Cultivando peixes II

Weslley Reis
2 min readJan 3, 2018

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Vinte e dois de dezembro de dois mil e dezessete.

Se pá, cometi um assassinato. Apesar das unhas pretas de terra, ainda to olhando pro corpo, comprimido a um espaço muito menor do que o anterior.

Pensei muito antes de fazer isso. Meses. Mas sempre tirava as folhas doentes, arejava a terra, conversava com ela e me sentia o homem mais feliz do mundo em vê-lá ali, feliz.

Quando peguei a colher-de-pedreiro pra começar a separar suas ramificações, pensei que fossem várias, parecia ter se multiplicado por todo o espaço que eu tinha dado pra ela. Brotava aqui e acolá, mas se mantinha uma, tomando tudo pra si. Veio na mente às vezes que esquecia de colocar água, ou da poda e lembrava de sobressalto, saia correndo, a qualquer hora do dia ou da noite, pra supri-la e continuar vendo-a ali, feliz.

Comecei a puxar as raízes e notei que iam tão fundo que quase arrastavam tudo com ela. Paciência pra apertar a terra, separar os ramos ainda com carinho, cuidado, quase sem querer continuar o que fazia. Lembrei de quando plantamos, como sozinho acompanhei o crescimento, a multiplicação, o brilho. Sem nunca saber muito bem o que fazer com aquilo, mas ela dizia que era bom e tinha gosto de peixe.

Ela também disse muitas outras coisas que eu acreditei.

Juntei todas as folhas de uma vez e puxei pra cima. Passei a colher-de-pedreiro como uma faca e arranquei do coração, jogando em um vaso bem menor regando pela última vez com aquela clara e salgada.

Tentei me livrar das raízes com paciência. Foi impossível. Virei tudo num outro recipiente maior e ainda não sei o que fazer com o corpo.

E nem arrumei analogias com plantas, relacionamentos e trairagem.

Pensei em fritar e comer tudo de uma vez. Me senti meio Hannibal. E ainda por cima voltei a pescar com meu irmão. Agora posso comer peixes de verdade que não foram criados e arrancados de dentro de mim.

Já tenho uma planta, mas é nova pra colocar no vaso. Escolhida por mim, cultivada por mim. É parte de mim também, já tá linda.

E sobre plantas com gosto de peixe? Prefiro viver as coisa de verdade.

P.S.: O capim não ficou lindo, nem virou santo e eu joguei pra viver com o restante na selva.

P.S 2: Olhei o corpo agonizar uns quatro dias antes de destina-lo a fortalecer outras plantas.

(Começa aqui:https://medium.com/@weslleyreis/cultivando-peixes-i-54372edb858f)

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