A Única Fé Verdadeira

Sobre a polêmica declaração de Cássia Kis no programa da Fátima Bernardes

André Camargo
Revista Tudo é Sagrado
3 min readMay 21, 2022

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Imagem: Wisnu Widjojo

Existem inúmeras trilhas para subir a montanha e todas conduzem ao mesmo lugar, não importa qual das trilhas você tome. A única pessoa desperdiçando tempo é a que corre ao redor da montanha dizendo aos outros que as trilhas deles estão erradas.

Provérbio Hindu

Cássia Kis(s) deu declarações na Rede Globo que motivaram reações inflamadas nas redes sociais — tanto de apoio quanto de repúdio.

Uma dessas declarações foi sobre religião, um tema que tenho investigado mais a fundo. Disse a grande atriz que “a fé só existe dentro do catolicismo”.

Seria diferente, é claro, se tivesse dito que ela só encontrou a fé no catolicismo. Ou que, para ela, na vida dela, a única fé verdadeira era a católica.

Parte de mim engrossou o coro dos indignados. Afinal, muito sangue foi e ainda é derramado com base nesse tipo de visão, que invalida a experiência do outro e perpetua a guerra.

Uma outra parte de mim sussurrou, dessa vez com voz mais fraca: “Sim, naturalmente”.

Guerra e violência, ainda que entrelaçadas a coisas bonitas, fazem parte deste mundo em que vivemos, desde o começo, e dão mostras de que deverão caminhar conosco até o fim.

Estou aprendendo, com certa resistência, que não vale a pena tentar consertar o mundo.

O mundo, na perspectiva dos grandes mestres espirituais de diferentes tradições, é perfeito. Exatamente como é.

Tenho tentado acolher minhas falhas, meus julgamentos, minhas intolerância. Aprofundar minha prática. Cuido do mundo conforme ele se manifesta através de mim.

Senti vontade de conversar com a Cássia Kis, ao invés da reação usual de apontar o dedo e me afastar. Não para convencê-la de nada, mas para compreender.

Ela obviamente não é a vilã da história.

Talvez porta-voz de um sentimento primitivo que aí está, e se manifesta não apenas no Cristianismo, mas também no Judaísmo, Islamismo, Budismo, na Umbanda, no Espiritismo — e não só nas religiões, mas também na filosofia, nas artes, na política, na ciência, nas redes sociais e nos estádios de futebol.

Uma dificuldade cada vez maior de enxergar, aceitar e conviver com o outro.

Swami Vivekananda tem uma história interessante.

O monge hindu ficou conhecido no mundo ocidental a partir de uma fala impactante no Parlamento das Religiões do Mundo, que aconteceu em Chicago em setembro de 1893. A fala foi aplaudida de pé por cerca de dois minutos pelas 7 mil pessoas presentes.

Na época, o jornal New York Herald publicou que “após ouvi-lo, sentimos quão insensato é enviar missionários [cristãos] para essa culta nação” — referindo-se à Índia.

É um comentário que, justamente, celebra o outro em seu próprio mundo.

Aqui, destaco o trecho final da fala de Vivekananda:

Se algum dia chegar a existir uma religião universal, deverá ser uma religião sem localização no tempo ou no espaço; que será infinita como o Deus que professará, e cujo sol brilhará sobre os seguidores de Krishna e de Cristo, igualmente sobre santos e pecadores; que não será Bramânica ou Budista, Cristã ou Maometana, mas a soma total de todas elas, guardando ainda espaço infinito para desenvolvimento; que em sua catolicidade abarcará em seus braços infinitos e encontrará espaço para cada ser humano, desde o selvagem mais rastejante, pouco separado do bruto, até o homem mais elevado, pairando quase acima da humanidade por meio das virtudes de seu coração e sua mente, inspirando tal assombro na sociedade que chegarão a duvidar de sua natureza humana. Será uma religião em cuja política não haverá lugar para perseguição ou intolerância, que reconhecerá a divindade em cada homem e mulher, e cuja força e alcance serão direcionados a ajudar a humanidade a realizar sua verdadeira, divina natureza.

Swami Vivekananda

Quanto mais estudo a espiritualidade humana, em meu anseio de aprofundar o trânsito entre as religiões, e quanto mais percorro meu próprio caminho, mais sentido essa postura de celebrar tanto a Unidade quanto a diversidade faz para mim.

André Camargo é autor do livro “O Poodle de Schopenhauer” e do artigo mais lido do Linkedin em 2017.

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