, em 1722, ele abrigou 300 irmãos que estavam sendo perseguidos na Morávia (Áustria e Leste Europeu). Em 1727 ele assumiu a liderança espiritual deste grupo.

Em 13 de agosto deste ano ocorreu um culto que marcou o início de um avivamento entre os morávios (e uma oração ininterrupta que durou 100 anos!).

Os morávios foram um grupo realmente muito impressionante. Eles tinham como modo de vida a simplicidade. Eles prestavam assistência aos necessitados da sociedade. E eles eram extremamente comprometidos com a obra de evangelização. Segundo Kenneth Mulholland, “os morávios foram os primeiros cristãos a colocar em prática a ideia de que a evangelização dos perdidos é dever de toda a igreja, não apenas de uma sociedade ou de alguns indivíduos” (3).

Alguns números impressionantes: depois de 100 anos de intensa atividade missionária, eles iniciaram 41 centros missionários, batizaram 40 mil pessoas e tinham 208 missionários ativos. 50 anos depois, este número subiu para 700 centros missionários, 83 mil batizados, 335 missionários ativos e 1500 obreiros nacionais.

A proporção chegou à impressionante marca de um missionário para cada 25 cristãos Morávios.

O Movimento Pietista influenciou a muitos, inclusive, John Wesley, na Inglaterra.

O movimento Metodista e suas origens em Oxford

Quando entrou para a universidade, John Wesley, não se deixou influenciar pelo ceticismo e pela libertinagem. Como reação a isso, junto com seu irmão Charles Wesley, seu amigo George Whitefield e outros, fundou o “Holy Club” (Clube Santo), em 1729, na Universidade de Oxford. Wesley percorreu mais de 400 quilômetros pregando o evangelho (pregou a espantosa marca de mais de 40 mil sermões!), sendo líder do maior reavivamento cristão da história da Inglaterra. Charles, seu irmão, foi um prolífero escritor de hinos. Whitefield, pregou durante 35 anos não só na Grã Bretanha, mas também nas colônias britânicas nos EUA, influenciando o pensamento norte-americano.

O Clube Santo

O primeiro envio de missionários norte-americanos

Quando falamos dos EUA no contexto de missões, sempre nos lembramos de que eles são historicamente uma grande nação enviadora. No entanto, tudo começou quando 5 estudantes se reuniram debaixo de uma grande pilha de feno para se proteger de uma chuva. Ali, eles compartilharam o fardo de levar o evangelho para outras nações e oraram para que missionários espalhassem o cristianismo pelo ocidente. A paixão desses 5 jovens impactou a nação e culminou no primeiro envio de missionários protestantes da América, em 1806.

nvio dos primeiros missionários da América

“The Cambridge Seven”

Em 1885, 7 estudantes da Universidade de Cambridge dedicaram suas vidas na Inglaterra e na Escócia, promovendo encontros para os estudantes e impactando de maneira considerável vários campus. Deus usou estes estudantes para trazer um avivamento à Grã Bretanha, que chegou, inclusive, à rainha Vitória. Este movimento também enviou 7 estudantes para a China, que ficaram conhecido como os “Sete de Cambridge”(The Cambridge Seven). Entre eles, estava C. T. Studd. A influência desses estudantes também chegou aos EUA, que levou a formação do Movimento Estudantil Voluntário (MEV), em 1886.

O maior envio missionário da história

O MEV promoveu e encorajou a tarefa missionária na sociedade como um todo. Esta organização enviou, desde a sua fundação, mais de 25 mil estudantes para servir no exterior.

Movimento Estudantil Voluntário — 1886

“Eu acho que não é exagero dizer que, em alguns aspectos, [o MEV] mudou a história do mundo” D.W. Mc Williams.

O MEV, por sua vez, influenciou o surgimento de outros movimentos universitários e missionários ao longo do século XX.

Então chegou aqui

Em 1951, Bill e Vonette Bright realizaram uma reunião onde 30 meninas entregaram as suas vidas para Jesus. Até o final daquele ano, mais e 250 jovens tinham tomado a mesma decisão, incluindo alguns líderes do campus. O movimento se espalhou a Cru se tornou uma organização missionária atuante nas mais diferentes esferas da sociedade. Hoje a Cru está presente em 190 países, com cerca de 18 mil missionários de tempo integral. No Brasil, a Cru iniciou seus trabalhos em 1970 e o seu braço universitário, a Cru Campus, em 1987. Hoje estamos presentes em cerca de 170 campus em nosso país, além de já termos iniciado ministério em Cabo Verde e Moçambique, e ajudado o trabalho em outras nações da Europa, África, Ásia, América Latina e Caribe.

Bill e Vonette Bright

O meu despertamento missionário se deu no contexto deste movimento em minha universidade, a UFF.

“Dois anos de discipulado com um estudante pode gerar um missionário para os próximos 50 anos”. Dela Adadov, líder africano e missionário.

Grupo de estudantes da Cru Campus na UFF — anos 90 (na época se chamava Movimento Estudantil Alfa e Ômega)

E daqui para o mundo

Não apenas a Cru Campus, mas Deus tem levantado muitos outros movimentos estudantis. A Universidade é hoje um lugar carente do Evangelho, mas Deus tem colocado fome e sede dele no coração de muitos estudantes. Muitos estão se convertendo a Cristo. Outros estão sendo renovados em sua fé. E outros, ainda, chamados para missões.

Reunião de estudantes no campus

Na verdade, entendemos que todo estudante é enviado. Quando eles se formam, vão servir nas mais diferentes áreas da sociedade: médicos, advogados, professores, juízes, cientistas, etc, influenciando, assim, a nação com o amor e a mensagem do Evangelho.

“Alcance a Universidade hoje, alcance o mundo amanhã”. Bill Bright

Se a universidade é hoje um lugar mais escuro do que nos dias dos reformadores, isso é uma oportunidade para que a luz brilhe com mais impacto. E estudantes estão fazendo isso agora mesmo, espalhados pelas universidades do Brasil e do mundo. Ore por eles!

Notas

1 Robson Cavalcanti, Cristo na Universidade Brasileira?

2. Veja, por exemplo, esta matéria e também esta lista da Wikipédia. Existem controvérsias sobre quais seriam as universidades mais antigas do mundo. Muitas fontes citam a Universidade de Al Quaraouiyine, no Marrocos, como a mais antiga em funcionamento. Ela foi fundada em 859DC (e é reconhecida como a mais antiga pelo Guiness Book). Depois, seria a Universidade de Alazar, no Egito, fundada por volta de 970DC. No entanto ambas começaram como mesquitas com um centro de estudos islâmicos, e se mantiveram assim até a década de 1960, quando, após várias modificações, se tornaram mais parecidas com o que entendemos ser uma universidade. Alguns, ainda, apontam a Universidade de Ez-Zitouna, na Tunísia, como a mais antiga (fundada em 737DC, na Mesquita de Zitouna, onde funcionou por mais de mil anos).

3. A Universidade de Bolonha, na Itália, foi fundada em 1088 e é o local do nascimento da palavra “Universidade”.

4. Algumas das fontes dos dados apresentados nesta parte foram perdidas, infelizmente. No entanto, vou manter as informações, enquanto tento recuperar as fontes. Agradeço a qualquer que quiser cooperar neste sentido. Por enquanto, indico esta apresentação que possui informações adicionais sobre os pietistas.

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