Cultivando peixes I

Weslley Reis
4 min readJan 3, 2018

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Há um tempo atrás, por um influência da minha última companheira, comecei a plantar coisas no fundo de casa. Pouco tempo. Já tinha um vaso de Capim Santo improvisado na “bacia” de uma antiga máquina de lavar, onde eu mesmo mal enxergava vida, mas ela viu. Começamos por ele, tirando toda terra compactada, umedecendo por partes, adubando em níveis. Até minhoca eu fui caçar, vai vendo. Não fazia isso desde quando tinha uns 12 e ainda pescava na represa com meu avô. O Capim Santo também era dele.
A vózinha dizia que ele contava que todas as vezes em que regava essa planta, ela sorria de volta.

Outro dia que ela veio aqui, trouxe uma muda de “peixinho”, e mais uns adubo louco, minhocário e com isso temos dois vasos. Esse segundo menor, mas de tamanho médio, uns 3l. Não sei como se mede essas coisas. E mais aquela estrutura geradora de adubo e outras minhocas que fariam mais adubos e outras minhocas numa vida regrada em comer constantemente e se reproduzir. Quase um sonho.

Acompanhando o crescimento das duas, comecei a me contaminar com a ideia de ampliar aquilo. Sonho em morar num sítio, plantar e pá, mas até então, só sonhava. Mulheres pretas são práticas. Em dois outros vasos menores plantei espinafre — um talo que catei na feira mesmo — e uma muda de boldo da casa do meu irmão.

Meu relacionamento com a preta já não ia bem, já tinha ameaçado jogar a peixinho fora mas depois me desculpei com elas.

Chegou a primavera e o mundão se acabou em água. O boldo cantou pra subir rápido, cresceu vistoso. O espinafre não durou muito. Enquanto tirava seus restos do vaso encontrei uma espécie de bulbo com uma ponta verde. Não sabia o que era, nem porque tava ali. Resolvi deixar o vaso pra ele.

Todos os dias, em algum momento, eu vou na varanda dos fundos fumar, refletir, chapar. É meu lugar pra pensar. Tem vista pra boa parte da quebrada e um céuzão lindo pra admirar. Às vezes, lá pelas duas da manhã, no sétimo baseado de um dia complicado, me sinto extremamente sozinho. Outras, tem lembranças correndo entre tudo quanto é lado.

Hoje é dezoito de novembro de dois mil e dezessete, já passou do meio dia.

Tem uns três dias que a peixinho, que dentre todas foi a que cresceu e se espalhou mais rápido, me parece meio doente. Amarelada, com as folhas caídas. Tem chovido bastante, pela primeira vez fiz uma poda nela, mas nada tem surtido muito efeito. Em todos os outros momentos em que a vi próxima disso, regava, arejava a terra, até conversava com ela e no dia seguinte ela já me sorria pela manhã. A preta decidiu tomar outros rumos na vida diferentes dos meus, e atribui isso a erros cometidos por mim. Será que se eu regar, arejar a terra e conversar com ela, amanhã pela manhã ela me sorri de novo?

O Capim Santo me assustou no começo. Olhava para ele todos os dias, morria de medo de perder a ancestralidade da planta que meu avô cuidou por tanto tempo e eu deixei a própria sorte. Agora, as folhas antes verdes mais claras já chegaram a um tom escuro, sóbrio, tons de vida longa. E mesmo o gato que vem toda noite comer um pedaço dela e quase a matou no começo, hoje mal interrompe seu ciclo de crescimento. Ainda não tirei uma folha sequer. Lembro de, no dia do plantio, termos falado sobre como estaria lindo em dezembro. Tá quase lá, mas a beleza já veio. Meu velho sempre ajudou muita gente.

O vaso do boldo na casa do meu irmão vivia a própria sorte, mas nunca parou de crescer. A vida para as duas folhas que tirei de lá foi um pouco mais fácil, e dada as oportunidades, cresceram como nunca. Em pouco mais de um mês já está com suas oito folhas, as duas maiores para fora do vaso pra conseguir alimento. Tava falando disso com meu irmão ontem, até as três da manhã. Disso e de KMT, funk, Orixás, ancestralidade, polícia, espiritualidade e da nossa força enquanto povo. Antes não era assim, ambos nos sentimos mais fortes agora.

Peguei o último vaso na mão aqui, agora. É capim. Não santo. Capim, nem sei se tem espécie. Nasce de monte, a gente não dá muita atenção, né? E era só um bulbo que deve ter vindo no meio da terra. Já tá com umas três folhas, tem um tom de verde bem claro. Nascendo de quebradinha, no canto do vaso.

Resolvi deixa-lo crescer.

Dizem que é praga. Falaram isso de mim também. Dizem que se espalha rápido, e tira energia da terra. Falaram isso de mim também. Dizem que não serve pra nada. Falaram isso de mim também.

Ela falou isso de mim também.

Resolvi deixa-lo crescer. Nunca coloquei adubo, nem água. Só deixei, crescer.

Será que em dezembro ele fica lindo, ou santo?

(Continua: https://medium.com/@weslleyreis/cultivando-peixes-ii-3ac583fcfb61)

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