ENTREVISTA

Renata Isfer, sócia da Petres Energia, debate sobre o Novo Mercado de Gás

Além disso, a especialista aborda a importância do gás natural para a continuidade da transição energética brasileira

Vanessa Petuco
Aprix Journal
Published in
10 min readJul 16, 2021

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Sócia da Petres Energia, Renata Beckert Isfer representa uma das principais referências do setor de Oil & Gas. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, com especialização em Direito Tributário pela mesma instituição, Renata atua há mais de 13 anos como Procuradora Federal na Advocacia-Geral da União. Concomitantemente, a atual mestranda em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Econômico pela UniCEUB foi secretária de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia e chefe da consultoria jurídica da mesma pasta ministerial. Durante toda sua carreira, a especialista participou ativamente da criação das políticas públicas que possibilitaram a recuperação do setor de petróleo, gás natural, energia elétrica e mineração.

Ao longo desta trajetória, Renata também realizou um curso de extensão na Harvard Kennedy School sobre liderança feminina, o que a inspirou a criar o projeto “Sim, elas existem”. Por meio desta iniciativa, Renata e Agnes da Costa buscam trazer mais visibilidade à presença feminina no setor de Oil & Gas e discutir os entraves que dificultam a chegada das mulheres a cargos de liderança.

Em entrevista ao Aprix Journal, Renata Beckert Isfer analisa o atual mercado de gás brasileiro, avalia os benefícios da Nova Lei do Gás e expõe a sua perspectiva acerca do futuro deste setor. Além disso, a especialista aborda a importância do gás natural para continuidade da transição energética brasileira. Confira!

Foto: Sérgio Lima/Poder360

No dia 04 de junho, o Governo publicou o Decreto nº 10.712, regulamentando a Nova Lei do Gás. Na sua avaliação, como é o mercado brasileiro de gás hoje? E o que muda com a sua abertura?

O mercado de gás hoje praticamente é um não mercado, porque não tem competição. Ele ainda tem um agente dominante em quase todas as etapas da cadeia. A Petrobras é responsável por 70–75% da produção e ainda é proprietária de praticamente todo o midstream e é sócia das distribuidoras, apesar de estar vendendo a Gaspetro graças ao Termo de Compromisso de Cessação (TCC). Porém, as próprias distribuidoras são monopólios, por mais que não seja a Petrobras. É isso o que hoje a gente vivencia hoje e é isso o que o Governo está tentando mudar, porque o Brasil é um país que tem um grande potencial para ter um mercado de gás natural e nunca conseguiu o desenvolver.

Quais os principais benefícios que este novo marco regulatório oferece não somente para o setor de gás em si, mas também para a economia e a população brasileira?

O principal objetivo do novo mercado de gás é trazer competitividade. Como isso vai afetar a vida das pessoas? Bem, tendo-se competitividade no mercado de gás natural, a tendência é que o preço dele reduza. Isso porque quando se é dependente de um agente monopolista, ele basicamente tem o controle do preço. Ou seja, ele vai vender aquele combustível pelo preço mais alto que alguém estiver disposto a pagar. No caso de uma estatal, geralmente existe um preço de paridade internacional. Assim, à paridade internacional se soma todo o preço do frete e o preço do transporte. É possível produzir mais barato que isso, mas se está competindo com a única coisa que tem para competir, que é o mercado internacional e olhe lá, porque o Brasil tem pouquíssimos terminais de GNL para efetivamente trazer o gás de fora. Então, com a competitividade, a tendência é aumentar o número de agentes nesse mercado, reduzindo o preço do gás natural e aumentando a demanda. O que significa aumentar a demanda? Com o gás natural mais barato, consegue-se fazer mais termelétricas à gás natural e ter indústrias petroquímicas vindo para o Brasil e isso significa mais investimento, mais emprego, mais impostos pagos e, consequentemente, uma economia girando. Então, é possível ter uma reindustrialização no Brasil com base no gás natural, uma maior oferta de energia com segurança energética a um custo mais baixo do que tem hoje e, além de tudo, uma continuidade ao processo de transição energética.

O projeto de lei que retomou as discussões acerca do Novo Mercado de Gás foi publicado em setembro de 2020, aprovado pelo Congresso em março de 2021 e sancionado pelo presidente no início de junho. Durante este período, como o setor de O&G brasileiro tem se movimentado para se adaptar às futuras mudanças deste mercado?

Bom, é uma soma de coisas, não é só a nova lei. É a nova lei somada a todas as medidas que existiram desde o Gás para Crescer, programa do governo que fez um diagnóstico do que precisava para abrir o setor; o Novo Mercado de Gás, que trouxe algumas medidas de abertura de mercado que não dependiam de lei; o Termo de Compromisso de Cessação (TCC) celebrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); e o programa Revitalização da Atividade de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural em Áreas Terrestres (Reate), que também incentiva a produção onshore. A soma disso tudo criou uma confiança no mercado que já está se movimentando para tentar monetizar o gás natural.

O Brasil tem uma grande reserva de gás natural no pré-sal, na bacia de Sergipe, em Alagoas, na área onshore e este produto não está sendo monetizado. Por enquanto, ele está em grande parte sendo reinjetado para estimular a produção de óleo. No entanto, desde o Novo Mercado de Gás, as próprias empresas produtoras de petróleo estão buscando caminhos para trazer o gás natural para terra e para aproveitar este produto. A Equinor já tem planos de colocar uma planta de processamento na própria plataforma de petróleo e um gasoduto para escoar isso para a terra, o que é uma novidade; A Petrobras está fazendo acordo com a Shell e com a Repsol para o compartilhamento da infraestrutura de escoamento; Foram inaugurados dois terminais de GNL no Brasil, um no Porto do Açu e outro no Porto de Sergipe; Os leilões de oferta permanente tem sido sucesso e nisso a Petres Energia, empresa da qual sou sócia, está adquirindo campos de gás no onshore. Então existe uma grande movimentação, porque não adianta querer mudar o mercado só com ações de governo. Da mesma forma, dependendo da regulação, não adianta tentar mudar só com ações de mercado. Então, precisa-se dessa sinergia, dessa força entre o estado e investidores para que efetivamente se consiga promover esse mercado. Além do principal: o grande agente monopolista tem que de alguma forma abrir mão do seu monopólio, seja de forma forçada ou seja por vontade própria. No caso, a Petrobras está fazendo um grande programa de desinvestimento. Então, a soma de todos esses agentes é a grande força desse movimento e é o que irá mudar essa realidade.

Recentemente, foi aprovado pelo CNPE o Programa Combustível do Futuro. Você acredita que este projeto irá auxiliar na ampliação do uso de gás no Brasil? Se sim, como?

O legal do Programa Combustível do Futuro é que se via muitas ações buscando a transição energética, mas que não se conversavam entre si. Uma parte já está deixada para o mercado, porque existia uma visão de que se tinha que ver a própria tecnologia para ver para onde ela apontava. Isso porque não adianta querer forçar o caminho, porque pode surgir uma tecnologia disruptiva de outro lado que você não estava esperando. Então um pouco se tinha uma visão de olhar para o mercado, mas ao mesmo tempo — e nisso esse programa é super relevante — se pode dar um direcionamento sobre aonde você quer chegar. Então, para isso, o Programa Combustível do Futuro reúne todos os programas que já existem, como o RenovaBio, o Rota 2030 e uma série de programas para chegar num objetivo comum. Mas, onde que o gás entra nisso? O gás é um combustível de transição, então entre as previsões que existem no próprio Programa Combustível do Futuro, está a criação de corredores verdes para o uso de biogás, de GNL e de GNC. Então, se você quer conquistar uma matriz mais limpa, o gás natural é um caminho para chegar lá.

Dentro da pauta abrangida no Programa Combustível do Futuro, ao seu ver, qual a importância do gás para a transição energética brasileira?

O Brasil é um país riquíssimo de cursos naturais. Nós temos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Porém, grande parte disso é intermitente, porque os ventos não sopram 24 horas por dia e existem casos de extrema seca como a que estamos vivendo agora. Então, precisa-se de alguma forma ter opções para que se tenha energia na hora que a população precisa. O gás natural é uma dessas possibilidades, porque, por via de regra, se tem o combustível, uma termelétrica pode gerar energia continuamente. Essa é a grande força do gás natural.

Tem outras alternativas para isso? Até tem, mas hoje elas não são tão economicamente viáveis. Tem o biogás, mas que não tem produção suficiente; Tem a energia nuclear, mas a Angra 3, por exemplo, está parada há muitos anos, além dos riscos desse tipo de energia; Tem o nitrogênio, que está sendo cada vez mais debatido, mas ainda precisa ser economicamente viável e o mesmo vale para as baterias.

Nesse ponto também vale retomar a importância do Programa Combustível do Futuro, porque para se falar em energia limpa, é preciso olhar para todo o ciclo de produção. A partir desta análise, constatou-se, por exemplo, que os biocombustíveis emitem mais oxigênio do que gás carbono, então o saldo é positivo para o meio ambiente. O Programa Combustível do Futuro vai ser bacana porque se tentará prever formas de reduzir emissões mesmo em outros combustíveis. Hoje, todo mundo fala sobre os carros elétricos como se fossem super renováveis, mas não se analisa como a energia utilizada para abastecer esses carros é gerada. Além de que as baterias dependem de minerais que existem em poucos países do mundo e isso pode criar uma situação em que esses países acabem ganhando muito poder sobre o resto. Sem mencionar a questão do descarte destas baterias, pensando que hoje, no Brasil, são 45 milhões de veículos.

Então, é uma discussão importante que precisa ser feita para a gente escolher o melhor caminho. Eu acredito piamente que o gás natural vai trazer o atributo da segurança energética e da redução das emissões de carbono, mas também o Brasil não pode deixar de olhar nunca para os biocombustíveis. Falta uma noção da população do quanto ele é verde, porque se compra carro elétrico porque é renovável, mas não se pensa que o etanol é mais renovável ainda.

Como você enxerga o futuro do setor de gás brasileiro?

Eu sou uma pessoa muito confiante na abertura do mercado de gás e a maior prova da minha confiança é que eu resolvi abrir uma empresa para isso. Então, com esse esforço coletivo, eu acredito que em alguns anos, nós efetivamente vamos ter o mercado de gás natural aberto com competitividade, permitindo que se possa comprar no curto prazo no mercado spot, num hub. Isso vai trazer um grande avanço também para a reindustrialização e para garantia de segurança energética do país.

Para finalizar, gostaria de comentar sobre o projeto “Sim, elas existem!”, em que você é cofundadora. Então, como você enxerga o espaço das mulheres dentro do setor de energia? Como foi a sua experiência? E o que levou você a desenvolver o projeto?

Definitivamente o espaço das mulheres é muito pequeno. Quando eu entrei no Ministério de Minas e Energia, não tinha nenhuma mulher como secretária ou como diretora de agência reguladora. Além disso, se olhasse para trás, observava-se que havia tido uma diretora na ANP, uma diretora na ANEEL, uma secretária de petróleo no MME.

Ao longo da minha carreira, eu fiz um curso junto com a Agnes da Costa, em Harvard, em que se discutia o que poderíamos fazer para mudar esse cenário. Uma das coisas que trouxeram nesse curso é que todo mundo diz que não tem mulher no setor e isso acaba reforçando essa percepção. O melhor caminho, então, é mostrar que existem mulheres neste mercado, sim! O que existe é o efeito funil. Ou seja, é um setor que tem uma predominância masculina, mas se você olhar a parte de baixo tem muito mais mulher do que no topo. Para se promover mudanças, as mulheres têm que perceber que esse é um setor que pode ser delas também e que elas têm como chegar no topo. Para finalizar o curso, eu e a Agnes tivemos que fazer um projeto final e foi então que surgiu a ideia de mostrar onde estão essas mulheres. No começo, nós fizemos uma lista de mulheres que estariam aptas a exercer os principais cargos de liderança, mas o projeto acabou evoluindo. Hoje nós temos um programa de mentoria, temos coluna quinzenal na EPBR, já fizemos podcast e webinários.

Eu vejo que houve um avanço, mas ainda é pouco. Tem um caminho ainda a ser seguido e por isso a gente continua. Porém, cada vez mais se fala abertamente nisso e cada vez mais tem grupos de apoio entre mulheres. Então, se vê que efetivamente essa consciência está tomando força. Claro, não está nem de longe no ritmo que a gente quer, mas eu acredito que só essa liberdade e esse movimento nosso vai fazer a diferença para que a próxima geração esteja numa situação que não precise mais desse tipo de iniciativa.

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