Celebrando a Partida do Mestre

O que podemos aprender sobre o viver diante da morte

André Camargo
Revista Tudo é Sagrado
3 min readFeb 2, 2022

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Mestre é quem aponta o caminho

Por André Camargo

No último dia 22, morreu um mestre espiritual da mais alta envergadura: o monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh.

Quando li a notícia, parei para examinar meus sentimentos. Me descobri tocado, mas não exatamente triste.

Por quê?

Em primeiro lugar, porque Thay — como era carinhosamente chamado por seus alunos — já estava bem velhinho e debilitado. Tinha 95 anos e tinha sofrido um avc que o impedira de andar e falar pelos últimos anos de sua jornada.

Ainda assim, viveu uma vida extraordinária, impactou incontáveis seres, e pôde morrer como havia escolhido: em sua terra natal, sustentado amorosamente pela atenção de seus discípulos e alunos.

Me pergunto: Que mais a gente pode querer?

Também não me entristeci porque sua presença a um tempo terna e potente permanece nos frutos que nos legou: uma vibrante comunidade de praticantes sinceros espalhados por todo o planeta, engajados no cultivo de uma cultura de paz e justiça social, além de uma obra que conta com mais de 130 livros publicados.

Seus ensinamentos preciosos a respeito do ser humano e da vida, portanto, seguirão reverberando no espaço e no tempo.

Existe outro motivo, porém, menos trivial, para eu me sentir tocado, mas não triste ou enlutado: a maneira como ele próprio enxergava a morte.

E, acrescento, a maneira como eu mesmo estou aprendendo a enxergar a morte a partir da lucidez de seu olhar.

Caso nessa mensagem eu tenha a honra de estar apresentando a você as palavras dele (ou mesmo de estar te reconectando a elas), escolho compartilhar um pequeno conjunto de gotas de sabedoria, que selecionei com carinho, sobre o que significa viver neste mundo diante da morte.

Sugiro que você tome o tempo de saborear cada uma delas com calma. Que sejam a sua meditação.

“A maioria das pessoas tem medo do sofrimento. Mas o sofrimento é um tipo de lama que ajuda a flor de lótus da felicidade a crescer. Não tem como a flor de lótus existir sem a lama.”

“Quando uma outra pessoa faz você sofrer, é porque ela sofre profundamente dentro de si, e seu sofrimento está transbordando. Ela não precisa de punição; ela precisa de ajuda. Essa é a mensagem que ela está enviando.”

“Tudo que pensamos, sentimos e fazemos tem um efeito sobre nossos ancestrais e todas as gerações futuras — e reverbera através do universo.”

“O verdadeiro milagre não é andar seja sobre a água seja sobre o ar, mas caminhar sobre a terra. Todos os dias participamos de um milagre que não chegamos a reconhecer: um céu azul, nuvens brancas, folhas verdes, os olhos pretos e curiosos de uma criança — nossos dois próprios olhos. Tudo é um milagre.”

“Este corpo não sou eu, não sou apegado a este corpo, sou a vida sem limites.

Nunca cheguei a nascer e nunca cheguei a morrer. Logo ali, o vasto oceano e o céu com muitas galáxias.

Tudo se manifesta a partir da consciência primordial.

Desde o tempo sem início sempre fui livre.

Nascimento e morte são apenas um jogo de esconde-esconde.

Então sorria para mim e pegue minha mão e me dê adeus.

Amanhã devemos nos encontrar novamente, ou mesmo antes.

Devemos sempre nos encontrar novamente na verdadeira fonte.

Sempre nos reencontrando na miríade de caminhos da vida.”

Celebro a passagem do mestre. Pela vida e pelo portal que conduz ao Grande Mistério.

Foi uma honra compartilhar o mesmo tempo histórico.

Em breve, nos reencontraremos.

(Só espero que não tão breve assim.)

André Camargo é autor do livro “O Poodle de Schopenhauer” e do artigo mais lido do Linkedin em 2017.

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