São Paulo é uma ótima cidade para chorar, de Camila Assad

ADobra
ADobra
Published in
5 min readDec 8, 2021

a partir do original de Alex Dimitrov e da transcriação de Laura Assis

Foto: Camila Assad

São Paulo é uma das melhores cidades para chorar.

Chorei na esquina da Brigadeiro com a Paulista,
tomando uma vitamina de banana,
tirando 2 horas de almoço em 2014
quando estava grávida.

Eu chorei na Praça da República uma noite dessas,
preocupada por não ter um plano de saúde
e por ter largado o emprego para escrever poesia,
pensando em como até mesmo trabalhar com poesia
te impede de escrever.

Eu chorei muitas vezes
num banco do Parque Ibirapuera,
assistindo aos carros que passavam pela 23 de Maio,
sem motivo nenhum pra chorar,
e foi aí que chorei ainda mais.

No ano em que morei em Sumaré
meu filho tinha 4 anos e chorei na Padaria Real
com um mesmo pingado por horas,
até escrever um poema e imediatamente
enviá-lo para a Piauí, afinal, por que não iriam querer publicar?
Era um poema horrível. Todos eles.
Mas são os dias dos quais mais tenho saudade.

A linha vermelha é a minha linha favorita para chorar.

Está sempre atrasada
e cheia dos pais de outras pessoas
Ninguém realmente olha pra você
porque eles estão tão contentes
de não serem você.
E, claro, porque eles sabem
que ser alguém é uma tragédia
como a própria CPTM.

Há algo de produtivo
em chorar no centro de São Paulo:
é quase como chorar sozinha no seu apartamento,
mas você pode ver pessoas diferentes
e também aproveitar pra pagar umas contas.

Uma vez eu estava tão exausta
que comecei a chorar no meio de uma cerveja
com a minha amiga Mariana
num bar chamado Riviera (agora fechado),
enquanto eu reclamava com ela sobre como as pessoas
pedem sempre aos poetas que façam coisas de graça,
como se não tivéssemos de pagar aluguel
ou dar conta da nossa solidão.

Por favor, gente, paguem os poetas.
Por favor, paguem os poetas mais do que a qualquer pessoa.

Eu também chorei quando estava feliz
num uber na Rebouças
enquanto a Antena 1 tocava Marília Mendonça
no dia em que meu segundo livro foi lançado.

Acabou que depois disso
ainda teve muito mais choro
em vários bares e lugares kidsfriendly,
vou listá-los:
Mamusca, Catavento Cultural, Parque da Mônica,
Kidzania, Playland, Zoológico municipal
e eu poderia continuar,
mas esse poema não é sobre choro materno,
apenas choro em geral.

Isso me lembra que eu costumava chorar
no Tiquim (também em Sumaré)
e que uma vez uma outra mãe perguntou
se eu tinha uma fralda pra emprestar e se eu conhecia
“um lugar mais tranquilo”.
Eu fiquei tão confusa que fingi
que tinha parado de chorar e disse “Não,
você não viu as lágrimas, porra?!”
Então atravessei a rua até a praça da Sabesp e continuei
a chorar, mas aí de forma menos convincente.

Acredite ou não,
nunca chorei num apartamento de família,
de amigos com quem eu andava ou umas colegas com as quais eu tentava me enturmar.
Todas elas pensavam que eu era muito fechada
e devia chorar mais. Todas elas andam
emocionalmente esgotadas, para dizer o mínimo.
Especialmente as professoras.

É claro que nenhuma delas me imaginaria
chorando em frente ao Ibis Budget
quando perdi meu celular,
no mesmo dia em que tive três poemas rejeitados
e uma tarde horrível,
do tipo que te faz pensar
se deveria parar de falar com as pessoas
e apenas sentar numa mesa
solitária do Cortás.

Eu também chorei no Cinearte
e em todos os cinemas e suas entradas.
(o Cinearte também fechou,
aliás, assim como o Cortás.
É isso que acontece em São Paulo,
quando você finalmente acha um bom lugar pra chorar,
ele some num piscar de olhos)

Claro que houve momentos
em que eu queria chorar e não podia.
Me mudando. Esperando o resultado das provas.
Encontrando um ex-namorado que agora
é casado (com alguém que tem
um rostinho bonito e nenhum caráter,
boa sorte aí, meu bem!).

Acho que nem devo
contar as vezes que chorei em casa.
Quem poderia, afinal?
Eu só morei em três apartamentos:
Sumaré, Vila Mariana
e esquina da Major Sertório.
E ainda moro aqui nesse último,
sendo que a última vez que chorei foi há duas horas.

Às vezes choro enquanto desço o Minhocão
fingindo que estou com alergia.
É a meu lugar preferido na cidade,
meu lugar preferido no mundo.

Seria como contar os casamentos
da Gretchen se eu tivesse
que dizer a quantidade de restaurantes em que já chorei.
A maioria no Centro,
mas eu adoro chorar no Itaim Bibi,
onde as pessoas ficam ligeiramente mais escandalizadas,
talvez porque sejam um pouquinho mais ricas,
sei lá, tenho R$106
na minha conta nesse exato momento.

Também já chorei na frente dos caras do delivery
e nunca me senti mal,
pois há tantas razões para chorar
que eu sei que eles entendem.

Naturalmente, quando vejo alguém chorando em São Paulo
é como um convite.
Como se eu devesse arregaçar as mangas e me juntar à pessoa,
como se estivéssemos prestes a fazer algo
muito importante juntos.

Sinto que tenho sorte de morar aqui,
pois quando criança não me era permitido chorar,
e quando meu filho crescer, definitivamente vou dizer a ele
como isso é útil
e ainda é de graça.
Você é livre para chorar o tempo todo!
Por favor, chore, filho!
Por favor, use a liberdade que você tem!
Até o dia em que você entender que não está de todo livre.
Nunca foi, pra início de conversa.
É apenas mais uma pessoa chorando no Minhocão.
De novo.

*

Camila Assad é poeta e tradutora. Nasceu em Presidente Prudente (SP) em 1988 e chora em São Paulo desde 2018. É autora de Desterro (Edições Macondo, 2019).

*

Leia aqui a primeira transcriação da série: https://medium.com/adobra/21-lugares-para-chorar-em-juiz-de-fora-877aa330e377

--

--