2. Porque a cultura indígena?

A cultura indígena brasileira é extremamente diversificada e rica, tamanha diversidade se dá pelo fato de ser composta por 233 povos indígenas, das mais diversas origens, valores, crenças e rotinas. Percorrer toda essa bagagem cultural reunida é descobrir uma infinidade de noções, formatos, cores, e uma enorme gama de significações e estética.

De acordo com a autora Lux Vidal¹, percebe-se um crescente interesse nas artes indígenas como fonte de inspiração e como reconhecimento da produção artística desses povos, que, decididos a continuarem sendo índios, ainda criam e recriam as peças e obras que carregam a história e o comportamento de suas tribos.

Com o passar do tempo, a sociedade começou a explorar ornamentos, pinturas corporais, artesanatos e outras atividades que remetem aos antigos povos como manifestações legítimas da concepção tribal de um ser humano.

Seu valor estético, aliado a um contexto da própria pessoa (ou de um grupo) compõem um conjunto visual atrativo.

Figura 1 — Retirado do livro A plumária Indígena Brasileira. DORTA, SONIA FERRARO. A Plumária Indígena Brasileira no Museu de Arqueologia e Etmologia da USP / Sonia Ferraro Dorta & Marília Xavier. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: MAE/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000. (Uspiana-Brasil 500 anos).

No raciocínio de Berta G. Ribeiro², a manifestação da cultura indígena está mais presente fora das áreas urbanas e metropolitanas, mas é possível perceber o forte crescimento do número de feiras de artesanato nas cidades, mesmo as mais populosas. Lá, as pessoas procuram por tecidos, materiais, enfeites que possuem aspectos e características mais voltados à natureza, comportamento herdado dos povos primitivos que habitaram o país.

Percebendo esta grande procura, o estudo pela cultura e arte dos indígenas tem se tornado uma necessidade, e, aos poucos, vemos lojas explorando este segmento, especialmente no vestuário e em decoração de ambientes, além da vasta gama de acessórios femininos. Dessa forma, além de contribuir com a divulgação e manifestação dessa riqueza cultural, as empresas passam aos clientes uma preocupação com questões relacionadas ao meio ambiente, sempre atribuindo a preservação e a sustentabilidade buscando também a valorização aos direitos humanos e o respeito à diversidade étnica.

Outra questão que se deve observar é que o artesanato no Brasil é amplamente influenciado pelos indígenas. Bolsas trançadas com fios e fibras, enfeites e ornamentos com penas, sementes e escamas de peixe são utilizados em diversas regiões do país, que sequer têm proximidade com alguma aldeia indígena.

A relação entre cultura urbana e primitiva não é recente e nem de mão única. Da mesma forma que na cidade há um crescimento da procura de objetos artesanais e exóticos. No campo e nas comunidades indígenas há uma crescente substituição de objetos artesanais por produtos industrializados. Isto é explicado por Canclini³ como sendo um processo sociocultural, onde elementos culturais que existiam de forma separada se combinam para gerar novos elementos híbridos.

No cenário do comércio urbano, as manifestações estéticas primitivas estabelecem uma relação simbólica com um modo de vida ao ar livre, trazendo sensações ligadas ao natural e um pouco de nostalgia (quando se trata de um público que foi criado no campo, por exemplo), ou numa época em que a indústria não era tão abrangente.

Um reflexo disto pode ser percebido no turismo. O turista normalmente é atraído pelo primitivo e pelo exótico, já que é um contato diferente do que ele possui habitualmente.

No design, a preocupação em utilizar a cultura indígena se dá pela busca de promover uma comunicação harmônica e equilibrada de sua simbologia com suas funções básicas, além dos benefícios de seus artefatos e elementos num cenário bem diferente, a civilização. O grande número de referências que essa cultura abrange é que destaca cada uma dessas peças.

Taisa Rodrigues enfatiza esse raciocínio tecendo o seguinte comentário:

Entre a pluralidade de valores, a cultura pós-moderna, destaca-se a evidência de signos e estilos do passado assim como as referências regionais. Pois o fenômeno da globalização fez surgir novos modelos e práticas para a atividade do design, que englobam referências regionais múltiplas, sincréticas, híbridas, plurais e multiculturais, que enfatizam o lado sólido da cultura local em contraposição a efemeridade da cultura global.

RODRIGUES, TAISA FIQUEIRA. Um olhar do Design sobre a iconografia indígena. A ornamentação corporal kayapó: um estudo de caso. Dissertação (Mestrado em Artes e Design) — Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, capítulo 4, p. 80. Disponível em: http://www.nima.puc-rio.br/cursos/pdf/020_taisa.pdf. Acesso em: 12set. 2013.

Apesar das diversas inovações, não só tecnológicas como também sociais, o comportamento das civilizações na verdade é uma constante releitura do passado, o ciclo de vida e da cultura tende a ser sempre uma metáfora do que já existia e uma constante vontade de aperfeiçoar artefatos já desenvolvidos.

Porém as referências primitivas hoje, são em sua essência apenas referências, pois não possuem o pragmatismo no qual foram criadas tais simbologias e nem o contexto — tempo e espaço.

Figura 2 — A arte indígena e sua influência na tatuagem. Grafismos indígenas brasileiros. Disponível em http://www.soultattoo.com.br/blog/arte-indigena-tatuagem. Acesso em 1 de dezembro de 2013.

Também podemos retratar aqui as redes, que geralmente são produzidas de algodão, também fazem diversas referências simbólicas de etnia e foram exploradas comercialmente pelos portugueses. Elas são feitas em várias dimensões e cores.

Todo o universo primitivo é altamente pragmático, o que os designers em sua essência deveriam estudar e ser.

¹VIDAL, LUX B. Grafismo Indígena: estudos de antropologia estética, 1992. São Paulo: Studio Nobel, 2007. ²RIBEIRO, BERTA G. O índio na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Editora Revan, Ed. 2, 1991. ³CANCLINI GARCIA, NESTOR. Culturas Híbridas — estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997.

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