Os “incêndios” de Caruaru

Frank Junior
A Ponte
Published in
5 min readSep 10, 2018

--

Não é só o Museu Nacional que pega fogo, por sucateamento de equipamentos culturais e históricos. Nem tudo são flores na história de Caruaru também, e as aspas do título utilizei como metáfora, para lembrar um pouco da triste história de Caruaru a partir das demolições.

Um dos primeiros cinemas de Caruaru, o Cine Theatro Rio Branco, pertencia a João Condé (o pai do escritor José Condé), na rua da Matriz, lá pelos idos da década de 20, foi um dos primeiros e mais importantes cinemas da cidade, localizado na principal rua da cidade até então. O cinema nem o prédio existem mais, Caruaru demoliu pra dá lugar a lojas de comércio.

Depois do sucesso do Cine Theatro Rio Branco, o comerciante Santino Cursino inaugurava na praça Praça José Martins, o Cine Theatro Caruaru (popularmente conhecido como “cinema de Santino”), inicialmente com capacidade para 1400 pessoas sentadas. Depois ampliou contruindo um 1º andar (no qual se chamava de “balcão”) aumentando a capacidade para mais 200 lugares.
O cinema foi demolido para dar lugar ao atual Banco do Brasil, no qual a foto que ilustra o texto mostra o cinema demolido.

Vou parar por aqui nessa linha de cinemas para o texto não ficar muito extenso. Caruaru demoliu ou acabou com todos os cinemas de rua (que existiam vários). O Cine Santa Rosa virou igreja, o último cinema de rua que foi o cinema do Grande Hotel, hoje também é igreja.

Por falar em Igreja, a verdadeira Igreja da Matriz foi construída ainda no século 19, inicialmente com 1 torre só, depois Manoel de Freitas (Nôzinho de Freitas — irmão do Major Sinval) construiu a 2º torre. A reforma deixou a igreja muito mais bonita, formando uma paisagem arquitetônica uma das mais belas da cidade, formando o “trio”: Jardim Siqueira Campos na esquina (que era o jardim da igreja) com um coreto bem trabalho ao centro. A igreja, e o Paço Imperial (atual Palácio do Bispo).

A igreja foi infelizmente demolida pra dar lugar a atual igreja da matriz em formato de pirâmide na década de 60, e o jardim (que no inicio do século 20, se chamava de “Praça Linda”) também foi demolido dando lugar a lojas de comércio. Caruaru mais uma vez demolindo suas principais referências arquitetônicas.

Igreja da Matriz. Ao lado direito, o Paço Imperial (atual Palácio do Bispo), e ao lado esquerdo, um pedaço do Jardim Siqueira Campos
Rua Vigário Freira vista de cima do Jardim Siqueira Campos
Jardim Siqueira Campos visto de cima, da rua Vigário Freire.
Demolição da Igreja da Matriz e do Jardim. Atualmente, nem a palmeira imperial sobreviveu, derrubaram também.

A primeira escola de Caruaru, dizem que também entrava para lista de um dos mais bonitos prédios da cidade por sua arquitetura, se chamava Grupo Escolar Joaquim Nabuco, foi construído ainda no século 19 perto da praça do Rosário. Caruaru demoliu um prédio do século 19 pra dar lugar a um posto de gasolina.

No início dos anos 50, João Condé (dessa vez o filho, o irmão de José Condé) teve a idéia, iniciativa e articulação de construir um Museu de Arte Popular em homenagem a mestre Vitalino (ainda vivo na época). Em resumo, o museu foi construído dando lugar àpeças dos artesãos do Alto do Moura, com destaque para mestre Vitalino, abrigando inclusive todas as suas peças (se não me falha a memória, são 108 criações no total).
Idéia e iniciativa genial para uma cidade conhecida por suas criações do barro e seus mestres do Alto do Moura né verdade? Pois bem, demoliram o prédio pra dar lugar ao atual prédio da Prefeitura.

Inclusive, os irmãos condé cresceram na famosa casa de número 300 da rua da Matriz. Uma casa que dizem ter sido muito bonita também, construída pelo pai deles, João Condé, na década de 20. A casa não existe mais, foi demolida na calada da noite pra dar lugar a um prédio comercial qualquer.

Casa de José Condé, a que tem uma grade na frente.
José Condé numa foto em frente a casa onde morou.

Dos prédios que ainda estão de pé, temos a importantíssima Casa de Cultura José Condé que fica por trás da feira. A última vez que eu fui lá tinha vários baldes em um dos salões pra conter as goteiras, e me disseram que a cada chuva alagava parte dos salões de exposições por conta de infiltrações.

Um dos acervos mais valiosos e importantes de Caruaru pode ser encontrado no Instituto Histórico de Caruaru, que apesar das dificuldades foi o pessoal do IHC que promoveu programações como centenário de José Condé e Nelson Barbalho na cidade, a exposição fixa de Nelson Barbalho no Polo Comercial, e lançamentos de livros importantíssimos para história da cidade, como a biografia inédita de José Condé escrita por Nelson Barbalho. A última vez que eu fui lá, tinha sido arrombado várias vezes, cadeados enferrujados na porta da frente e investimento quase zero.

Esse é apenas um resumo bem resumido das demolições e sucateamentos culturais de Caruaru. Mas são importantes essas memórias, pra a gente enquanto população também fazer nossa parte de valorizar, zelar, frequentar, usar, e proteger esses equipamentos culturais. É nossa história, nossas raízes e nossas identidades, e a gente enquanto povo deve se conectar mais com a dinâmica e a respiração da cidade, e evitar ao máximo que esses “incêndios” aconteçam.

Referências:

- Um agradecimento especial ao grupo “Caruaru Arcaico”, (em especial a Hélio Florêncio e Walmiré Dimeron), onde eu peguei boa parte das fotografias e informações.

--

--