EU TENHO MUITO MEDO DE SER ABANDONADO

NÃO SEI AO CERTO QUANDO COMEÇOU, MAS ESSE MEDO TEM CAMINHADO COMIGO A VIDA TODA

Fê Chammas
ABRÁÇANA
8 min readAug 29, 2019

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Sábado agora fui acometido por uma percepção que, acredito eu, tem sido construída dentro de mim há anos, mas sobre a qual eu não tinha tal clareza.

EU TENHO MUITO MEDO DE SER ABANDONADO.

A partir de um sentimento de ciúme que decidi averiguar um pouco mais a fundo, comecei a acessar pistas em relação a isso. Aí, conversando com um amigo, ele me disse que “medo de abandono tá relacionado com pai e mãe”.

Parei pra refletir brevemente. Tive não só meu pai e minha mãe presentes em casa a vida toda, como também dois irmãos mais velhos que sempre cuidaram muito de mim. Comé que eu poderia sentir que fui abandonado?

Foi aí que acessei uma memória de criança.

Eu estava dormindo no quarto e, quando acordei, escutei que minha família já estava desperta e percebi que eles estavam prestes a sair. Eu lembro de ficar um pouco afobado e sair correndo do quarto, ir até a porta da sala que dava pra garagem e ver o carro partindo com minha mãe e meus irmãos enquanto o portão se fechava.

Lembro-me de diversas outras situações que me fizeram acessar um lugar muito semelhante. Geralmente, eles só tavam indo ao shopping ou buscar alguma coisa no centro e logo voltavam.

Mas minha sensação era de que eu tinha sido deixado pra trás.

Não sei o que aconteceu antes para que eu viesse a ter essa sensação, mas essa percepção foi suficiente para eu explorar muita coisa. Tenho acessado uma série de clarões que compartilho aqui.

MINHA AUTOPERCEPÇÃO

Desde que consigo me lembrar, até hoje, sou muito comparador. Estou sempre avaliando os comportamentos das outras pessoas e os meus e julgando-os, tentando categorizá-los e entender qual é melhor ou pior, certo ou errado.

Até onde consigo ver, me parece que meu medo de ser abandonado me gera uma percepção de que preciso fazer algo para que as pessoas queiram ficar comigo. E a comparação é uma maneira de me convencer de que tenho valor, ou entender o que quero mudar, para me certificar de que não vou ser deixado.

PERSONALIDADE

Uma coisa que já ouvi zilhões de vezes da minha mãe é que “meu irmão mais velho tinha poucos amigos e o do meio tinha alguns; já o Fefê sempre teve muitos”. E, quando criança e adolescente, ela costumava me chamar de rueiro, pois eu estava sempre na casa de alguém, no clube, indo em alguma festa… eu chegava a dormir 2 ou 3 dias seguidos na casa de amigos.

Também me lembro de ter bastante dificuldade em dizer não para convites de amigos. Existia um lugar dentro de mim que achava que eu precisava agarrar aquela oportunidade de estar com o amiguinho que me convidou porque, se não, ele não me convidaria mais. Eu deixava de fazer o que estava fazendo, pois não aceitar o convite poderia chateá-lo, deixá-lo achando que eu não queria estar com ele e, pra mim, isso trazia o risco de eu não ser mais convidado.

A partir dessas percepções, tô correlacionando que esse meu medo de ser abandonado tá relacionado à minha extroversão e hiperdisponibilidade nas relações, que acredito ter desenvolvido como mecanismos de prevenção ao abandono. Ter muitos amigos sempre foi uma maneira de me certificar que eu não seria largado pra trás, sozinho, pois sempre haveria alguém com quem estar ou para ir encontrar.

Mas sozinho eu não ficaria!

NO AMOR

Pra variar, meus padrões — e talvez de todos os seres humanos — ficam exponencializados em relações amorosas. Talvez eu esteja bem enviesado e vidrado no assunto, mas tô enxergando que muitos dos meus padrões em relação ao amor, ao sexo e à conquista se conectam ao meu medo do abandono.

É bem sutil, mas tenho a percepção de que preciso viver me provando relevante para minha parceira para que ela queira continuar comigo, para que ela não me deixe. Isso me faz empregar minha hiperdisponibilidade de maneira muito intensa em relacionamentos amorosos, pois me parece que se eu dedicar suficientes tempo e energia ao relacionamento, me fazendo relevante e talvez até indispensável, diminuo minhas chances de ser abandonado.

Ao ficar hiperdisponível e colocar muita atenção e energia na relação, tendo a diminuir o valor que dou para outras áreas e relações da minha vida, minguando algumas das minhas manifestações de individualidade. Aí a atenção que dou pode facilmente virar tensão, pois ao diminuir minha vida individual, preciso mais ainda da relação para não ficar só. Aí vem a cobrança.

Também a partir desse lugar de buscar relevância, me percebo comparando minhas características com a de outros homens com frequência. Hoje já não enxergo homens como adversários, mas vejo claramente um histórico de sempre tentar entender quais suas características que fariam com que minha parceira me abandonassem por outro, bem como tentar buscar algo em mim que me convença de que sou melhor e, portanto, não-abandonável.

Essas duas coisas — busca por relevância e comparação com outros homens — parecem ser os principais fundamentos do meu ciúme. Mesmo quando tenho todas as evidências — práticas e energéticas — de que tenho uma relação de confiança, o ciúme ainda se manifesta. Tenho aprendido a cuidar melhor dele, a me autorresponsabilizar mais pelo que sinto, mas ele ainda se manifesta.

Mas me parece que, mais do que qualquer outra coisa, ele é um grito de “não me abandona!”.

O grande clarão aqui foi que a sensação no corpo que tive esse fim de semana, quando notei que estava com ciúmes, foi a mesma que associo à memória da minha família saindo de casa sem mim.

ANSIEDADE

Tenho cuidado da minha ansiedade há pelo menos 8 anos, quando comecei a descobrir o Yoga. Nesse processo, vi que ficar sozinho, só comigo mesmo, por longos períodos de tempo, é super desafiador pra mim. Mas também é extremamente revelador, calmante e me centra como nenhuma outra atividade faz.

Mas até eu descobrir isso, eu não ficava sozinho. Ou, se ficava, é porque sabia que logo logo ia encontrar alguém ou fazer algo. Porque se eu não tivesse planos, ficava ansiosíssimo, na maioria das vezes sem perceber.

Vejo essa ansiedade se manifestando até hoje, principalmente de maneiras muito sutis.
Uma delas é minha tendência a responder meu zap com prontidão. Se eu não cuidar, acesso o zap toda hora para responder as pessoas o mais rápido possível, assim não perco nada e “não deixo passar o convite de nenhum amiguinho”. Ou se acordo cedo para praticar Yoga e, durante a prática, minha família começa a acordar e se aprontar para ir pra praia — sem me esperar — , fico ansioso, querendo terminar para ir pra praia com eles.

Também consigo conectar as sensações desses momentos com as de quando assisti minha família saindo de carro.

ME PROTEGENDO

Daí vejo que desenvolvo dois principais mecanismos de proteção.

O primeiro, que vivi fortemente no começo dos meus 20 e poucos anos, é me mostrar super autônomo e independente. Busco fazer rolês sozinhos para mostrar aos outros e, acima de tudo, me convencer de que não preciso de ninguém.

Lembro da primeira vez que fui viajar sozinho de maneira deliberada. Estava convicto de que não precisava de ninguém comigo, pois o mundo tinha muito a oferecer.
Cheguei no Peru e fui acertado em cheio por uma sensação de solidão fortíssima. De não saber o que fazer, de querer alguém junto só para não estar sozinho.

O segundo mecanismo é não me comprometer ou abandonar antes de ser abandonado.
Em amizades, já me vi evitando fazer muitos convites ou deixar claro minha vontade de estar junto, por medo de não ser retribuído. Em relações amorosas, já me vi pronto para saltar do barco a qualquer momento, caso percebesse que o barco poderia ser abandonado comigo dentro.

AS PERCEPÇÕES VÃO SE AGUÇANDO

Escrevi um texto sobre quer compartilhar agendas com pessoas em que fiz uma linha de evolução das minhas percepções desde que fui pro intercâmbio. No momento, to correlacionando essas percepções com o medo do abandono.

Lá, aos 16, definia a sensação como “quero minha mãe!”.
Mais tarde, aos 20 e poucos, quando viajava sozinho, dizia que “não me sentia reconhecido pelas pessoas” e que isso me fazia falta.
Recentemente, aos 26, entendi que “quero pertencer” aos lugares e grupos que habito.
Aos 27, percebi que tudo isso se materializa na ideia de “compartilhar agendas” com outras pessoas.

Com esses clarões sobre o medo do abandono, me dou conta de que antes dos 16, essa sensação se manifestava como “alguém quer fazer algo comigo?”.

Todas essas sensações são ou estão, de alguma maneira, fortemente relacionada ao meu medo de ser abandonado.

CUIDANDO SEM SABER

Relendo o que escrevi até aqui, muitas das coisas que compartilhei me pareceram um tanto catastróficas (hahahaha).
Então quero deixar claro que não estou em sofrimento e que não tenho todas essas manifestações de maneira tão intensas em mim — elas são relatos de muitos momentos da minha vida.

Todas existem em algum nível, mas vejo que, mesmo sem ter a clareza sobre o medo do abandono, eu já venho cuidando dele há bastante tempo.

Minhas aventuras pra dentro de mim no Yoga, em monastério budista, no Vipassana, na Busca da Visão ou seja viajando sozinho tem me ajudado muito a encontrar lugares onde estou só, sem planos e certeza, mas nos quais eu mesmo não me abandono.

Essas experiências tem me dado recursos para lidar com mais calma e centramento com minha sensação de abandono quando ela vem.

Em julho de 2018, quando estava em Paris, fiquei na casa de um amigo de uma amiga. A galera era do rolê de Dub e acabei indo encontrar um deles, o Jon, numa festa em Saint Denis. Eu só conhecia ele e a namorada no rolê todo e ele me daria carona para ir embora.

Depois de escurecer, me dei conta que não os via fazia um tempo. Procurei por muito tempo e não os encontrei. Eu estava sem celular, então achei um amigo do Jon e pedi, com dificuldade na comunicação em francês, para usar seu celular. Quando conseguimos falar, ele disse que estava em casa e que havia esquecido de mim.

Era quase meia noite, eu estava no norte de Paris e teria que voltar para o leste da cidade sozinho.

A sensação que tive naquele momento foi exatamente a recorrente sensação que estou associando com o abandono. Mas, naquele momento, respirei e pensei literalmente o seguinte:

“Calma, cara. Cê chegou até aqui sozinho, então nada mudou. Cê não quer deixar de ser moleque? É só pegar o metrô, fazer baldeação, sair na estação, pegar o ônibus e caminhar até a casa, e isso cê sabe fazer tranquilamente.”

E foi exatamente o que fiz, sem sofrer.

Não acredito que posso transmutar coisas simplesmente querendo acabar com elas. Entendo que, quando algo não me faz bem ou não agrada, é importante observar para entender melhor e dedicar energia na construção de uma nova forma de fazer, ser ou estar em vez de dissipar energia lutando contra.

Eu tô nessa observação, mas suspeito que a ideia de compartilhar agendas, construindo conexões reais com pessoas queridas, sonhando junto e compartilhando a vida, me parece ser uma materialização saudável do que quero construir para ressignificar meu medo do abandono.

É cedo para entender todos os impactos, mas ter mais clareza sobre esse meu medo parece me ajudar a dar um passo pra trás quando situações diversas — com amigos, amores, familiares — disparam o gatilho.

Acho que, tendo consciência desse medo, posso desvencilhar a sensação que estou tendo da situação em questão e da pessoa envolvida. Minha esperança é que, a partir daí, eu possa culpar menos o outro, sair do lugar de vítima e me comunicar com mais clareza, na busca por conexão e compreensão.

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