São João: existe vida além do Pátio de Eventos

Frank Junior
A Ponte
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6 min readJun 11, 2018

Depois do São João ter se configurado como festa-espetáculo a partir dos anos 90, o Pátio de Eventos Luiz Gonzaga era o lugar onde todo mundo se encontrava, onde estavam os camarotes, os bares, os comerciantes, o povo, as grandes atrações e tudo mais.

Lembro de várias vezes na minhas adolescência encontrando com pessoas pelo pátio, onde tinha na época uma espécie de vila com uma igrejinha e várias construções de alvenaria que eram instalados os bares no mês de Junho.
Alguns anos se passaram, já tava quase me acostumando com a multidão daquele local, já conhecia quase todos os bares, até que um certo dia, decidi subir uma ladeirinha em um espaço que apesar de grande, parecia passar despercebido pela maioria.

Espaço Cultural Tancredo Neves

Essa ladeirinha, era a porta de entrada do galpão do “Espaço Cultural Tancredo Neves”, onde a grande maioria das pessoas só entravam para ir no banheiro. Mas entrando lá, descobri quase que um outro mundo, espaçoso, grande, dentro do galpão, era um local fechado, a multidão tava do lado de fora.

Nesse espaço tinha uma feirinha com artesanatos, roupas, hippies, e alguns produtos típicos. Mais a frente, tinha um bar visivelmente improvisado com balcão de madeira, com pessoas ao redor, circulando, bebendo e conversando.

A memória é meio vaga, mas era por volta do ano de 2006–2007 (esse espaço existia desde 2005 mais ou menos). Eu ainda adolescente não entendia muito bem o que acontecia “politicamente” por trás da festa.
Mas os novos artistas autorais de Caruaru não tinham muito espaço na principal festa da cidade, ou seja, o que a cidade produzia de cenário cultural (música, teatro, e outras artes) durante o ano, ficava de fora da principal festa do ano, para dar lugar a grandes atrações que estavam em alta na mídia do momento. Ou seja, era uma festa pra atender basicamente os interesses econômicos e comerciais da cidade.

Sabendo disso, essa nova cena artística da cidade, começou a batalhar por mais espaço. Até que formou-se um pequeno palco no Espaço Cultural, nesse mesmo lugar onde rolava a feirinha, com algumas atrações desses artistas, além de muito forró, coco, cirandas, MPB, banda de pífano.

Além do palco com atrações como Almério, Rogéria, Valdir Santos e Erisson Porto, aquele bar montado de maneira improvisada, era o bar “Na Feira” de Chico Oliveira, depois ficou sendo a Cachaçaria de Silvio.
Pronto, tava formado o local onde escoava verdadeiramente as produções artísticas da cidade.

Essa era a época de hits como “Ciranda da Vida” (composição de Murilo Carmo), “Boca da Noite” (de Ceumar), “Jangadeiro” (de Valdir Santos e Demóstenes Félix) e “Trilheiro” (Erisson Porto e Djair Vasconcelos).
Era engajamento certeiro por parte do público quando alguém cantava uma dessas músicas. Lá virou o ponto de encontro de várias tribos, sem julgamento ou preconceitos e que estavam mais interessadas em dançar, cantar e escutar forró, bandas de pífano, coco, cirandas, e releituras de mpb.

E foi assim durante um tempo, até que em um determinado ano a prefeitura decidiu que aquele galpão do Espaço Cultural seria o local de apoio da polícia.
Legal, mas a turma que estava instalada naquele espaço e as apresentações de cultura popular, ficou todo mundo órfão, mais uma vez, sem espaço.

Garajão

Até que no ano de 2010 e 2011, por uma tentativa de pura militância de criar o próprio espaço pra tocar outras coisas que fugissem do padrão do axé do Pátio de Eventos, foi criado o “Garajão”.
Daniel Finizola abriu a garagem da casa dele, que era localizada por trás do pátio, pra receber os amigos e bandas e fez uma festa na calçada nesses 2 anos seguidos, já que o Espaço Cultural não existia mais.

Lembro do Sangue de Barro e do Mazamorra (banda de Camocim de São Félix) tocando dentro da garagem, e um grupo de amigos dançando, bebendo, e brincando na rua. Iniciativas como essa me lembra muito uma música da época que diz:

“O poder cria a ferida
Mas o povo reinventa a vida
A palavra, a força, o desejo
Vão refazer esse chão”
(Outras Coisas)

Na 2º edição em 2011, foi gravada até uma reportagem que pode ser vista no youtube:

Em paralelo, os artistas voltaram para aquela luta de pedir de volta, aquele tipo de espaço pro poder público. Até que no ano de 2012, a prefeitura cedeu um galpão, só que dessa vez na Estação Ferroviária, onde teria um palco lá dentro pra voltar essas movimentações.

Palco Alternativo

Placa instalada pela prefeitura no interior do galpão do “Palco Alternativo”. 2012 (foto: Frank Junior)

Apesar de muitos problemas e precariedades, o galpão da estação ferroviária tava lá, e aquele pessoal que frequentava o Espaço Cultural antes, migrou todo mundo pra lá. Era um palco completamente escanteado por toda e qualquer mídia da prefeitura. Então imagine você, um galpão fechado, em plena rota do São João de caruaru, com um fumaceiro saindo pela porta causado pela máquina de fumaça do palco (o palco ficava ao lado de uma das portas do galpão). Do lado de fora, não dava pra entender o som que tava rolando dentro, só puro barulho.

O galpão era um verdadeiro disco voador pousado em plena festa do São João, de tão “estranho” que era, na visão de um passante aleatório. O local foi chamado de “Palco Alternativo”, e rolava todo tipo de show, desde death-metal (com bandas autorais da cidade como o Alkymenia por exemplo) até forró, coco e bandas de pífano, tocava de tudo um pouco.

Na programação rolava artistas locais e da região, ou seja, as produções musicais que era produzido na cidade durante o ano basicamente escoava lá. Além de outras atrações de fora como Silvério Pessoa e maestro Forró em shows clássicos dentro daquele galpão.

Eu me lembro que um dos shows mais clássicos que eu vi ali dentro foi do próprio Ave Sangria em 2013, banda lendária da década de 70 em Recife, tocando em pleno São João de Caruaru? Só podia ser lá no Palco Alternativo.

Ave Sangria. 2013 (foto: Frank Junior)

Era muito comum, diálogos do tipo:
- Onde fica o palco alternativo?
- No galpão da estação ferroviária.
- Lá só toca rock né?
- rapaz, lá toca de tudo, de rock a forró.

Uma resposta para esse diálogo acima (além dessa foto do Ave Sangria), são apresentações como essa do “Projeto Repercutindo Jackson do Pandeiro” por exemplo, que pode ser vista nesse vídeo. O palco tinha tudo, de rock a forró, era um verdadeiro festival de música.

As pessoas de maneira geral não sabiam do que se tratava, e nem muito menos imaginavam a importância de um local desse para o evento. Um local de preservação cultural, dando vez a bandas de pífano, ao forró tradicional, coco, trabalhos autorais, bandas de fora, e artistas de peso nacional.

Polo Azulão

Polo Azulão, do lado de fora do galpão. 2016 (foto: Divulgação)

Mesmo com precariedade, problemas, visibilidade zero por parte da mídia, o palco resistiu, e a cada ano ia ganhando mais notoriedade na base da militância. Até que por volta de 2015 o palco saiu de dentro do galpão e foi pro lado de fora, pra calçada, mudou de nome, e se chamou “Polo Azulão”.

Foi nesse contexto também que surgiu iniciativas como o TaiDoido, um coletivo de comunicação voltado para apoiar e fortalecer a cultura de Caruaru, no qual, nesse mesmo ano de 2015, fez uma cobertura completa do Polo Azulão através de fotografias. Logo, tem fotos de todas as noites do Polo no ano de 2015, que podem ser conferidas lá no facebook.

Nessa época, me lembro de apresentações clássicas como “Cara de Doido” com a banda de pífano Dois Irmãos de João do Pife e ainda uma participação de Onildo Almeida. Todo mundo no palco ao mesmo tempo, foi clássico.

Até que no ano de 2017, o palco cresce, e se muda de lugar mais uma vez, vai pra rua do Sertanejo, ao lado da ACIC. Agora grande, maior umas duas vezes, com uma imponência que ele merecia a muito tempo. Nada é perfeito a ponto de não ter defeito, mas parece que finalmente ganhou a notoriedade que deveria ter. Foi nesse ano que rolou apresentações ainda maiores como Lenine e Chico Cesar.

Hoje o Polo Azulão é esse festival de música e de cultura popular que acontece no São joão de Caruaru, onde tem esse espírito plantado desde o Espaço Cultural, a mais de 10 anos atrás.

Polo Azulão em seu local atual. 2017 (foto: divulgação)

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