Mestre Olegário e o Museu do Cordel

Frank Junior
A Ponte
Published in
5 min readApr 9, 2018

Um dos programas que eu tenho adotado em fazer rotineiramente, é todo sábado de manhã dar uma volta na feira de artesanato. Tomar um caldo de cana, visitar a Casa de Cultura José Condé, escutar cantoria no bar do repente com os poetas cantadores e coisas do tipo.
E por falar em poetas, uma visita obrigatória sempre que eu estou pela feira é o Museu do Cordel Olegário Fernandes.

Pode não parecer, mas Caruaru já teve uma cultura forte de poesia popular como já falei por aqui, a exemplo de mestre Dila, mestre Sales Arêda até glosadores mais antigos como Artur Tabosa e Major Sinval. Dentre esses nomes da poesia, um nome que jamais deve ser esquecido em Caruaru é o cordelista mestre Olegário.

Imagem: Frame do filme “A Peleja do Bumba Meu Boi contra o Vampiro do Meio Dia”

Olegário Fernandes da Silva (1932–2002) nasceu em Vila Jacaré Grande, que pertence a Caruaru e se utilizava justamente da feira para vender seus cordéis. Na época em que a feira era ali na rua do Comércio (antigamente chamada de “Rua da Frente”, depois passou por “Rua do Comércio” e hoje é a “15 de Novembro”), era muito comum a presença de poetas cordelistas vendendo seu cordéis em maletas e declamando em voz alta de frente da igreja da Conceição. A cultura dos cordéis inclusive nasceu assim antigamente, não se lia, mas se declamava em voz alta pra todo mundo.

Nessas idas à feira, Olegário conheceu sua esposa que era natural da Paraíba, e com ela teve dois filhos: Olegário Filho e Maria Betânia, todos morando em Caruaru. No ano de 1968, Olegário chegava a vender 5 mil cordéis por semana garantindo o sustento da família por vários anos, se utilizando de sua famosa tática de vendedor, o filho conta: “[…] declamava o cordel e quando estava próximo a terminar, dizia: ‘quem quiser saber o fim da história compre o cordel’”.

Olegário trabalhava com o pai agricultor e observava os cordelistas de Toritama declamarem seus versos na feira de lá. Nessas observações, Olegário aprendeu a fazer poesia e a partir de 1956 com a notícia que a carne de Minas Gerais estava contaminada, Olegário fez seu primeiro cordel: “A história do boi de Minas e as carnes contaminadas”, que no enredo, o homem que comesse da carne de Minas virava mulher, e a mulher virava homem.

Um dos maiores sucessos de Olegário também é o cordel “O Menino de Duas Cabeças”, de 1968 que vendeu mais de 100 mil exemplares.

Na década de 80, mestre Olegário também faz uma participação no filme-documentário “A Peleja do bumba meu boi Contra o Vampiro do Meio Dia” dos diretores Pedro Arão e Luiz Lourenço. No filme ele dá um depoimento sobre a [falta de] valorização da cultura popular na época, em sua barraca na feira ao redor de vário cordéis.

Nos seus escritos em cordéis, mestre Olegário retratava desde acontecimentos do cotidiano como um escrito sobre o atentado de 11 de Setembro até histórias fabulosas e fantásticas como não poderia faltar. Aliás, como diria mestre Galdino: “Nordestino não mente, não existe mentira, existe folclore”. Um dos cordéis mais conhecidos de mestre Olegário são:

- O homem que casou com uma Jumenta
- A criança que foi morta pelo leão
- O Atentado terrorista e o nosso sofrimento
- O desastre da serra da russa

“Jesus pai poderoso
Minha poesia aumenta
Enquanto eu escrevo um causo
Que todo mundo comenta
O homem deixou a mulher
Pra se casar com a Jumenta”
(O homem que casou com uma Jumenta)

Só no ano de 2002, que foi inaugurado o primeiro museu do Cordel em Caruaru (mas idealizado por Olegário desde 1999), instalado no meio da feira de artesanato, contando com um acervo de mais de 10 mil títulos, recebendo estudantes para pesquisas e tudo mais. O museu do Cordel na feira, é um dos lugares mais importantes de Caruaru, onde recomendo fortemente a visita rotineira por lá, principalmente aos sábados onde geralmente acontece declamação de poesia e apresentações musicais de cantoria. Dá pra saber inclusive o que vai rolar por lá acompanhando pelo facebook.

Foi em uma dessas minhas idas ao Museu do Cordel que encontrei cordéis de Sales Arêda, do próprio mestre Olegário, até cordéis clássicos do início do século como os de José Pacheco. Foi lá também que conheci e bati um papo com o poeta Paulo Pereira, até registrei um pedaço da conversa com sua poesia dos passarinhos.

Mestre Olegário faz parte de um dos principais nomes da poesia de Caruaru, e deixou o legado com os filhos que são responsáveis pelo Museu do Cordel. Os poetas de Caruaru devem sempre ser lembrados pra não deixar essa manifestação artística que representa as raízes culturais nordestinas, que é a poesia popular, se acabar.

Adotei esse programa que já virou rotina pra mim, sempre que estou em Caruaru, dou uma passada na feira pra dar de encontro com a banda de Pífano Alvorada de Andinho do Pife e cia, passar tocando clássicos de Sebastião Biano e do poeta Lídio Cavalcante, e também pra uma visita obrigatória ao museu do cordel.

Em breve trarei mais relatos dessas minhas visitas por lá que garante no mínimo uns 10 textos desse.

Refrências:

SCHWARZ, Ana Graciela.Entrar e sair da tela: uma viagem imóvel. Dissertação (Mestrado em Antropologia) — Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2002.

SANTOS, I. S. M. ; MOURA, R. R. B. S. ; SILVA, J. B. . A literatura de cordel e sua influência para a cultura popular: história de vida e legado de Olegário (1932–2002). 2016.

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